Décima sexta crónica de António Souto, depois desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta, desta e desta. O António mantém uma crónica («Ex-abrupto») no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Esta é a da edição de Setembro de 2009.
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Até às próximas
Estas eleições vêm tão velozmente ao nosso encontro que mais parece virem de encontro a nós, sobretudo agora que a campanha avança, como em todas as campanhas, a um ritmo frenético, com cola e descola cartazes, monta e desmonta outdoors – em frontlight e em backlight, quando o orçamento é generoso (e os ingleses, que exportam o vocábulo, aforram para a propaganda deles um outro, que é billboard), com arruadas por tudo quanto é ruas, vielas e praças (que para estas últimas ainda se não inventaram nomes), com comícios e quilómetros papados por todos os pontos cardeais deste país de continente e ilhas, tudo agora calculado a quilos de CO2 (e nem sempre quem mais andarilha mais polui).
E nós, a gente, o povo, os portugueses, mulheres e homens que somos e que chamados somos a votar por direito e por dever de cidadania, nós vamos vendo, ouvindo e lendo, e chegado o momento, porque em ocasião de escrutínio somos sempre pessoas suficientemente inteligentes, seremos capazes de decidir e com o nosso voto premiar ou punir quem tiver de ser. E pouco importa que nos esqueçamos disto, que sempre alguém no-lo há-de lembrar, em desinteressado elogio.
O problema, como sempre acontece, está no «depois», na palavra que se não cumpre, por não haver hoje palavra que contrarie os desatinos da globalização e das crises internacionais.
E no entanto todos sabemos, ainda antes dos sufrágios, que a verdade hodierna é cada vez menos verdade, apenas porque tudo se transmuta num piscar de olhos, até a ética. E no entanto fingimos que não, que as promessas se vão cumprir, porque esse é o desiderato dos actos compromissivos e essa é a honra de quem os expressa. E no entanto tomamos partido, abraçamos uma bandeira, aplaudimos e votamos em liberdade e em consciência, cremos na bondade, mesmo quando não queremos ir por onde nos imploram.
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«Vem por aqui» – dizem-me alguns com olhos doces,/ Estendendo-me os braços, e seguros/ De que seria bom que eu os ouvisse/ Quando me dizem: «Vem por aqui!»/ Eu olho-os com olhos lassos,/ (Há nos meus olhos ironias e cansaços)/ E cruzo os braços,/ E nunca vou por ali…// A minha glória é esta:/ Criar desumanidade!/ Não acompanhar ninguém./ – Que eu vivo com o mesmo sem-vontade/ Com que rasguei o ventre a minha Mãe./ Não, não vou por aí! Só vou por onde/ Me levam meus próprios passos…» (…) In «Cântico Negro», de José Régio .
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Mas vamos, vamos por «aí», por onde sempre fomos, que é o lugar de irmos e de estarmos, mesmo que estas eleições, como todas as outras, venham de encontro a nós, ou até contra nós, que esta é a nossa conquistada liberdade democrática, em claustrofobia, em asfixia, ou em outras costumeiras vilanias, que, após Abril, quem agora está de um lado já esteve do outro, e tão sufocado é agora o ambiente como dantes era, tudo questão de oportunidade.
Mas vamos, vamos por «aí», que esta é a nossa sina, o nosso fado.
E antes ainda do fim do mês, feitas as vindimas, gozemos o mosto. Até às próximas!
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Até às próximas
Estas eleições vêm tão velozmente ao nosso encontro que mais parece virem de encontro a nós, sobretudo agora que a campanha avança, como em todas as campanhas, a um ritmo frenético, com cola e descola cartazes, monta e desmonta outdoors – em frontlight e em backlight, quando o orçamento é generoso (e os ingleses, que exportam o vocábulo, aforram para a propaganda deles um outro, que é billboard), com arruadas por tudo quanto é ruas, vielas e praças (que para estas últimas ainda se não inventaram nomes), com comícios e quilómetros papados por todos os pontos cardeais deste país de continente e ilhas, tudo agora calculado a quilos de CO2 (e nem sempre quem mais andarilha mais polui).
E nós, a gente, o povo, os portugueses, mulheres e homens que somos e que chamados somos a votar por direito e por dever de cidadania, nós vamos vendo, ouvindo e lendo, e chegado o momento, porque em ocasião de escrutínio somos sempre pessoas suficientemente inteligentes, seremos capazes de decidir e com o nosso voto premiar ou punir quem tiver de ser. E pouco importa que nos esqueçamos disto, que sempre alguém no-lo há-de lembrar, em desinteressado elogio.
O problema, como sempre acontece, está no «depois», na palavra que se não cumpre, por não haver hoje palavra que contrarie os desatinos da globalização e das crises internacionais.
E no entanto todos sabemos, ainda antes dos sufrágios, que a verdade hodierna é cada vez menos verdade, apenas porque tudo se transmuta num piscar de olhos, até a ética. E no entanto fingimos que não, que as promessas se vão cumprir, porque esse é o desiderato dos actos compromissivos e essa é a honra de quem os expressa. E no entanto tomamos partido, abraçamos uma bandeira, aplaudimos e votamos em liberdade e em consciência, cremos na bondade, mesmo quando não queremos ir por onde nos imploram.
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«Vem por aqui» – dizem-me alguns com olhos doces,/ Estendendo-me os braços, e seguros/ De que seria bom que eu os ouvisse/ Quando me dizem: «Vem por aqui!»/ Eu olho-os com olhos lassos,/ (Há nos meus olhos ironias e cansaços)/ E cruzo os braços,/ E nunca vou por ali…// A minha glória é esta:/ Criar desumanidade!/ Não acompanhar ninguém./ – Que eu vivo com o mesmo sem-vontade/ Com que rasguei o ventre a minha Mãe./ Não, não vou por aí! Só vou por onde/ Me levam meus próprios passos…» (…) In «Cântico Negro», de José Régio .
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Mas vamos, vamos por «aí», por onde sempre fomos, que é o lugar de irmos e de estarmos, mesmo que estas eleições, como todas as outras, venham de encontro a nós, ou até contra nós, que esta é a nossa conquistada liberdade democrática, em claustrofobia, em asfixia, ou em outras costumeiras vilanias, que, após Abril, quem agora está de um lado já esteve do outro, e tão sufocado é agora o ambiente como dantes era, tudo questão de oportunidade.
Mas vamos, vamos por «aí», que esta é a nossa sina, o nosso fado.
E antes ainda do fim do mês, feitas as vindimas, gozemos o mosto. Até às próximas!
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1 comentário:
«...e votamos em liberdade e em consciência.» De acordo com Manuela Ferreira Leite, não é bem assim. A liberdade já não é o que era no cavaquismo. De facto, já nos esquecemos do que foi o cavaquismo, presumimo-lo enterrado, mas ele anda por aí,à espreita da oportunidade. Creio mesmo que uma boa parte da desgraça de Sócrates ao cavaquismo se deve ( a outra parte vem-lhe do tempo em que ele, Sócrates, terá militado no PSD!). Finalmente, apesar do que pensamos, não votamos em consciência, porque ao esquecermos o passado, a nossa consciência perde verticalidade.
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