O meu gira-discos
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E eis que de repente, com esta minha nostalgia, descubro agora o regresso das velhas rodelas de vinil e dos velhos-novos-gira-discos numa espécie de revivalismo que trará consigo os ídolos dos meus anos oitenta vestidos de calças à boca-de-sino. Como se a evolução tecnológica e a globalização tivessem destas contradições. Assim às arrecuas.
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Tive há muitos anos um gira-discos que comprei em segunda mão. Não era propriamente um especialista em música nem sequer tinha um género musical de eleição. Tinha um gosto assaz eclético, como era muito habitual em jovens da minha idade e do meu meio, assim a balançar entre o saber rural e a ciência urbana. Ouvia, portanto, um pouco de tudo, sobretudo coisas da ocasião e da moda.
Por aquele gira-discos passaram sons portugueses tão diversos como os da Brigada Víctor Jara, dos Trovante, do Paulo de Carvalho e do Sérgio Godinho, do Jorge Palma, do Luís Cília e do Fausto, dos irmãos Salomé. Também muito Zeca e Adriano, e Xutos & Pontapés, Rui Veloso, Adelaide Ferreira, Lena D’Água e Salada de Frutas, Júlio Pereira, Cid e Variações, Trabalhadores do Comércio e Doutores e Engenheiros, GNR, Táxi e Go Graal Blues Band, Heróis do Mar e UHF, Jáfumega e até mesmo o Grupo de Baile em 75 rotações…
Vindos das estranjas, rodaram Pink Floyd, Ómega e Triumvirato, AC/DC, Rolling Stones, Scorpions, Queen, Supertramp e Santana, Vangelis, Dire Straits e os Beatles, Doors, Begees, Barbra Streisand, Abba e Joan Baez, Genesis, Peter Tosh e Bob Marley, e com sonoridade francesa também Piaf e Moustaki, Mireille Mathieu e Aznavour, Brel e Joe Dassin, eu sei lá, e tantos outros brasileiros à mistura, tantos, tantos…
Por aquele gira-discos passaram largas dezenas de LP e de singles, muitas horas de música saudosa, música pisada por outra música que entretanto foi surgindo e conquistando e renovando gostos e paixões. Tanta agulha mudada para que o som não perdesse qualidade e o vinil se não riscasse…
Já não sei o que é feito do meu gira-discos. Acho que o dei a um amigo quando já havia dificuldade em encontrar agulhas adequadas à cabeça do braço daquele modelo, acho que o dei porque era muito grande e pesado, acho que o dei porque os discos eram muito grandes e pesados e empenavam-se facilmente. O meu gira-discos, afinal, tinha os dias contados, tinha os discos contados, e por isso desfiz-me dele e perdi-lhe o destino. Deixei de saber dele. Substituí-o por outro que não precisava de agulhas nem de braços nem de discos grandes e pesados. E troquei os discos grandes e pesados por outros mais maneirinhos e mais leves, por outros que não se riscam tão facilmente e não se empenam.
Confesso que também me converti a outras vozes e a outras novidades, deixei que o tempo – que tudo muda – me invadisse e mudasse igualmente, sem resistência. Rendi-me ao tempo. E à idade. Mas agora, nem sei bem porquê, tem-me dado uma certa nostalgia, e lembrando uma música ou uma voz há logo outra voz e outra música que acena, e por arrasto vêm músicas e vozes que julgava perdidas e mortas, como o meu velho gira-discos de outrora. Como os velhos gira-discos do século passado. E eis que de repente, com esta minha nostalgia, descubro agora o regresso das velhas rodelas de vinil e dos velhos-novos-gira-discos numa espécie de revivalismo que trará consigo os ídolos dos meus anos oitenta vestidos de calças à boca-de-sino. Como se a evolução tecnológica e a globalização tivessem destas contradições. Assim às arrecuas.
Há já quem diga que tudo isto pode até vir a ser muito mais do que isto, a gente avança, avança e quando menos se espera o petróleo definha, o seu custo dispara, os carros deixam de andar à toa, os aviões voam menos porque mais vazios, as pessoas ficam mais presas ao seu território, as mercadorias ficam mais presas às pessoas, os países têm de se tornar à força mais independentes uns dos outros, tudo terá de ser menos descartável, a agricultura terá de ser uma aposta forte, o mundo, o nosso mundo, tornar-se-á aos poucos mais pequeno. Muito mais pequeno, afirmou há dias um economista norte-americano, e os economistas norte-americanos parece que sabem bem do que falam.
E no fim de contas, com tanta música que nos invade a alma, só tenho pena de ter perdido o rasto ao gira-discos da minha juventude.
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E eis que de repente, com esta minha nostalgia, descubro agora o regresso das velhas rodelas de vinil e dos velhos-novos-gira-discos numa espécie de revivalismo que trará consigo os ídolos dos meus anos oitenta vestidos de calças à boca-de-sino. Como se a evolução tecnológica e a globalização tivessem destas contradições. Assim às arrecuas.
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Tive há muitos anos um gira-discos que comprei em segunda mão. Não era propriamente um especialista em música nem sequer tinha um género musical de eleição. Tinha um gosto assaz eclético, como era muito habitual em jovens da minha idade e do meu meio, assim a balançar entre o saber rural e a ciência urbana. Ouvia, portanto, um pouco de tudo, sobretudo coisas da ocasião e da moda.
Por aquele gira-discos passaram sons portugueses tão diversos como os da Brigada Víctor Jara, dos Trovante, do Paulo de Carvalho e do Sérgio Godinho, do Jorge Palma, do Luís Cília e do Fausto, dos irmãos Salomé. Também muito Zeca e Adriano, e Xutos & Pontapés, Rui Veloso, Adelaide Ferreira, Lena D’Água e Salada de Frutas, Júlio Pereira, Cid e Variações, Trabalhadores do Comércio e Doutores e Engenheiros, GNR, Táxi e Go Graal Blues Band, Heróis do Mar e UHF, Jáfumega e até mesmo o Grupo de Baile em 75 rotações…
Vindos das estranjas, rodaram Pink Floyd, Ómega e Triumvirato, AC/DC, Rolling Stones, Scorpions, Queen, Supertramp e Santana, Vangelis, Dire Straits e os Beatles, Doors, Begees, Barbra Streisand, Abba e Joan Baez, Genesis, Peter Tosh e Bob Marley, e com sonoridade francesa também Piaf e Moustaki, Mireille Mathieu e Aznavour, Brel e Joe Dassin, eu sei lá, e tantos outros brasileiros à mistura, tantos, tantos…
Por aquele gira-discos passaram largas dezenas de LP e de singles, muitas horas de música saudosa, música pisada por outra música que entretanto foi surgindo e conquistando e renovando gostos e paixões. Tanta agulha mudada para que o som não perdesse qualidade e o vinil se não riscasse…
Já não sei o que é feito do meu gira-discos. Acho que o dei a um amigo quando já havia dificuldade em encontrar agulhas adequadas à cabeça do braço daquele modelo, acho que o dei porque era muito grande e pesado, acho que o dei porque os discos eram muito grandes e pesados e empenavam-se facilmente. O meu gira-discos, afinal, tinha os dias contados, tinha os discos contados, e por isso desfiz-me dele e perdi-lhe o destino. Deixei de saber dele. Substituí-o por outro que não precisava de agulhas nem de braços nem de discos grandes e pesados. E troquei os discos grandes e pesados por outros mais maneirinhos e mais leves, por outros que não se riscam tão facilmente e não se empenam.
Confesso que também me converti a outras vozes e a outras novidades, deixei que o tempo – que tudo muda – me invadisse e mudasse igualmente, sem resistência. Rendi-me ao tempo. E à idade. Mas agora, nem sei bem porquê, tem-me dado uma certa nostalgia, e lembrando uma música ou uma voz há logo outra voz e outra música que acena, e por arrasto vêm músicas e vozes que julgava perdidas e mortas, como o meu velho gira-discos de outrora. Como os velhos gira-discos do século passado. E eis que de repente, com esta minha nostalgia, descubro agora o regresso das velhas rodelas de vinil e dos velhos-novos-gira-discos numa espécie de revivalismo que trará consigo os ídolos dos meus anos oitenta vestidos de calças à boca-de-sino. Como se a evolução tecnológica e a globalização tivessem destas contradições. Assim às arrecuas.
Há já quem diga que tudo isto pode até vir a ser muito mais do que isto, a gente avança, avança e quando menos se espera o petróleo definha, o seu custo dispara, os carros deixam de andar à toa, os aviões voam menos porque mais vazios, as pessoas ficam mais presas ao seu território, as mercadorias ficam mais presas às pessoas, os países têm de se tornar à força mais independentes uns dos outros, tudo terá de ser menos descartável, a agricultura terá de ser uma aposta forte, o mundo, o nosso mundo, tornar-se-á aos poucos mais pequeno. Muito mais pequeno, afirmou há dias um economista norte-americano, e os economistas norte-americanos parece que sabem bem do que falam.
E no fim de contas, com tanta música que nos invade a alma, só tenho pena de ter perdido o rasto ao gira-discos da minha juventude.
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Crónica de Julho de 2010 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25.
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1 comentário:
Cai bem uma certa dose de nostalgia, mesmo uma certa expectativa de que o mundo possa voltar um pouco atrás. No entanto, o retorno já deixou de ser eterno; é apenas um sinal de que a imaginação se dá mal com a voragem do tempo.
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