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Uma crise de barriga cheia
Arrancou já o natal, quer se queira, quer não. Nas ruas da capital e noutras da periferia, as luminárias já brilham em cores e feitios sortidos. Os lojistas, porém, mantêm-se resistentes em montras toldadas de crise, sem decorações vistosas e apelativas. A procura é pouca, dizem, nem sequer olham para as vitrinas as pessoas de passo apressado que fazem contas à vida.
Já nem os assadores de castanhas se dão por satisfeitos do ofício que levam a dois euros a dúzia, de castanhas, bem entendido, que mais barato não podem, que há que remunerar as ditas, trazidas por intermediários de carrinhas a gasóleo que pagam o gasóleo e as portagens e os parques para estacionar no centro da cidade para a descarga, e depois há ainda o carvão e os quinhentos euros de seis em seis meses que têm de pagar de impostos, mais o trabalho de manhã à noite, ao frio e à chuva, que a seguir ao outono vem logo o inverno.
Parece haver uma excepção, a dos cauteleiros, uma classe irmã de engraxadores que, pela baixa das cidades, mantém a voz confiada em dar a ventura aos outros, e agora que aí vem a lotaria do natal a sorte é certa. Para os outros, claro está, que para aqueles também a crise lhes bate à porta, como a todos os eus, na primeira pessoa, sempre.
No ano passado, como nos anteriores, era mais ou menos o mesmo, mas este ano é que é, a crise não dá mesmo tréguas, têm sido, aliás, umas atrás das outras, agravou-se na américa de bush, passou pela europa e aterrou no posto de combustível mais próximo e no bpn aqui por baixo da nossa porta, tudo assim baixinho, em surdina, em minúsculas, e uns quantos sempre a comer e a beber à fartazana e a rirem-se ainda de nós pelas costas e pela frente.
São assim os torvelinhos da globalização, agora em marcha atrás, crêem os mais entusiastas, com obama a assomar já nos varandins da casa branca com as primeiras damas prazenteiras amainando as bolsas internacionais e as nossas. É esse o convencimento de muitos.
É essa a minha convicção, diz o deputado, é essa a minha convicção, diz o ministro, é essa a minha convicção, diz o presidente da república, é essa a nossa convicção, dizem os que menos desejam comprometer-se, e tão rapidamente começou a andar a «convicção» de boca em boca que pouco faltará para que se banalize todinha por tão trapaceiramente gasta.
E no entanto arrancou já o natal, quer se queira, quer não. E muito antes de nascer o redentor despontou já no topo da capital a maior árvore da europa, a árvore zon, enroupada meticulosamente em 1.625.000 microlâmpadas zon, 1.500 lâmpadas tipo bolinha zon, 90 estrelas néon zon e cerca de 13 quilómetros de mangueira luminosa zon, e tudo tudo zon zon respingado com um vistoso fogo à madeirense.
E nós olhamos para aquilo tudo e, num deslumbramento barroco, com tejo ao fundo, mandamos a crise às urtigas e borrifamo-nos para os desvarios todos de toda a gente.
Depois, refeitos, regressamos de barriga cheia à vida e vamos ao pão, que a fome é certa...
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Uma crise de barriga cheia
Arrancou já o natal, quer se queira, quer não. Nas ruas da capital e noutras da periferia, as luminárias já brilham em cores e feitios sortidos. Os lojistas, porém, mantêm-se resistentes em montras toldadas de crise, sem decorações vistosas e apelativas. A procura é pouca, dizem, nem sequer olham para as vitrinas as pessoas de passo apressado que fazem contas à vida.
Já nem os assadores de castanhas se dão por satisfeitos do ofício que levam a dois euros a dúzia, de castanhas, bem entendido, que mais barato não podem, que há que remunerar as ditas, trazidas por intermediários de carrinhas a gasóleo que pagam o gasóleo e as portagens e os parques para estacionar no centro da cidade para a descarga, e depois há ainda o carvão e os quinhentos euros de seis em seis meses que têm de pagar de impostos, mais o trabalho de manhã à noite, ao frio e à chuva, que a seguir ao outono vem logo o inverno.
Parece haver uma excepção, a dos cauteleiros, uma classe irmã de engraxadores que, pela baixa das cidades, mantém a voz confiada em dar a ventura aos outros, e agora que aí vem a lotaria do natal a sorte é certa. Para os outros, claro está, que para aqueles também a crise lhes bate à porta, como a todos os eus, na primeira pessoa, sempre.
No ano passado, como nos anteriores, era mais ou menos o mesmo, mas este ano é que é, a crise não dá mesmo tréguas, têm sido, aliás, umas atrás das outras, agravou-se na américa de bush, passou pela europa e aterrou no posto de combustível mais próximo e no bpn aqui por baixo da nossa porta, tudo assim baixinho, em surdina, em minúsculas, e uns quantos sempre a comer e a beber à fartazana e a rirem-se ainda de nós pelas costas e pela frente.
São assim os torvelinhos da globalização, agora em marcha atrás, crêem os mais entusiastas, com obama a assomar já nos varandins da casa branca com as primeiras damas prazenteiras amainando as bolsas internacionais e as nossas. É esse o convencimento de muitos.
É essa a minha convicção, diz o deputado, é essa a minha convicção, diz o ministro, é essa a minha convicção, diz o presidente da república, é essa a nossa convicção, dizem os que menos desejam comprometer-se, e tão rapidamente começou a andar a «convicção» de boca em boca que pouco faltará para que se banalize todinha por tão trapaceiramente gasta.
E no entanto arrancou já o natal, quer se queira, quer não. E muito antes de nascer o redentor despontou já no topo da capital a maior árvore da europa, a árvore zon, enroupada meticulosamente em 1.625.000 microlâmpadas zon, 1.500 lâmpadas tipo bolinha zon, 90 estrelas néon zon e cerca de 13 quilómetros de mangueira luminosa zon, e tudo tudo zon zon respingado com um vistoso fogo à madeirense.
E nós olhamos para aquilo tudo e, num deslumbramento barroco, com tejo ao fundo, mandamos a crise às urtigas e borrifamo-nos para os desvarios todos de toda a gente.
Depois, refeitos, regressamos de barriga cheia à vida e vamos ao pão, que a fome é certa...
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