segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

António Souto – Crónica (19)

Um poema de presente
Em Dezembro todos os gestos têm um sentido diferente. Todos os gestos passam a significar mais, tocam mais no coração da gente: ou porque nos ferem mais, ou porque nos seduzem mais.
A cultura do Natal, entre nós, fala mais alto, e o frio que enregela os corpos por fora arroga-se o milagre de os aquecer por dentro. Quando há coração nos corpos da gente. Quando há pessoas ainda por dentro dos corpos da gente.
Na azáfama das compras, compra-se de tudo, compra-se tudo, compra-se o Natal inteiro e o que sobra dele. O Natal para nós e as sobras para os outros, quando os outros se confundem com os restos e já não têm direito a compras.
No alvoroço natalício, a gente derrete-se de bondade, a gente desbarata-se de generosidade, a gente desfigura-se. A gente enche-se de pessoas com coração dentro.
Em Dezembro todos os gestos têm um sentido diferente. Todos os gestos sabem a prendas. E as prendas são bem oferecidas ou mal oferecidas, são bem acolhidas ou mal acolhidas. Todas as prendas são os gestos que vão dentro delas. São os laços de intenções amarrados por dentro e que se desapertam com o deslumbramento da primeira vez. Por isso todas as prendas devem prender quando são prendas. Mas nem todas as prendas prendem, nem todas as prendas têm nós nos laços.
Porque o Natal não se compra, nem se compram os dezembros, nem se compram as pessoas, nem se compram os corações, nem se compram os gestos.
Na azáfama das compras só se compra o que tem preço. E o que tem preço não tem valor.
Em Dezembro o Natal dá-se de presente, como um poema que se libertou do dono.
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Não digo do Natal – digo da nata/ do tempo que se coalha com o frio/ e nos fica branquíssima e exacta/ nas mãos que não sabem de que cio
nasceu esta semente; mas que invade/ esses tempos relíquidos e pardos/ e faz assim que o coração se agrade/ de terrenos de pedras e de cardos
por Dezembros cobertos. Só então/ é que descobre dias de brancura/ esta nova pupila, outra visão,
e as cores da terra são feroz loucura/ moídas numa só, e feitas pão/ com que a vida resiste, e anda, e dura.
(Pedro Tamen)
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Crónica de Dezembro de 2009 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18.
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