terça-feira, 20 de junho de 2006

Descubra as diferenças

«Se no futuro Scolari sair da selecção, não seriam dez passos atrás [como tinha referido Costinha um dia antes], seriam vinte.» – Figo, Mundial da Alemanha, 2006
«Os técnicos [que eram quatro, Fernando Cabrita e José Augusto, mais António Morais pelo Porto e Toni pelo Benfica] têm preferido jogar à defesa. Hoje, porém, foi a primeira vez que jogámos ao ataque e acabámos mesmo por ganhar. Foi uma vitória dos jogadores e não dos treinadores que temos. Eu, por exemplo, não admito que um treinador da selecção, o senhor António Morais, pela simples razão de um jogador do seu clube não ter hoje alinhado, não tenha comparecido à palestra e, ainda pior, no final do jogo [o terceiro do grupo inicial, contra a Roménia, ganho por um a zero com um golo de Nené] tenha entrado na cabina sem ter uma palavra para dar aos jogadores. Lá por termos sido apurados, há muita coisa que continua mal.» – Diamantino, Europeu de França, 1984

Coisas discutíveis

Já vai para uns dias (estava o mundial de futebol para começar)… No blog «A Origem das Espécies», de Francisco José Viegas, dei com uma discussão sobre o Scolari – o difícil era não dar com uma discussão sobre o Scolari –, com posts e comentários atrás de comentários e posts. Até que reparei na recomendação de «um post do ‘maradona’, ‘Cá dos rapazes’», que segundo o autor do comentário dizia tudo o que era preciso sobre «Scolari e a sua convocatória». Fui espreitar e encontrei isto, assinado, claro, por «maradona» (com letra minúscula): «Apesar de Luís Felipe Scolari não ser um Professor Doutor Aníbal António Cavaco Silva do futebol, não devemos agora pensar que qualquer crítica é uma boa crítica. Ser um mau treinador não faz dele necessariamente um mau seleccionador. Scolari tem sorte, tem personalidade, tem ascendente, é de uma lealdade agoniante, sabe criar e dar confiança às pessoas; nas mãos dele a Inês Pedrosa era capaz de escrever um texto legível. Declaro que compreendo as suas opções. Foram estes os jogadores que qualificaram a selecção nacional para o mundial da Alemanha, um feito que podia muito bem não ter acontecido: lembremos que Figo, Rui Costa, João Pinto, Fernando Couto e Jorge Costa, na altura bestas de jogadores, não conseguiram ir ao França 98. A melhor selecção portuguesa da actualidade, é inequívoco, não é esta, e temo que o Scolari não saiba isso. Mas, novamente, isso não é suficiente para o condenar. Pelo o actual valor futebolístico, o triângulo de meio campo devia ter Manuel Fernandes e João Moutinho em vez de Maniche e Costinha? Devia. O Hugo Almeida é melhor do que o Hélder Postiga? É. O Miguelito faria melhor do que o Nuno Valente? Faria. Mas, por exemplo, para incluir o Quaresma, cuja não ida ao mundial cega de injustiça, quem é que retiravam? O Figo? Sim, o Figo, eu não convocava o Figo e levava o Quaresma, mas quem mais? A minha equipa seria: a guarda-redes, uma pessoa qualquer cidadã nacional sem ser o Ricardo (o Torres Couto, por exemplo); defesas, Miguelito, Ricardo Carvalho, Caneira e Paulo Ferreira; meio campo, João Moutinho e Tiago; avançados, Deco, Cristiano Ronaldo, Quaresma e Hugo Almeida. E esta equipa, embora passando aos oitavos final, poderia chegar à meia-final? Muito dificilmente. Pior do que isto, nem sei se jogariam bem. Esta coisa das selecções tem muito mais que se lhe diga, e o Scolari ao menos isso percebe. Scolari está desculpado. Desta vez não tem o Mourinho para o levar ao colo até à glória, sente-se sozinho, abandonado, deserdado. Vai tentar fazer sobreviver este casamento com as memórias do passado. Mas umas são excelentes memórias. Se em Setembro, nos primeiros jogos para a qualificação do campeonato da Europa, não começar a fazer a revolução que se deseja, então sim, São Paulo com ele.» [texto editado]
Estas coisas são sempre discutíveis, já dizia não sei quem. As opiniões de cada um, por mais que nos pareçam descabidas (então aquilo do Hugo Almeida e do Manuel Fernandes…), alguma justificação deverão ter. Esqueço por isso os jogadores e passo directamente ao seleccionador, sobre o qual já escrevi que «com ele nada se aprende»… Pois, nada se aprende, mas pensando um pouco há que reconhecer-lhe algum mérito. Obviamente que os seus conhecimentos de futebol são rudimentares, mas o que é certo é que lá vai conseguindo manter na ordem as nossas estrelas do costume, que antes dele nunca se sabia o que a qualquer momento poderiam arranjar. Brilho? Trajectória cadente? Explosão? Apagão? Revolução? Embirração? A verdade é que nunca se sabia. Mas custa pensar que dos treinadores portugueses provavelmente só José Peseiro teria conseguido perder a final com os gregos como o Scolari conseguiu...

segunda-feira, 19 de junho de 2006

Quando os tugas faziam de togas

Togas, claro, são os jogadores do Togo (pelo menos assim os decidi identificar neste texto). Tugas, já se imagina, são os nossos (eu nem gosto da palavra, mas já agora uso aqui).
Veja-se, por exemplo, esta notícia («Jornal de Negócios», 19.06.06; texto de Paulo Moutinho, editado – umas vírgulas, uns acentos, umas maiúsculas): «Os jogadores da selecção do Togo voltam a ameaçar boicotar o jogo de hoje frente à Suíça, a menos que o dinheiro que lhes foi prometido por terem qualificado a equipa togolesa para o campeonato do mundo lhes seja depositado nas suas contas./ A equipa do Togo viajou de Wangen para Dortmund, onde será disputado o jogo com a Suíça, depois de lhe ter sido assegurado o pagamento do prémio monetário por terem conseguido qualificar a selecção nacional para o campeonato do mundo, pela primeira vez na história do país./ Em declarações à UK Press Association, citadas pela Bloomberg, o defesa Jean-Paul Abalo afirmou que a equipa irá discutir sobre se vai apresentar-se no jogo de hoje frente à Suíça./ O seleccionador do Togo, Otto Pfister, tinha abandonado a equipa antes do primeiro jogo do torneio devido ao diferendo quanto aos bónus que a Federação de Futebol do Togo iria pagar aos jogadores da selecção, tendo voltado ao seu posto pouco depois./ O jogo de hoje frente à Suíça é de extrema importância para o Togo, depois de ter sido derrotado por duas bolas a uma frente à Coreia do Sul, no primeiro jogo do grupo G.»
Veja-se agora alguns excertos de um comunicado dos jogadores da selecção portuguesa de futebol que há 20 anos, por esta mesma altura, estava no México para disputar o campeonato do mundo (o comunicado é de ainda antes do primeiro jogo, frente à Inglaterra): «(…) Demos um prazo, até hoje, para que a FPF [a federação], representada pelo seu presidente, Dr. Antero da Silva Resende, dialogasse connosco (…) Até ao presente, apesar dos insistentes pedidos feitos nesse sentido, ninguém deu qualquer resposta (…) Para que não restem dúvidas, esclarecemos as condições em que nos mandaram para o México: 1. quatro mil escudos de diária; 2. cem mil escudos de prémio de presença em cada jogo da fase inicial, se formos afastados da competição; 3. duzentos mil escudos, dados pelo senhor Joaquim Oliveira, e não pela FPF, para envergarmos, nos treinos e nos eventuais jogos de preparação, camisolas com publicidade de determinada marca, quando a federação receberá, segundo consta, cerca de vinte e cinco mil contos (…); 4. obrigatoriedade de usarmos diariamente roupa de uma marca desportiva sem qualquer compensação monetária./ (…) Os profissionais de futebol não são crianças às quais se dão reguadas e se impõem castigos, nem mentecaptos manejados a bel-prazer de quem ocupa cargos directivos. Somos homens a respeitar e a ter em conta, não só quando ganhamos jogos, títulos e qualificações mundiais, mas em todas as alturas. Porque temos a absoluta consciência de que o trabalho da selecção, feito com tanto sacrifício, se pode desmoronar de um instante para o outro pela irresponsabilidade do senhor coordenador [Amândio de Carvalho, que ainda hoje se mantém na estrutura federativa, ocupando uma das vice-presidências], que teima em não nos ouvir, resolvemos o seguinte: a) comparecer ao jogo-treino marcado para amanhã, em Monterrey, com as forças inferiores de um clube local [os Tigres de Monterrey] (…) c) constituir nosso interlocutor o treinador principal, José Torres (…) g) dizer que, sendo a aspiração máxima de um jogador de futebol envergar a camisola do seu país, muito tristes ficaríamos se um dia nos obrigassem a pensar na eventualidade de solicitar dispensa dos trabalhos relativos à selecção (…); h) considerar que obtivemos uma grande vitória, da moral e da liberdade, ao conseguir desmascarar esta situação (…); i) provar que não é a situação financeira que nos perturba, mas sim o facto de não nos tratarem como pessoas, com cabeça para pensar e coração para sofrer (…)»

terça-feira, 13 de junho de 2006

Outra vez Campos e Cunha…

Vai para duas semanas. Já era tarde, a caminho da meia-noite. Eu fazia a viagem de Lisboa para casa, depois do fecho de mais uma edição da revista que dirijo, e de repente dei comigo a ouvir um programa de rádio em que entram Manuela Ferreira Leite e João Cravinho. Comentários, debate, painel, nem sei bem o que é… Os dois falam, creio que com um moderador, que fica sempre bem nestas coisas. A certa altura, começaram a discutir uns investimentos anunciados pelo ministro das Obras Públicas. Grandes Investimentos. Cravinho, mesmo do partido do governo, não ia em grandes entusiasmos. Manuela Ferreira Leite, pior ainda. Achava que não, decididamente, porque na nossa situação prometer investimentos é negativo, porque depois não há dinheiro para pagar e etcétera e tal. E eu a ouvir, mais atento à estrada do que ao que diziam, até que a mulher açambarcou a minha atenção. Pôs-se a dizer que aquilo dos investimentos que depois não se pode pagar ia colocar problemas ao ministro das Finanças, que se calhar até teria de fazer como o seu antecessor, que tinha tido que bater com a porta perante os investimentos que contrariavam a sua política de rigor e mais não sei o quê.
Só me faltava mesmo aquilo… No final de um dia bem cansativo para conseguir deixar todo o trabalho feito, ouvir falar de Campos e Cunha, para mim um dos exemplos mais vergonhosos do mundo da política no Portugal democrático. Ele a sua reforma principesca ao fim de uns poucos anos a ocupar um cargo numa instituição pública que até tem a sorte de ter um fundo de pensões. Lembrei-me da expressão de Fernando Alves numa crónica da TSF na altura do escândalo do homem, «profissionais do saque», uma crónica onde o jornalista falou de um museu da corrupção aberto num país da América Latina para dizer que nós em Portugal poderíamos ter não um museu do género mas um núcleo museológico, a céu aberto.
Só faltava mesmo ouvir falar do rigor de Campos e Cunha… Quem não se lembra dele a agarrar-se aos «direitos adquiridos» quando percebeu que as medidas que apregoava para a generalidade dos portugueses tinham acabado de trazer para a praça pública os seus próprios privilégios. E uns dias antes de rebentar o escândalo, que vergonha vê-lo numa entrevista conjunta para um canal de televisão e um jornal a dizer que as medidas do governo também haveriam de afectá-lo a ele, porque com elas passaria a só poder reformar-se mais tarde… Para depois se descobrir que afinal já estava reformado, e por causa de cinco ou seis anos a ocupar um lugar numa instituição pública. E a sua nova reacção foi dizer que era tudo legal. Por incrível que pareça, Campos e Cunha, enquanto ministro das Finanças, foi das pessoas que mais esperneou neste país para manter seus privilégios, e no fim parece que ainda terá conseguido salvar alguma coisa.
Depois de um dia cheio de trabalho, que rica lembrança me haveria de trazer a senhora…

segunda-feira, 12 de junho de 2006

O regresso à Bananalândia

Com o mundial de futebol em força (estou a escrever isto poucas horas depois da vitória de Portugal no jogo de estreia), uma sugestão, o livro «Fado, Futebol e Farpas» (de Luís Graça, edição do autor). É o regresso ao futebol da Bananalândia, depois das peripécias contadas há dois anos no «Neura 2004» (edição da Oficina do livro). O seleccionador Secalhari, o presidente Clorofenil, o frangueiro Rui Cardo, o treinador do Chelas City Josué Morteirinho e tantos outros cromos do pontapé na bola (e noutras coisas, já se vê) estão de novo em grande forma, pelo menos psicológica. Veja-se esta tirada do seleccionador para o presidente... «Prêsidenti, não tem qui si preocupá com adepto mentecapto. Eles nem sabem o qui é mêlhó pró escrete. Prêsidenti, quem levou o escrete à fináu do ‘Neura-2004’? Fui eu, prêsidenti. Mas podi mi dizê sem problema que não istá satisfeito com meu labor. Sabi qui eu tenho convite como formiga em parede furada di casa velha…»

sábado, 10 de junho de 2006

E agora, lá pelas vestefálias?

Agora que vai começar o mundial, recupero o que após a final do último europeu (Verão de 2004) escrevi, num editorial da revista que dirijo (uma revista da área da gestão), depois de apresentar os temas da edição. Escrevi o seguinte:
«Há tempos, quando ainda não tínhamos visto o senhor Scolari em plena acção por cá, tentámos uma entrevista, uma conversa à volta das ideias do grande líder (embora aquilo do cognome ‘sargentão’ já nos deixasse de pé atrás). Nada feito, os pedidos eram mais do que muitos. ‘Trata-se de uma revista de gestão’, repetimos de assessor para assessor, mas nada, nada mesmo. De qualquer forma, poderíamos ter-nos metido a fazer o trabalho, como a revista do ‘Expresso’ se meteu, a ‘Única’, com inicial maiúscula e entre plicas para que não se pense que foi a única, pois outras também fizeram o trabalho. Recolheram daqui, tiraram dali, agarraram de acolá, e zumba, lá saíram artigos e mais artigos sobre o novo herói nacional, ainda por cima cidadão de outra nacionalidade. Nós, por aqui, não, nem recolhemos, nem tirámos, nem agarrámos nada sobre o senhor Scolari, nada que desse para depois fazer umas ligações à gestão, directas ou até nem por isso. Talvez com o senhor Mourinho devêssemos ter feito... Mas com o senhor Scolari... Para quê? E depois púnhamo-lo na capa como há uns meses fizemos com dois engenheiros, um brasileiro, outro eslovaco, Fernando Pinto, da TAP, e Jaroslav Holecek, da Autoeuropa, respectivamente, que muito de bom têm feito em Portugal, pelo menos na nossa opinião, o que até nos levou a escrever na capa onde os colocámos que ‘devíamos aprender com eles’. Mas o senhor Scolari, pago como em poucos países se paga a príncipes, um mês, dois meses, três, quatro, e mais um, e mais um, e mais um, um ano, dois, e sempre a mesma coisa, e a maioria nada silenciosa que agora se diz adorá-lo a dizer-lhe o que devia fazer, e ele nada, até ao primeiro desastre com os gregos, em que lá se resolveu a fazer na equipa que lidera (?) umas alterações que qualquer liderado faria sem precisar de coçar a cabeça nem por um segundo. E lá chegámos à final do nosso Europeu, mas o senhor Scolari, mesmo assim, ainda teimou, e quando se viu novamente diante dos ditos gregos, mesmo não voltando atrás com as alterações, lá arranjou maneira de deixar o ataque de fora, não fôssemos nós chegar a campeões da Europa liderada agora pelo doutor José Manuel Barroso («forget about the Durão, ok?!!!!!») e depois não tivesse o país praças e avenidas suficientes para os festejos, ou não pudesse o cantor Marco Paulo aparecer para umas canções, duas ou três, talvez bastasse, ‘morena, ó morenita’, ‘mas não tenho a certeza de qual eu gosto mais’, ou o cantor Roberto Leal também para umas canções (estava a tentar lembrar-me de um bocadinho de uma, mas...), um deles, ou os dois, como o senhor Scolari queria para pôr a selecção aos pulos. ‘Devíamos aprender com ele’, numa capa, ao lado da cara chapada do senhor Scolari? Não! Nada se aprende com ele. O senhor Scolari é que ainda aprendeu um bocadinho com o que lhe gritámos. Infelizmente, não aprendeu tudo o que devia.»
Depois disto de 2004, vamos ver o que acontece agora em 2006, lá pelas vestefálias. Pode ser que desta vez até dê para aprender alguma coisa com o senhor Scolari... E acabemos campeões.

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Kohl and the gang

Li em tempos num dos cadernos do semanário «Expresso» uma pequena notícia sobre dois conhecidos políticos europeus, Helmut Kohl e Tony Blair. Segundo a notícia, o então chanceler alemão, além de ser senhor de um enorme apetite e consequentemente de uma largura considerável, a ponto de o seu peso constituir um segredo de Estado, além disso também era danado para a brincadeira. Não em sentido figurado, avise-se já, mas sim na verdadeira acepção da palavra, ou melhor, das palavras. Kohl gostava muito de se armar em engraçadinho, um pouco até ao contrário de imagem que o grande público tinha dele, e se calhar ainda tem. Vai daí, aquando da sua participação numa cimeira entre a União Europeia e alguns países asiáticos, como amante da boa comida e da boa bebida, lançou um desafio público a Blair, o primeiro-ministro britânico. Dado que ia completar sessenta e oito anos precisamente num dos dias da referida cimeira, apostou que o seu homólogo das ilhas não haveria de ser capaz de encontrar uma garrafa do seu vinho do Porto preferido, nada mais nada menos do que Quinta do Noval de 1930, o ano do seu nascimento. Se Blair desse com tal maravilha, abri-la-iam durante o jantar de gala da cimeira.
Estranhamente, António Guterres, que como primeiro-ministro de Portugal também marcava presença, não foi tido nem achado para o caso. Nem Kohl se meteu a propor-lhe apostas, nem Blair lhe pediu ajuda para encontrar a garrafa de vinho. Quem saiu para o terreno foram os funcionários do governo de Londres, com a espinhosa missão de regressarem com aquela que deveria ser, sem sombra de dúvida, uma raridade. A notícia não dizia quantos efectivos a operação acabou por envolver, mas devem ter sido muitos, a averiguar pelo facto de o assunto ter inclusive ultrapassado fronteiras. Mesmo assim, os diligentes funcionários não conseguiram encontrar um só exemplar do famoso vinho. Tanto que, vendo a aposta irremediavelmente perdida, entraram em pânico. Até que se descobriu a razão do insucesso.
E a razão era a seguinte, segundo um porta-voz do governo de Blair: tudo não tinha passado, afinal, de uma brincadeira do anafado Kohl, simplesmente porque era mesmo impossível encontrar uma garrafa do famoso Quinta do Noval de 1930. É que nesse ano não tinha havido colheita. Kohl demonstrava assim a sua esperteza, tal como o seu corpo também ela sobredimensionada.
Blair, contudo, não desistiu, nem pensar nisso. De novo sem pedir ajuda ao dispensável Guterres, lá conseguiu descobrir – ele, quer dizer, os funcionários ingleses –, lá conseguiu descobrir que em 1931, o ano a seguir ao do nascimento do chanceler alemão, tinha havido colheita na Quinta do Noval. E, melhor ainda, em toda a Grã-Bretanha foram contabilizadas pelos solícitos funcionários nada mais, nada menos do que vinte e quatro garrafinhas cheias com tão grande preciosidade. Ora, sem mais demoras, que o assunto parecia sério, foi desbloqueada a verba para que se comprasse uma delas, para ser aberta no jantar de gala da cimeira e calar um pouco a soberba de Kohl. E assim se salvou a honra britânica, senão completamente, pelo menos em parte. Blair e os seus pares fizeram tudo o que era humanamente possível.
Para isto são eleitos os grandes líderes. Para estas emergências existem os dedicados funcionários públicos.

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Cristiano Ronaldo, Marco Caneira

Li num jornal uma citação da jornalista Fernanda Câncio, qualquer coisa como o Cristiano Ronaldo (que aparece em todas as listas de «jogadores mais bonitos do mundial» preparadas pelos media) dever jogar em tronco nu. Eu tinha ido cortar o cabelo e avistado no salão um «Correio da Manhã» que numa das chamadas de capa anunciava que o Marco Caneira integrava uma lista dos «oito jogadores mais feios do mundial»; e a juntar à chamada uma foto do rosto do defesa da selecção nacional. Defenderia Fernanda Câncio, se confrontada com esta nova lista, que o Marco Caneira deveria jogar com um saco enfiado na cabeça, ou com uma casinha de madeira como aquela personagem de uns desenhos animados de há uns anos que se chamava Susto? E se jogasse com o saco (ou com a casinha de madeira), deveria fazê-lo em tronco nu ou com a camisola da selecção, mesmo que seja com aquela preta que não lembra ao diabo? Mas da qual se lembraram os patrocinadores e sabe-se lá que patrocinado.

quarta-feira, 7 de junho de 2006

Um golo de Kiko Trujillo

Em tempo de mundial de futebol, deixo aqui um bocadinho (o final, aliás) de uma das histórias do meu último livro («O Amor por entre os Dedos», Ed. Ambar, finais de 2005). A história chama-se «O ponta-de-lança espanhol» e acaba a dar a ideia de que o Sporting consegue uma vitória muito suada no campo do Benfica.
«(…) Era falta contra o Benfica. Os jogadores do Sporting tomaram posições. O jovem escritor de Santo Estêvão voltou a acreditar, de novo sem saber por quê. Agarrou no telemóvel e pensou em Kate, em Cerzedos, à espera de um golo do Sporting. A bola partiu para o meio campo do Benfica, batida do local onde tinha sido assinalado o fora de jogo a Abdul Halam. Passou de jogador para jogador, com uma rapidez que confundiu muitos olhares nas bancadas, até o do jovem escritor, e de repente apareceu nos pés de Kiko Trujillo, que se virou para a baliza e procurou um sítio onde o guarda-redes talvez não chegasse. O jovem escritor mediu o lance, durante uma fracção de segundo, e o ângulo superior direito pareceu-lhe o ideal. Mas Kiko Trujillo decidiu-se por um remate rasteiro, forte e seco, a fazer um zumbido no silêncio do estádio.»
Eu, que escrevi a história, tenho quase a certeza de que o Sporting ganhou mesmo esse jogo, com um golo de Kiko Trujillo.

terça-feira, 6 de junho de 2006

Siga, siga

Ouvi na rádio, há dois ou três dias, a partir de uma notícia creio que do «Público»: a Brigada de Trânsito perdoa as multas a carros do Estado. Polícias, malta dos ministérios, da Assembleia da República, do governo, das câmaras, tudo a abrir e sem problemas. Numa entrevista que acompanhou a notícia da rádio, o costumeiro «responsável» lá apareceu a dizer que não era verdade, e inclusive falou de como se processava a actuação dos agentes, mas acabou por meter os pés pelas mãos e fazer figura de urso; deu bem para perceber o que na verdade acontece um pouco por todo o país.
Aproveito para contar um caso de há uns tempos, um bocadinho diferente, pois meteu um assalariado do Estado só que em viatura própria. Foi em Monchique, bem no interior da serra algarvia, numa noite em que participei num jantar em que também esteve um deputado da costa eleito pela região sem saber bem para fazer o quê. Era a noite de um de Dezembro e o jantar acabou já no dia dois, aí pela uma e tal. Foi precisamente no dia dois, ao fim da manhã, que vim a saber que uma brigada da GNR tinha feito parar o deputado, a cerca de um quilómetro do local do jantar, retardando-lhe assim o seu regresso à costa. Não estranhei a situação, até porque eu próprio encontrei a referida brigada. Também tive de parar. Mostrei os documentos, carta, título de propriedade, seguro, bilhete de identidade, enfim, tudo. E tive o carro inspeccionado de uma ponta à outra, a olho, obviamente, mas inspeccionado.
O que me deixou pasmado foi o que contou o deputado. Sim, foi obrigado a parar, como qualquer automobilista, e foram-lhe pedidos os documentos. E ele nem perdeu tempo, sacou da carteira e zás, entregou os documentos todos. Até o cartão da Assembleia da República entregou, com a palavra «deputado» bem visível. Foi o suficiente para abreviar as coisas. O guarda, «um rapazito novo», segundo o deputado, mal viu aquilo ficou num tal estado de atrapalhação que nem quis saber de mais nada. «Siga, siga», e o deputado seguiu. Mesmo deputado, e mesmo a caminho de ser secretário de Estado daí a uns meses, tinha mais era que cumprir a ordem da autoridade.
Depois de ouvir o sucedido, ainda disse para comigo: «Olha se eu fosse deputado...» Tentei até imaginar-me na Assembleia da República, mas por mais que tentasse não consegui.

sábado, 3 de junho de 2006

Scolari por vezes rosna

Excerto de uma entrevista telefónica de Luiz Felipe Scolari a um diário desportivo de Porto Alegre (Brasil) chamado «Zero Hora» (trabalho assinado pelo jornalista David Coimbra, enviado-especial a Weggis, na Suíça, onde a selecção do Brasil está em estágio para o Mundial de Futebol):
«(…) Os portugueses o adoram. ‘Quando saio na rua é uma loucura, eles vêm falar comigo, eles aplaudem. Está quase como no Brasil’, relatou. Claro, há quem o critique. ‘Uns quatro ou cinco intelectuais’, rosnou. ‘Aqui, quando eu falo em bandeira, em pátria, em nacionalismo, é porque sou pregador. Na verdade, é preconceito contra brasileiro mesmo. Eles têm bronca, raiva e inveja dos brasileiros.’ Felipão tem de cabeça a curta lista de desafetos: «Um diz que é cineasta. O outro, o pai dele foi um grande escritor. O pai, né, porque ele é uma bosta. Um terceiro ganhou uma herança do tio e ficou rico. E tem uma mulher famosa aqui que diz que é a Marília Gabriela de Portugal. Só. Não entendem nada. Me criticaram porque coloquei a selecção a treinar num clima de 27º C. Nós treinamos às cinco e meia da tarde, aí está uns 23. Quando formos jogar na Alemanha, com 15 graus, os jogadores vão estar voando.’ Felipão sabe que o que importa é o torcedor. ‘E o torcedor, sim, esse gosta de mim. Noventa e nove vírgula nove por cento me aprovam, aqui em Portugal.’»

A entrevista de Salazar a João Pinto

O meu amigo Tiago Salazar, que é jornalista, disse-me em tempos que já devia ter feito umas boas centenas de entrevistas. Era obra, tanto mais que o Tiago ainda nem tinha então chegado aos trinta anos. Mas eu não me admirei, nem um pouco, até porque sempre o considerei muito bom a fazer entrevistas.
Claro que com tantas entrevistas, e com o estilo sempre ao ataque que coloca em cada uma, as situações pouco usuais teriam inevitavelmente de acontecer. Uma vez, contou-me ele, foi entrevistar o líder do grupo musical Mão Morta, e resolveu começar assim: «Adolfo Luxúria Canibal, o Adolfo vem-lhe da parte da mãe ou da parte do füher?» Segundo o Tiago, o Canibal não apreciou muito, mas a entrevista lá prosseguiu e acabou por conhecer mesmo as páginas do jornal. Numa outra ocasião – contou-me também o Tiago –, para o jornal «O Diabo», o frente a frente foi nem mais nem menos do que com o futebolista João Pinto, na altura ainda apelidado de «menino de ouro». Com perguntas e mais perguntas que até levaram o craque a declarar-se de esquerda e seguidor fiel de Sá Carneiro, o Tiago conseguiu chegar às cinco páginas de entrevista. E a coisa foi tema de capa, tendo o jornal nesse número vendido como poucas vezes tinha acontecido antes. O então capitão benfiquista, que depois haveria de passar para o Sporting, rendia que nem ginjas. Mas os méritos também terão de ser atribuídos ao director do jornal na altura. É que depois de um ante-título que não era propriamente um modelo de criatividade («Um Pinto com Pinta»), o director fazia anunciar em grandes parangonas: «Salazar Entrevista um Vermelho».
O Tiago é também o autor da crónica «Pirilampo Trágico», que durante uns anos consegui desviar para o jornal da minha terra.

Estes sauditas estão loucos

Segundo o site do jornal «A Bola», «José Peseiro vai orientar o maior clube da Arábia Saudita, o Al Hilal, por onde passou Artur Jorge em 2001/ 2002». O jornal refere que «a notícia foi confirmada pelo clube árabe, que admite ainda a contratação do adjunto Eduardinho». No desenvolvimento da notícia aparece o seguinte: «O antigo treinador do Sporting chegou a acordo válido para a próxima época desportiva, que se inicia a 15 de Julho, depois do Campeonato do Mundo. A Arábia Saudita vai disputar o torneio na Alemanha – está no Grupo H, com a Espanha, a Ucrânia e a Tunísia – e dos 23 convocados nove são jogadores do Al Hilal, facto que prova bem a sua força no futebol daquele país do Médio Oriente./ Os últimos três anos foram negros na história do clube, que não alcançou qualquer título. Os responsáveis querem voltar a dar alegrias aos adeptos e avançaram para a contratação de um treinador com reputação a nível internacional./ O facto de José Peseiro ter sido adjunto do Real Madrid pesou na escolha, mas a carreira no Nacional da Madeira e no Sporting foram também factores que determinaram a opção pelo técnico português. Na corrida ao lugar estavam muitos treinadores de craveira internacional, mas o nome de Peseiro foi o mais apreciado desde a primeira hora.»
Eu, que sou do Sporting, só posso mesmo dizer que estes sauditas do Al Hilal o mais certo é estarem loucos.