domingo, 8 de janeiro de 2012

Um título no meu pequeno caderno


O primeiro jogo do Sporting que vi ao vivo realizou-se fora de Alvalade, em Portimão, e acabámos por perder (já o primeiro jogo no nosso estádio, esse deu uma vitória por sete a um, frente a uma equipa das redondezas). Procuro a data do jogo de Portimão num pequeno caderno onde nessa época ia apontando tudo jornada após jornada. E lá está, a quatro de Abril de 1982. Íamos bem lançados para ser campeões, mas durante cerca de um mês trememos. Foi a nossa pior fase num campeonato que eu acompanhava com a certeza de que o título não nos escaparia. Já no Verão de 1981 eu pensava assim, com o que ouvia na televisão e lia nos jornais sobre o estágio da equipa na Bulgária, ainda por cima com um novo guarda-redes que alguns jornalistas diziam ser capaz de fazer defesas impossíveis.
Vejo agora no pequeno caderno com mais de um quarto de século a sucessão de maus resultados que poderiam ter deitado tudo a perder. Um empate em casa com o Espinho, uma derrota no estádio do Boavista, depois uma vitória sofrida em casa (com a tal equipa dos sete a um apalavrados pelo destino para daí a quatro anos), até que chegou a visita a Portimão, vinte quilómetros abaixo da serra onde eu morava. Lembro-me de a minha mãe me ter dado dinheiro e de me falar em poupar nesse dia o mais que pudesse porque o bilhete ia ser bem caro, se eu conseguisse arranjá-lo. Fui para o estádio sem certezas, ainda por cima gastando logo uma parte no autocarro porque era época de férias das aulas num liceu de Portimão e o passe não contava nesses dias.
Eu passava muitas vezes perto do estádio do Portimonense no caminho para o liceu. Era um lugar tranquilo, mas naquela tarde de domingo uma multidão tinha mudado tudo. Tanta gente por causa da visita do Sporting... E as bilheteiras fechadas. Já não havia bilhetes quando cheguei, e isso por momentos fez-me entrar em pânico. Mas de repente apareceu-me alguém pela frente com um maço de papelinhos. Bilhetes… Só podia ser, não ia andar ali um tipo a vender rifas ou coisa do género… Era mesmo bilhetes, e ele pedia trezentos escudos por cada um. Pensei que não teria tanto dinheiro, mas lá contei e a verdade é que tinha, mesmo quase não dando para mais nada, nem para o autocarro, nem para comer alguma coisa de jeito. Decidi depressa. Comprei um bilhete e corri para a entrada de uma zona onde se ficava de pé, lembrando-me do que tinha ouvido falar de bilhetes falsos e quase tomado pelo medo de ser apanhado com um. Mas consegui entrar, e ainda a tempo de ver a parte final do aquecimento dos jogadores.
Pouco depois vi o guarda-redes húngaro, muito magro, de cabelo comprido e com um bigode enorme. Aproximava-se da baliza atrás da qual eu me tinha conseguido colocar, junto ao gradeamento, a mesma baliza onde tinha acabado de fazer o aquecimento o guarda-redes do Portimonense. A claque do Sporting estava por perto e por isso a agitação era enorme. Tinha de ter atenção, ainda por cima tendo ficado junto ao gradeamento, mas não me preocupava. Estava a ver o Sporting ao vivo pela primeira vez e isso é que me importava. Nem o Portimonense me preocupava.
Eu tinha a certeza e que ia colocar no pequeno caderno mais uma vitória do Sporting, para confirmar a do fim-de-semana anterior frente à equipa da vizinhança e acabar definitivamente com a fase má. Porque acreditava que estávamos na caminhada para mais um título de campeões. Só que o jogo começou e o Sporting não jogava. O Oliveira estava de fora. O Manuel Fernandes, o Jordão, o Lito (que duas décadas depois haveria de ir bater com o carro dele no meu, no Estoril), o Carlos Xavier (que um pouco antes do desastre com o Lito, no casamento de um amigo comum, me tiraria uma fotografia quando já estava um bocado alegre e depois ao ver-se a foto lá estava ele, porque tinha a máquina virada para o próprio rosto), o Mário Jorge, o Eurico… Simplesmente não jogavam, por mais que o treinador inglês, Malcolm Allison, lhes gritasse lá de longe, do banco dos suplentes.
Os jogadores que jogavam eram os do Portimonense. E eu, agarrado ao gradeamento, a dois metros do guarda-redes Meszaros (de quem já sabia dizer bem o nome, depois das confusões iniciais), nem queria acreditar. E apareceu um penalty contra nós, que eu pensei que ele mesmo enervado com o comportamento dos colegas haveria de defender sem problemas. Mas não defendeu. O penalty foi marcado por um brasileiro pequenino e de cara grande, muito redonda e com barba. Chamava-se Tião, como um dos bonecos dos livros do Tio Patinhas que eu começava a deixar de ler. Mesmo assim não desesperei, pensei que com o decorrer do jogo haveríamos de recuperar. Mas sobre o intervalo apareceu um jogador alto do Portimonense, chegado da Bélgica, um português que por lá tinha andado emigrado e tinha um nome que parecia estranho para jogador de futebol, Norton de Matos. Só que desenrascava-se a jogar, principalmente quando o punham a avançado. Nessa jogada, apanhou a bola à entrada da área, andou às voltas e disparou. O Meszaros ia defender, voltei a pensar, mas ele não defendeu. E de repente estávamos a perder por dois a zero.
Era a primeira vez que eu via o Sporting a jogar sem ser na televisão, e íamos perder. Como as coisas estavam, como depois recomeçavam na segunda parte, senti que íamos perder… E foi assim. O jogo ficou em dois a zero, e nem foi azar, porque nesse domingo à tarde a equipa do Sporting não parecia a mesma que ia à frente do campeonato.
Lembro-me de voltar para casa à boleia, fazendo contas, nos meus catorze anos, aos pontos e aos jogos que nos faltavam. E de pensar em como haveríamos de acabar com aquela fase má em que só conseguíamos ganhar à equipa da vizinhança. Mas mesmo assim os maus resultados continuaram, primeiro um empate em casa com o Leiria e depois outro em Guimarães. Foram seis jogos do campeonato em que só ganhámos um, o jogo em que nosso capitão levou um murro do guarda-redes adversário, dentro da área, murro que valeria um dos dois penalties assinalados e concretizados pelo Jordão.
Mas tudo acabou por correr bem. Voltámos às vitórias, duas seguidas, ambas por três a zero, em casa com uma equipa chamada Amora e depois no Estoril, onde garantimos o campeonato. O meu primeiro campeonato, porque antes eu pouco ligava a futebol. No único jogo que vi ao vivo, quando o Sporting foi jogar perto da minha casa, perdemos. Mas fomos campeões, como eu sempre acreditava a cada jogo que apontava no pequeno caderno, mesmo que por vezes não apontasse uma vitória.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Revista «human» de Janeiro


A edição número 37, que marca o início do quarto ano do projecto. Já nas bancas (mais informações aqui; e clicar na imagem para aumentar).

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

António Souto – Crónica (43)


… já que entrou na agenda, e se emigrássemos e deixássemos os reis barrigudos a pregar para os peixes?!

E tudo o resto a menos
Ontem foi feriado, talvez um feriado a menos que, não faltando, poderá vir a faltar-nos. A história dos homens faz-se com a história dos homens – com os factos, com os mitos, com os simulacros, com as ausências, com os vazios.
Para o ano, a nossa história será diferente, forçosamente outra, mais triste e mais pobre, e não apenas por falta de feriados nem por falta das «festas» que etimologicamente representam. E se para além de tudo quanto cessar houver ainda menos feriados, haverá seguramente feriados a menos, porque todos, cada um a seu modo, serão para muitos um mal necessário, um dia de folgança a menos que tornará o ano mais longo, mais pesado e mais macambúzio. Tão ou mais do que a baixa lisboeta sem iluminação, sem uma árvore içada por uma estrela, sem um vestígio de natal.
Está bem, ele há gente virtuosa que sabe que os feriados são quase todos dissonantes e escusados e infecundos, mas é admirável que quem tem o dom de ter o rei na barriga – que é quem manda em nós – só descubra estes ignóbeis adjectivos quando a crise bate à porta e é preciso mostrar aos outros (sempre aos outros) que há que manter bem firmes as rédeas, bem firmes e curtas, porque a verdade é só uma (é sempre só uma) e há que evitar o dilúvio causado pelos outros (sempre pelos outros), por aqueles que precederam estes e por aqueles que precederam os que precederem estes e por aí fora...
E a tristeza e a pobreza acrescida do próximo ano levará ainda em cima com uns dias de férias a menos a juntar aos feriados a menos e ao salário a menos e aos subsídios a menos e às deduções a menos e aos descontos a menos e a tudo o resto a menos.
Hoje, no dia seguinte a uma provável comemoração a menos, tenho diante de mim vinte e tal alunos tentando buscar sentido a algumas palavras do Pe. António Vieira: «A primeira coisa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.»
Mas estes jovens que me acompanham na leitura têm alguma dificuldade em enxergar nos dias de hoje e nestas bandas de cá desedificações assim tão escandalosas, porque a noção de «circunstância», mitigada pela escola, não é ainda matéria com que se defrontem, daqui a meia dúzia de anos, sim, que é quando se perderão na «cidade», como num «açougue». E não haverá nessa altura feriados a menos nem feriados a mais, haverá porventura uma porta sem saída. A única saída.
[Ontem foi o 1º de Dezembro. Ontem estive muito perto das palavras do Pe. António Vieira.]
Bem sei que não é original, mas já que entrou na agenda, e se emigrássemos e deixássemos os reis barrigudos a pregar para os peixes?!

Crónica de Dezembro de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 3635; 3738;   39; 40; 41; 42.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Lito (2003-2011)


Quando chegava Dezembro, ganhava invariavelmente o prémio de animal do ano por aqui. O Lito. Descansa agora debaixo de um velho vimeiro, junto de um amigo, como ele, inesquecível.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Uma frase

«Os políticos são muito bons a legislar para criar empregos para eles próprios.»
João Caiado Guerreiro, advogado, na TVI24

«human» de Dezembro




Edição de Dezembro de 2011 da revista «human», como habitualmente a edição «Premium». É a maior da história de três anos deste projecto, chegando às 160 páginas. O capital humano visto por 70 instituições de referência em Portugal.

sábado, 3 de dezembro de 2011

A maior edição



Chegou finalmente ao escritório a edição «Premium» da revista «human». Como habitualmente, uma edição especial de final de ano, que em 2011 reúne perspectivas de 70 instituições de referência na área de recursos humanos em Portugal. Quase meio quilo de revista, sete milímetros de lombada e 160 páginas. É a maior edição da história da «human».

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Tendências

Em Portugal em vez de se apostar em ministros topo de gama aposta-se em carros topo de gama para os ministros.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A simplicidade

O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, acaba de apelar ao espírito cívico dos portugueses, por exemplo para que peçam facturas em todas as compras realizadas, compras a que chamou «actos simples», não sei se por experiência própria, se para ele qualquer compra é um acto simples (as que faz com o dinheiro do Estado provavelmente são mesmo simples, na óptica dele). Gostaria também de apelar ao espírito cívico do ministro e pedir-lhe que passe a usar um carro que custe no máximo trinta mil euros. E que exija prática igual a todos os ministros e secretários de Estado. E que um pouco por todo o Estado se faça uma actualização na mesma proporção (haverá quem tenha de passar a andar de utilitário e quem deixe inclusive de ter carro à borla, mas num país a viver de apoio financeiro externo não vejo que isso não seja razoável).