segunda-feira, 27 de outubro de 2008

António Souto – Crónica (4)

Quarta crónica de António Souto, depois desta, desta e desta. O António mantém uma crónica («Ex-abrupto») no jornal da sua terra («Jornal D’Angeja»). Esta é a da edição de Setembro.
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Desatinos daqui e da terra do Pai Natal
Situação delicada! Enorme transtorno! Dieta forçada! O refeitório do Parlamento, por recomendação da ASAE, encerra para melhoramentos. A ASAE irrompe finalmente pelo poder legislativo adentro. Nada de especial, nada de privilégios, o exemplo deve vir de cima. A lei é a lei, que é como quem diz, dura lex sed lex! O problema, diz a televisão, é que os trabalhos de requalificação só agora vão começar, terminadas que são as férias no hemiciclo, e por um período previsível de dois meses; e o maior problema é que, como todos sabem, em Portugal a previsão das obras acaba sempre por se arrastar um pouco mais; e o problema maior de todos é os senhores deputados ficarem sem local para as suas refeições, e logo por um lapso de tempo tão grande. Só faltou mesmo acrescentar: Um escândalo!
Sim, porque isto gera um enorme transtorno na vida horária das sessões e dos plenários (e já basta terem-se os senhores deputados deslocado para a sala do Senado, que a principal também se encontra em obras de beneficiação), e então nos outros lugares amesendados nas imediações da Assembleia da República nem se fala, que não estão por certo preparados para esta imprevista correria sazonal dos parlamentares, para já não falar no desembolso acrescido que estes terão de suportar, que o subsídio de refeição não dará para cobrir a conta dos almoços. Um incómodo dos diabos, como se antevê. E por isso a televisão compareceu e deu eco deste desconcerto, porque Assembleia da República há só uma e nela está Portugal inteiro.
Nada que se compare com escolas sem refeitórios (ainda), com alunos sem refeições e com pais sem dinheiro para elas, mas escolas há muitas e a televisão não pode chegar a todas, e como não pode chegar a todas o melhor é não chegar a nenhuma. Mas a ASAE est(ar)á atenta.
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GNR consegue evitar que caixa multibanco seja esventrada no meio dum despovoado. Cenário: uma carrinha com porta traseira aberta; caixa multibanco fora da carrinha, no chão; um gerador de corrente eléctrica; uma rebarbadora; um agente da autoridade explicando o sucedido à televisão. Os larápios foram «apanhados» em flagrante a tentar abrir à força a dita caixa, certamente uma das que fora roubada nas vésperas.
«Apanhados» é como quem diz, que os indivíduos conseguiram fugir numa viatura de alta cilindrada, pelos vistos pelo ermo afora, a toda a velocidade, mas os agentes tinham tudo controlado (ou quase), que quando desconfiaram de algumas movimentações deram logo o alerta a outras forças, e outras patrulhas cercaram logo a zona. Depois foi só surpreendê-los com a boca na botija, ou quase, que eles avistaram os captores e esgueiraram-se pelo descampado além, num carro de alta cilindrada. E estavam armados, estavam, mas não houve troca de tiros, ninguém se magoou, até porque os larápios abalaram a todo o gás numa viatura de alta cilindrada por entre as patrulhas que os cercavam. E para trás ficava a prova do êxito da operação, a caixa multibanco por arrombar com gerador eléctrico e esmerilhadeira ao lado. Tudo como planeado, só que os artistas tinham um carro de alta cilindrada e romperam o cerco, o cerco que as patrulhas tinham montado naquele quase montado. Isto há dias aziagos…
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Dia vinte e três de Setembro. «Na Finlândia, pela segunda vez em dez meses», um novo massacre numa escola. Da primeira vez, foram assassinados oito jovens; desta vez, foram assassinados dez jovens e feridos três. Cite-se a imprensa: «Em Novembro, um jovem de 18 anos, Pekka-Eric, entrou armado na escola secundária local e matou sete colegas e uma professora. Agora, Matti Juhani Saari terá procurado copiar o massacre de Tuusula em muitos dos seus pormenores. Tal como Pekka-Eric, também se filmou a disparar, imitou as mesmas posições e colocou o vídeo na Internet. Lado a lado, as imagens parecem a repetição do mesmo acontecimento.» Armas, novas tecnologias, juventude – matéria que dá que pensar, sobretudo quando esta questão se passa no país da Nokia e do Pai Natal, num país do norte, país-referência, exemplar, para muitos outros países como nós, ditos do sul da Europa. Num depoimento de alguém que conhece bem a realidade da Finlândia, acrescenta-se: «Os finlandeses procuram não precisar de ninguém e tendem a isolar-se. Aliás, as crianças são educadas desde muito cedo para a autonomia, ao ponto de ser raríssimo ver uma criança de mão dada com o avô ou com o pai na rua. Os jovens vivem voltados para a televisão e para a Internet, onde têm comunidades virtuais de amigos, pelo que os pais não têm qualquer controlo sobre a forma como passam o dia.» Citações do jornal «Público» (24.09.2008)
Dia vinte e quatro de Setembro. Debate quinzenal com o Governo na Assembleia da República. De entre os assuntos em destaque: «Código do Processo Penal» e «criminalidade», do lado da oposição; «e-escolas» e «e-escolinhas», do lado do Governo.
As temáticas, a sul como a norte, aproximam-se. Porém, onde lá afloram já preocupantes consequências com a eventual influência das novas tecnologias, reina cá a euforia e o quase deslumbramento pela circum-navegação do neo-magalhães. Compreendemos, mas…
Ninguém negará o nosso atraso nesta matéria; ninguém negará a inequívoca mais-valia das novas tecnologias na qualificação das pessoas; ninguém negará o seu imprescindível recurso num mundo globalizado; ninguém negará que o seu conhecimento se deve adquirir em idade escolar. Mas convirá igualmente avaliar com seriedade a sua conveniente utilização. Quantas horas passam diariamente os alunos diante do computador? Que fazem eles enquanto o manuseiam? Quem controla os jovens e/ ou os orienta? Que cautelas assumem os pais face à desprotegida manipulação deste instrumento? Com quem comunicam os adolescentes, por vezes horas a fio? Que proveito tiram efectivamente deste precioso recurso em termos de aprendizagem? Que efeito produz na sua sociabilidade?
O tempo, porventura não muito longínquo, dar-nos-á respostas. Com ou sem Pai Natal…
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1 comentário:

Anónimo disse...

António:

Muito bom.

Um abraço.