Isto foi quanto senti na antevéspera do escrutínio presidencial, e foi isto que se estirou até à divulgação dos resultados, momento em que um amigo meu, numa curta mensagem, pôs fim a estes devaneios com um conciso «Ora f…-se!». Um desabafo que me encheu a alma, como num intervalo do circo. Os palhaços que me perdoem.
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Janeiro por um fio
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Este é o primeiro mês do ano. Melhor, este é já o final do primeiro mês do ano. E não sei se é por ser o primeiro mês do ano ou se é por este ser o prenúncio de muitos outros que aí vêm de mal a pior, a verdade é que ando com moleza.
A bem dizer, ando com saudades do dia de Natal, só mesmo do dia de Natal (e já agora, por acréscimo, que lhe segue logo a peugada, do primeiro dia do ano), um verdadeiro dia de remanso e de manifesta imperturbabilidade. Não há dinheiro que pague o prazer delongado de um dia assim. A gente pode ficar na cama até tarde, que os afazeres não têm pressa; a gente não precisa de fazer comida, que sobra sempre de véspera; a gente não precisa de lavar a loiça, que a mesa é de petiscar; a gente não é azucrinada pelos telemóveis, que se consumiram os saldos; a gente não tem de responder a mensagens electrónicas, que se gastaram as palavras; a gente não se irrita com o tráfego da cidade, porque os carros fazem birra e não saem do seu canto; a gente não desembolsa o resto do dinheiro, porque o comércio se mantém praticamente encerrado. Estes são privilégios de um dia desigual, ainda por cima quando a estes se juntam outros que nos preenchem positivamente a alma, como uma edição comentada de «Mensagem», ou a voz única de Pavarotti irradiando a «Ave Maria» de Shubert, ou um Placido Domingo ou uma Céline Dion ou uma Mariah Carey ou uma Rita Guerra, à vez, preenchendo o silêncio num aconchego da tarde.
Maus hábitos, dir-se-á, que custam a passar, rematado que é já um mês. Raio de preguiça!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês propício a conjugar discordâncias.
Num dia, potencialmente de inverno, resplandece a nossa convergência europeia e ressurgimos como povo promissor. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) revela-nos o grande salto que deram as nossas crianças e os nossos jovens nos conhecimentos e nas aptidões em matemática, leitura e ciências. Do fundo da tabela, galgámos para a média (quase) dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Um grande especialista desta organização explica o prodígio «pelas políticas seguidas nos últimos anos e por uma conjugação de factores como a avaliação de professores e um controlo sério da qualidade do ensino». Assim está bem (e somos tentados a coroar o raciocínio parafraseando o poeta – «o que não faz sentido/ É o sentido que tudo isto tem»). Disse também o grande especialista e responsável da OCDE que «diminuiu o peso das repetições», apesar de alto, e que «a diferença entre as escolas melhores e as escolas piores diminuiu», igualmente. Pronto, com tamanha proficiência vinda de fora e de quem sabe, estamos no bom caminho. Estamos?
Num dia, de facto de Inverno, encobrem-se os resquícios de sol e as nuvens fazem das suas. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação, por voz autorizada, explica o que «o» Relatório deste serviço já registara quanto ao desempenho dos nossos alunos do oitavo ao décimo segundo ano, que «os estudantes não dominam os conceitos, manifestam falta de rigor científico, dificuldades em interpretar textos e problemas e em articular várias competências». E acrescenta, sem rodeios, que «é preciso tirar consequências das fragilidades detectadas”. Em que ficamos, portanto? Somos nós que nos auto-avaliamos com severidade? São os outros que nos avaliam com demasiada bondade? A «média» europeia é, vistas bem as coisas, tão mediocremente «média» como a nossa nacional?
Tudo reside, afinal, na arte de bem (des)conjugar!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês de dizer adeus aos malabarismos. Mas sem tristeza, pese embora o facto de sempre ter tido uma certa atracção pelo circo.
Primeiro, criança ainda, pelo circo que chegava à aldeia, numa ou em duas ou em três carripanas da altura, gente de miséria que montava arraial na praça local, a céu aberto, sem qualquer resguardo, e ali fazia à noitinha umas acrobacias no chão de terra batida ou a dois metros do solo, suspensa em estacas e varas e cordas de arrepiar. A canalha à volta, empurrando-se para melhor se deliciar, os adultos mais atrás, como quem não quer a coisa, avaros e prontos a desertar quando pressentissem o fim do espectáculo.
Depois, já espigado, pelo circo que se instalava na cidade, semanas inteiras, com imponência e feras de intimidar. A verdade é que ao pasmo da chegada se seguiu em mim constantemente uma inexplicável decepção à saída. O maravilhoso convertendo-se em desventura. A atracção dando lugar à sensação de logro, de vazio.
Foi isto que senti de novo ao ver a debandada do circo que se estendeu de um ano para o outro pela antiga feira popular de Lisboa. Lembrei a sessão a que assistira, empurrado. Pouca coisa para a expectativa do bilhete e de uma empresa de requinte a sério. Agora, mudam de poiso, invadem outro burgo, já só restam no descampado uns quantos atrelados, uns parcos contentores, uma tenda baixa ainda de pé. A desilusão desta grandeza amarga-me infinitamente mais do que a desilusão de outrora, do circo da minha aldeia.
Isto foi quanto senti na antevéspera do escrutínio presidencial, e foi isto que se estirou até à divulgação dos resultados, momento em que um amigo meu, numa curta mensagem, pôs fim a estes devaneios com um conciso «Ora f…-se!». Um desabafo que me encheu a alma, como num intervalo do circo. Os palhaços que me perdoem.
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Crónica de Janeiro de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31.
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Janeiro por um fio
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Este é o primeiro mês do ano. Melhor, este é já o final do primeiro mês do ano. E não sei se é por ser o primeiro mês do ano ou se é por este ser o prenúncio de muitos outros que aí vêm de mal a pior, a verdade é que ando com moleza.
A bem dizer, ando com saudades do dia de Natal, só mesmo do dia de Natal (e já agora, por acréscimo, que lhe segue logo a peugada, do primeiro dia do ano), um verdadeiro dia de remanso e de manifesta imperturbabilidade. Não há dinheiro que pague o prazer delongado de um dia assim. A gente pode ficar na cama até tarde, que os afazeres não têm pressa; a gente não precisa de fazer comida, que sobra sempre de véspera; a gente não precisa de lavar a loiça, que a mesa é de petiscar; a gente não é azucrinada pelos telemóveis, que se consumiram os saldos; a gente não tem de responder a mensagens electrónicas, que se gastaram as palavras; a gente não se irrita com o tráfego da cidade, porque os carros fazem birra e não saem do seu canto; a gente não desembolsa o resto do dinheiro, porque o comércio se mantém praticamente encerrado. Estes são privilégios de um dia desigual, ainda por cima quando a estes se juntam outros que nos preenchem positivamente a alma, como uma edição comentada de «Mensagem», ou a voz única de Pavarotti irradiando a «Ave Maria» de Shubert, ou um Placido Domingo ou uma Céline Dion ou uma Mariah Carey ou uma Rita Guerra, à vez, preenchendo o silêncio num aconchego da tarde.
Maus hábitos, dir-se-á, que custam a passar, rematado que é já um mês. Raio de preguiça!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês propício a conjugar discordâncias.
Num dia, potencialmente de inverno, resplandece a nossa convergência europeia e ressurgimos como povo promissor. O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) revela-nos o grande salto que deram as nossas crianças e os nossos jovens nos conhecimentos e nas aptidões em matemática, leitura e ciências. Do fundo da tabela, galgámos para a média (quase) dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Um grande especialista desta organização explica o prodígio «pelas políticas seguidas nos últimos anos e por uma conjugação de factores como a avaliação de professores e um controlo sério da qualidade do ensino». Assim está bem (e somos tentados a coroar o raciocínio parafraseando o poeta – «o que não faz sentido/ É o sentido que tudo isto tem»). Disse também o grande especialista e responsável da OCDE que «diminuiu o peso das repetições», apesar de alto, e que «a diferença entre as escolas melhores e as escolas piores diminuiu», igualmente. Pronto, com tamanha proficiência vinda de fora e de quem sabe, estamos no bom caminho. Estamos?
Num dia, de facto de Inverno, encobrem-se os resquícios de sol e as nuvens fazem das suas. O Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE) do Ministério da Educação, por voz autorizada, explica o que «o» Relatório deste serviço já registara quanto ao desempenho dos nossos alunos do oitavo ao décimo segundo ano, que «os estudantes não dominam os conceitos, manifestam falta de rigor científico, dificuldades em interpretar textos e problemas e em articular várias competências». E acrescenta, sem rodeios, que «é preciso tirar consequências das fragilidades detectadas”. Em que ficamos, portanto? Somos nós que nos auto-avaliamos com severidade? São os outros que nos avaliam com demasiada bondade? A «média» europeia é, vistas bem as coisas, tão mediocremente «média» como a nossa nacional?
Tudo reside, afinal, na arte de bem (des)conjugar!
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Este é o primeiro mês do ano. Um mês de dizer adeus aos malabarismos. Mas sem tristeza, pese embora o facto de sempre ter tido uma certa atracção pelo circo.
Primeiro, criança ainda, pelo circo que chegava à aldeia, numa ou em duas ou em três carripanas da altura, gente de miséria que montava arraial na praça local, a céu aberto, sem qualquer resguardo, e ali fazia à noitinha umas acrobacias no chão de terra batida ou a dois metros do solo, suspensa em estacas e varas e cordas de arrepiar. A canalha à volta, empurrando-se para melhor se deliciar, os adultos mais atrás, como quem não quer a coisa, avaros e prontos a desertar quando pressentissem o fim do espectáculo.
Depois, já espigado, pelo circo que se instalava na cidade, semanas inteiras, com imponência e feras de intimidar. A verdade é que ao pasmo da chegada se seguiu em mim constantemente uma inexplicável decepção à saída. O maravilhoso convertendo-se em desventura. A atracção dando lugar à sensação de logro, de vazio.
Foi isto que senti de novo ao ver a debandada do circo que se estendeu de um ano para o outro pela antiga feira popular de Lisboa. Lembrei a sessão a que assistira, empurrado. Pouca coisa para a expectativa do bilhete e de uma empresa de requinte a sério. Agora, mudam de poiso, invadem outro burgo, já só restam no descampado uns quantos atrelados, uns parcos contentores, uma tenda baixa ainda de pé. A desilusão desta grandeza amarga-me infinitamente mais do que a desilusão de outrora, do circo da minha aldeia.
Isto foi quanto senti na antevéspera do escrutínio presidencial, e foi isto que se estirou até à divulgação dos resultados, momento em que um amigo meu, numa curta mensagem, pôs fim a estes devaneios com um conciso «Ora f…-se!». Um desabafo que me encheu a alma, como num intervalo do circo. Os palhaços que me perdoem.
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Crónica de Janeiro de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31.
1 comentário:
Há expectativas que só os crentes podem ter!
Por ora a religião é um luxo!
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