… já que entrou na agenda, e se emigrássemos e deixássemos
os reis barrigudos a pregar para os peixes?!
E tudo o resto a menos
Ontem foi feriado, talvez um feriado a menos que, não
faltando, poderá vir a faltar-nos. A história dos homens faz-se com a história
dos homens – com os factos, com os mitos, com os simulacros, com as ausências,
com os vazios.
Para o ano, a nossa história será diferente, forçosamente
outra, mais triste e mais pobre, e não apenas por falta de feriados nem por
falta das «festas» que etimologicamente representam. E se para além de tudo
quanto cessar houver ainda menos feriados, haverá seguramente feriados a menos,
porque todos, cada um a seu modo, serão para muitos um mal necessário, um dia
de folgança a menos que tornará o ano mais longo, mais pesado e mais
macambúzio. Tão ou mais do que a baixa lisboeta sem iluminação, sem uma árvore
içada por uma estrela, sem um vestígio de natal.
Está bem, ele há gente virtuosa que sabe que os feriados são
quase todos dissonantes e escusados e infecundos, mas é admirável que quem tem
o dom de ter o rei na barriga – que é quem manda em nós – só descubra estes
ignóbeis adjectivos quando a crise bate à porta e é preciso mostrar aos outros
(sempre aos outros) que há que manter bem firmes as rédeas, bem firmes e
curtas, porque a verdade é só uma (é sempre só uma) e há que evitar o dilúvio
causado pelos outros (sempre pelos outros), por aqueles que precederam estes e
por aqueles que precederam os que precederem estes e por aí fora...
E a tristeza e a pobreza acrescida do próximo ano levará
ainda em cima com uns dias de férias a menos a juntar aos feriados a menos e ao
salário a menos e aos subsídios a menos e às deduções a menos e aos descontos a
menos e a tudo o resto a menos.
Hoje, no dia seguinte a uma provável comemoração a menos,
tenho diante de mim vinte e tal alunos tentando buscar sentido a algumas
palavras do Pe. António Vieira: «A primeira coisa que me desedifica, peixes, de
vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a
circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os
grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os
pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como
os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só
grande.»
Mas estes jovens que me acompanham na leitura têm alguma
dificuldade em enxergar nos dias de hoje e nestas bandas de cá desedificações
assim tão escandalosas, porque a noção de «circunstância», mitigada pela
escola, não é ainda matéria com que se defrontem, daqui a meia dúzia de anos,
sim, que é quando se perderão na «cidade», como num «açougue». E não haverá
nessa altura feriados a menos nem feriados a mais, haverá porventura uma porta
sem saída. A única saída.
[Ontem foi o 1º de Dezembro. Ontem estive muito perto das
palavras do Pe. António Vieira.]
Bem sei que não é original, mas já que entrou na agenda, e
se emigrássemos e deixássemos os reis barrigudos a pregar para os peixes?!
Crónica de Dezembro
de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores:
1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10,
11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 36;
35; 37;
38;
39; 40; 41; 42.
2 comentários:
Os sátrapas é que devem emigrar!
Feliz Natal, António
Abraço
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