sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

António Souto – Crónica (7)

Sétima crónica de António Souto, depois desta, desta, desta, desta, desta e desta. O António mantém uma crónica («Ex-abrupto») no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Esta é a da edição de Dezembro de 2008.
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Fraternidade universal
Último mês do ano de 2008. Um mês de amizade, de calor e de fraternidade superlativamente transbordante. Um mês de prendas adivinhadas e de puídas mensagens (que postais, com presépios muito alinhadinhos, com casinhas muito pequeninas com neve a chegar às janelinhas e com pinheirinhos derreados de branco, tudo muito quimérico, praticamente já nem vê-los…).
Este ano, por via das coisas, espécie de teste de benquerença, fiz-me de esquecido, que é como quem há muito dizia na minha terra, armei-me em mula e não mandei mensagens a ninguém, isto é, não tomei a iniciativa de o fazer. O resultado, para meu espanto, superou as expectativas: recebi trinta e sete sms e uma dezena de votos por e-mail (registe-se que, por boa educação e afável prazer, retribuí com uma nota pessoal consoante a inspiração do momento).
Em teoria, questão de estatística, estes são os meus sólidos amigos, à volta de meia centena, aqueles que se lembraram de mim sem esperarem que eu me lembrasse deles. Com a idade que tenho, e abreviando, isto dá uma média de uma provada amizade por ano, o que é muito bom. Bem entendido que fiquei preocupado com o esquecimento de outros que julgava dedicados, mas também a lealdade se não pode aquilatar pela devoção das novas tecnologias. E no fundo no fundo sei que os outros, meus amigos também, se não deslembraram de mim, é bem provável até que, como eu, se tenham igualmente armado em matreiros. De qualquer maneira dou-lhes o benefício da dúvida. Porque é natal, ou, como realçou Antonio Gedeão (na foto) no seu poema «Dia de Natal» (1967), porque…
«Hoje é dia de ser bom./ É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,/ de falar e de ouvir com mavioso tom,/ de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças./ ----- É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,/ de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,/ de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,/ de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria./ ----- Comove tanta fraternidade universal./ É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,/ como se de anjos fosse,/ numa toada doce,/ de violas e banjos,/ entoa gravemente um hino ao Criador./ E mal se extinguem os clamores plangentes,/ a voz do locutor anuncia o melhor dos detergentes./ (…)»
Preocupante, mesmo (mais do que a falta de uma mensagem), é a falta que nos faz a efectiva mensagem de fraternidade universal. E logo este ano em que se acaba de celebrar os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de Dezembro de 1948). Basta recordar o Artigo 1 – «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.»
Como se sabe e se vê, fraternidade é valia que não falta em cada natal. Teimando em rimar prazenteiramente com fome, miséria e morte…
Por este ano, portanto, e para acabarmos em misericórdia, estamos conversados.
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1 comentário:

adsensum disse...

Obrigada António.
Desejo-lhe um 2009 de amizade, calor e fraternidade.