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quinta-feira, 28 de março de 2013

Em curso

«Pegou noutra pedra e apontou a um segundo polícia. Falhou. Pegou em mais pedras, mas não voltou a ter a sorte que tinha tido com a primeira. E o estádio dos três milhões lá longe. Tinha evitado as árvores. E tinha escapado de todas as feras, até dos terríveis crocodilos alados, e agora tinha os polícias de fumo negro desenhados à sua frente.»

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Alentejo e a minha ficção



Há muitos, muitos anos – pode-se dizer que eu ainda era uma criança –, escrevi um livro com um título muito comprido, creio que com pelo menos umas dez palavras. O título refere a minha terra, na serra do Algarve, e também a visita de um presidente da república. Recuando aos tempos da publicação, lembro-me de algumas coisas que foram escritas sobre o livro, e a verdade é que do apoio da crítica não me posso queixar. Porque tirando o facto de dizerem que a capa era má, pouco havia a não ser elogios. Era um livro de contos, e eu gostava dele, gostava e ainda gosto, mas não tinha pensado que muito mais pessoas – com excepção talvez da minha mãe, do meu pai, do meu irmão e da minha tia – pudessem gostar. Só que houve mesmo mais pessoas, pelo menos a julgar pelo que eu ia lendo nos jornais, onde me apresentavam como um jovem autor algarvio, a juntar a vários elogios aos contos, alguns bastante chamativos. Tão chamativos que até deu para coisas como, imagine-se, ser convidado para um programa do Manuel Luís Goucha. Eu fui, por insistência do editor, e ainda me lembro da primeira coisa que o apresentador televisivo me disse, em directo, depois de ter levantado os olhos de uma fotocópia do texto do «Expresso» sobre o livro: «Ah, mas você afinal não é nada jovem!»
Comecei também a ser convidado para ir a feiras do livro. E aí notei que o livro já era relativamente conhecido e que até havia pessoas que sabiam quem era o autor. Lá uma vez por outra, aparecia quem dissesse que tinha lido uma crítica num jornal, ou ouvido qualquer coisa na rádio. Mas o mais frequente era o comentário de que me tinham visto no programa do Goucha. Sabiam que eu era do Algarve e que os contos eram do Algarve, e que o livro tinha um título muito comprido, tão comprido que quase nunca o sabiam dizer bem, trocando a minha terra, que o presidente visitava, por outras como Setúbal, Beja (a mais frequente) e até, vá-se lá saber por quê, Lisboa.
Era um Algarve interior, da serra, não o Algarve dos turistas e das praias, mas mesmo assim numa ou noutra história as personagens aventuravam-se até aí. E isso tinha sido notado em vários dos textos dos jornais. O que não tinha sido notado era o Alentejo, para aonde as personagens também se aventuravam e onde nalguns casos as próprias personagens viviam.
A minha terra fica na fronteira com o Alentejo. Agora já não acontece tanto, mas da altura em que escrevi o livro, alguns anos antes da publicação, lembro-me de que ainda havia entre os mais velhos o hábito de dizer «vou lá abaixo ao Algarve» sempre que era preciso ir a Portimão, a cidade mais próxima. E se fosse preciso falar em ir a Sabóia, ou a Odemira, ninguém dizia que ia ao Alentejo. Ia mesmo a Sabóia, ou a Odemira, como se a minha terra e essas terras do Baixo Alentejo fizessem parte da mesma região. E na minha cabeça faziam, como ainda hoje fazem.
Tudo isto aconteceu há muitos anos, num tempo em que eu estava longe de imaginar que haveria de passar a viver no Alentejo, ainda por cima não numa daquelas terras próximas da minha mas bem mais acima, no caso em Montemor-o-Novo.
Estava longe de imaginar que os livros que haveria de escrever iriam até falar muito mais do Alentejo do que da minha terra, o que faria não ter grande sentido o que depois se haveria de continuar a dizer, de que eu escrevia sempre sobe o Algarve. Isto talvez tenha sido um segundo choque, depois do primeiro do apresentador televisivo a reparar que por mais que me chamassem jovem escritor eu, mesmo ainda na casa dos vinte, afinal não era nada jovem. Tinha escrito as histórias do Algarve, como no início tinha havido quem assinalasse (nalguns casos até de forma um pouco depreciativa), e por isso haveria de continuar com elas, mesmo que escrevesse sobre outra coisa qualquer. Como se uma qualquer lei obrigasse a isso. Era a conclusão que eu tirava do que lia.
Tenho de pensar um pouco para ver os livros que escrevi depois. As suas personagens, os seus lugares… Confesso que na minha cabeça acabam até por se confundir, conhecem-se inclusive aquelas que nunca se encontraram numa história ou num capítulo de um romance. E os lugares… Quem andou por onde? Tenho muitas vezes que pensar. O Largo da Câmara, em Montemor. Os montados da Serra do Monfurado. O Escoural. As viagens para Évora pela estrada que passa por São Sebastião da Giesteira. As deambulações por Évora num dos livros, tantas vezes, para os encontros que como narrador tive com um estranho livreiro a quem um pequeno demónio dos livros teimava em estragar o negócio. As viagens para a minha terra, cortando o Alentejo a direito, para sul, e a imagem que de noite – quase sempre a altura das viagens – mais vezes me ficava num dos livros: a da aproximação a Ferreira do Alentejo, pelo lado norte, com as luzes amarelas do casario baixo; e bem no alto, imponente, o edifício dos silos de cereais com as luzes brancas e azuis que sempre me faziam lembrar – e ainda fazem – uma nave espacial acabada de aterrar na planície. Ou preparada para zarpar.
Estas coisas dos meus livros acabam por estar muito coladas às minhas viagens pelo Alentejo. Eu no carro – ou para Lisboa, por causa do trabalho, ou para o Algarve, onde vivem as pessoas de que falei no início, as quatro que eu pensava que seriam das poucas a gostar do meu primeiro livro, mesmo que fosse só para me darem algum alento.
Muitas vezes, nos livros, o Alentejo é visto de dentro do carro. Um deles, lembro-me, foi apresentado em Lisboa na Casa Fernando Pessoa pelo escritor José Eduardo Agualusa. Ele leu um texto, mas no final não mo deu, por isso recordo apenas duas ou três coisas do que disse. Numa delas falou em narrativa «borgesiana», adjectivo complicado que interpretei como um elogio, apesar de eu não ser propriamente o fã número um de Borges. Outra foi que se notava facilmente estarmos em presença de um autor que conduzia muito. Eu já sabia, na altura, que ele não costuma conduzir, preferindo o táxi e o avião. E por isso – lembro-me bem –, durante um momento, um momento muito, muito, muito breve, tive a ilusão, talvez o sonho, de que esse comentário, de um escritor tão conhecido e, sobretudo, tão talentoso, pudesse significar um bocadinho de admiração.

Texto escrito a partir das notas de suporte a uma intervenção nas «Jornadas Literárias de Montemor-o-Novo» (painel «O Alentejo na ficção», que também teve a participação de Mário de Carvalho, Rui Cardoso Martins e André Gago)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Bem cedo


Évora, Praça do Giraldo, hoje bem cedo. Acompanhando as personagens.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Um livro, aqui


«Os Golos de Jardel Nunca Foram Imortalizados numa Canção» - Este livro de histórias pode ser lido na íntegra neste blog. Basta clicar no separador «Histórias de futebol», em cima.

domingo, 7 de agosto de 2011

Maria Lúcia Lepecki (1940-2011)

Encontrámo-nos apenas uma vez, em Montemor-o-Novo, num evento onde ela ia falar sobre José Cardoso Pires e eu ler uma história para crianças. Eu conhecia o seu nome de há muitos anos e tinha por ela uma enorme admiração. Ela presumo que nem sabia quem eu era. Tinha a máquina fotográfica comigo e acabei por fotografá-la quando ela estava a falar sobre o autor de «A Balada da Praia dos Cães», ao lado de uma das filhas deste. A fotografia (primeira) não ficou lá muito boa. No fim da palestra, ela veio ter comigo com uma senhora da zona, uma amiga de muitos anos que então reencontrava. A amiga tinha ido de propósito ouvi-la, ela tinha referido isso na palestra, assim como as circunstâncias do encontro, único, algumas décadas antes. Pediu-me para tirar uma fotografia das duas e deu-me o endereço de e-mail para lha enviar. Tirei a fotografia (segunda), a medo, pensando que se calhar ficaria como a da palestra. Mas não ficou. Uma questão de sorte.

Ver mais sobre Maria Lúcia Lepecki aqui.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Em Abril passado

Em Abril passado, no Colégio Internacional de Vilamoura. Ver aqui.

domingo, 8 de maio de 2011

O início


Junto à vedação da Herdade do Convento, bem perto de onde poucos dias antes tinha retirado dos bicos do arame farpado o corpo de uma garça, o pequeno Tukie viu duas perdizes atravessarem a estrada de terra. Não lhe tomaram medo e entraram tranquilas na herdade, quase a tocarem o primeiro dos arames da vedação. Ele lembrava-se bem de que a garça tinha perdido a vida no terceiro, a pouco mais de meio metro de altura.
Deixou de pedalar, assentou um pé na estrada de terra para equilibrar a bicicleta e ficou a observar as perdizes. «Se eu fosse caçador…», pensou. Nesse caso estaria numa posição privilegiada, só que ele não era caçador. Tirou a máquina fotográfica da mochila e apontou-a. As perdizes estavam calmas, sem as correrias de tantas vezes antes de voarem uns metros. O pai do pequeno Tukie costumava falar de uma mulher a quem chamavam a Perdizinha, uma mulher de tempos já passados. Tratavam-na assim porque era muito baixa, mas sobretudo por andar depressa. Uma mulher desembaraçada e pequenina, um verdadeiro contraste com outra desses tempos, a Pata Larga, forte, alta e sempre a gabar-se de que calçava o quarenta e três. A Pata Larga, tinha-lhe o pai contado, falava como se carregasse na boca dois torrões de terra, um de cada lado, quem sabe se por causa dos equilíbrios, embora ela não precisasse muito de equilíbrios, principalmente por causa dos pés alongados.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Feira do Livro de Lisboa – 2011

Vou estar no stand da Quetzal, no domingo, 15 de Maio: sessão de autógrafos, 17H00-18H00; iniciativa «Livreiro por um dia», 18H00-19H00.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A décima terceira história

São doze as histórias protagonizadas pelo pequeno Tukie em «O Sorriso Enigmático do Javali». Por causa de um trabalho do meu filho, de seis anos, para a escola, escrevi a décima terceira. Pode ser lida até amanhã por esta hora no blog do livro, aqui.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Uma cidade mítica

Estive no encontro «Palavra Ibérica 2011», em Tavira, com escritores do Algarve e da Andaluzia. Falei no painel de encerramento, sábado passado, à noite. Quando cheguei à Biblioteca Municipal, que tem o nome de um dos heterónimos de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos), estavam os trabalhos quase a recomeçar. Parei por momentos à porta da sala, apanhei o telemóvel num dos bolsos das calças e preparei-me para tirar uma fotografia. Na altura em que carregava no botão, veio alguém cumprimentar-me. A foto é a que aqui publico, toda tremida.
Gostei muito de participar no encontro. Pelo facto de ser no Algarve, e com escritores tanto da minha terra como do sudoeste de Espanha, a certa altura da intervenção lembrei-me das viagens que fazia em criança até Ayamonte, e de como a partir de Vila Real de Santo António, ali perto de onde estava a decorrer o encontro, eu, pequenino, via o Guadiana tão grande, imenso como depois nunca mais o vi com o olhar de adulto. O rio que eu, pequenino, observava no cais antes de apanharmos o barco.
Lembrei-me também de uma promessa que me tinham feito, a de que mais do que a Ayamonte eu haveria de ir a outra cidade de Espanha: Huelva. Mas eu acabei por nunca ir a Huelva, de forma que nesses tempos já tão distantes ela se tornou para mim, pequenino, uma espécie de cidade mítica. Não, uma espécie não, tornou-se verdadeiramente uma cidade mítica. Lembrei-me também, enquanto falava disto na noite de sábado, que uma vez, em Vila Real de Santo António, contei esta história. Terá sido há uns três ou quatro anos, numa iniciativa relacionada com os meus livros. Já quase no fim, uma mulher pediu a palavra e disse-me que tinha nascido em Huelva mas que morava em Vila Real de Santo António porque se tinha casado com um português. Era a parte em que me faziam perguntas, mas ela não queria fazer nenhuma pergunta, queria apenas dizer-me que Huelva, essa cidade mítica da minha infância, não era de forma nenhuma uma cidade mítica. E que se eu quisesse que fosse lá, agora já adulto, para disso tirar a prova. Disse-lhe que sim, que haveria de ir. Mas ao mesmo tempo eu sabia que estava a dizer aquilo e que não era verdade. Eu nunca haveria de ir a Huelva. Acho até que nunca hei-de ir, apesar de conhecer a maior parte de Espanha. Prefiro ficar com a ideia de que Huelva, a cidade de que eu ouvia falar com cinco ou seis anos, nas viagens para Ayamonte, é mesmo, será sempre, uma cidade mítica.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Pelo montado

A TVI veio hoje ao montado. Depois, quando for para passar na televisão, ponho aqui.

domingo, 10 de abril de 2011

Palavras ibéricas

Iniciativa «Palavra Ibérica 2011» (com escritores do Algarve e da Andaluzia), em Tavira, no próximo fim-de-semana. Participarei no painel de encerramento, sábado, dia 16, pelas 21H30, na Biblioteca Municipal Álvaro de Campos.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Em Vilamoura

Esta manhã, no Colégio Internacional de Vilamoura, que tem alunos de quarenta e duas nacionalidades, para falar sobre o livro «O Sorriso Enigmático do Javali». Na biblioteca, para alunos do 8º Ano e do Year 9 e ainda membros do Grupo de Jornalismo do colégio, no âmbito de uma iniciativa denominada «A Magia das Palavras Contadas», coordenada por Dina Adão. Site do colégio aqui.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

No Cairo

Para ajudar a compreender o que vai acontecendo por estes dias no Cairo. Via blog «A Origem das Espécies». Apenas um pormenor em que eu já tinha reparado na altura da publicação do livro, a capa é linda.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Em tempos, escrevi uma história que começa assim…

Os romanos
Segunda-feira, a meio da tarde, em Vila Real de Santo António. Um calor não se podia dizer sufocante porque não havia notícias de que alguém, nas últimas horas, tivesse sufocado na cidade; ou até nos arredores, contando nos arredores, inclusive, com a cidade espanhola de Ayamonte. Mas alguém que fizesse a descrição assim sem pensar muito nas palavras poderia acabar por usar o termo «sufocante», ou mesmo aventurar-se para expressões como «ar irrespirável» ou «o sol a arder». Para não estar com mais coisas, a temperatura era de quarenta e dois graus. Assim indicava o painel do carro, que costumava andar sempre atento, embora a respeito do calor nunca fizesse avisos, apenas em relação ao frio. Bastava que a temperatura se aproximasse de zero para se pôr com mensagens de piso escorregadio e mais algumas apoquentações que poderiam surgir. Já para altas temperaturas, nada, a menos que no computador que o regulava estivesse previsto lançar avisos apenas depois de atingidos os cinquenta graus, coisa que eu nunca tinha experimentado. Um dia haveria de ir no carro até Sevilha – já que não estava para ir com ele a conduzir até ao Qatar, por exemplo, só para tirar a prova. Haveria de ver as previsões meteorológicas, as que faziam para Sevilha, e então, quando indicassem temperaturas tão altas, lá fazia eu as contas para no dia exacto chegar à cidade andaluza e ver se no painel do carro aparecia algum aviso. Na volta não apareceria nada e a viagem seria em vão, mas também ir de carro até Sevilha não era assim uma coisa tão complicada como isso. Já ao Qatar… E depois, no Qatar – um sítio sobre o qual eu tinha uma vez ouvido que nele era proibido dizer que a temperatura passava os cinquenta graus, se passasse –, o que poderia acontecer no Qatar se o carro se pusesse com avisos? Quem sabe não ficaria lá o carro, e também o dono, um apreendido por blasfémia, outro detido por cumplicidade… O melhor era nem pensar no sarilho, esquecer o Qatar, talvez até esquecer a ida a Sevilha, o teste ao painel de informações do carro, que se calhar não passava de uma desculpa para ir a Espanha. Até porque se eu queria ir a Espanha era só uma questão de meia-hora, se tanto, ir até à ponte sobre o Guadiana, atravessá-la e pronto, lá estava Espanha. Eu podia inclusive ficar por Ayamonte, que agora tinha diante de mim lá do outro lado do rio.
Era o que eu via, com o carro parado num dos estacionamentos da marginal de Vila Real de Santo António. Lembrava-me das viagens em criança, desde a Serra de Monchique, passavam-me pela cabeça as recordações de chegar ali sem que nada me parecesse como agora. O estuário já não se mostrava tão grande, Espanha já não parecia estar tão longe, já não havia, por causa da ponte nova, o corrupio dos barcos de um lado para o outro… Eu lembrava-me de tudo, as viagens com os meus pais para as compras em Ayamonte, uma aventura para mim, e agora a cidade tão perto. Lembrava-me também de outra terra, maior; era uma promessa que eu tinha em criança, a de mais tarde ir até uma cidade que dali não se via, a cidade que para mim era nesses tempos já distantes uma espécie de maravilha do mundo. A mítica cidade de Huelva, bem para lá de Ayamonte; aí haveríamos um dia de ir às compras.
Chegavam-me estes pensamentos enquanto olhava para o rio. Dentro do carro, salvo do calor pelo ar condicionado, a fazer tempo para que chegasse a hora de uma sessão literária no centro cultural da cidade. Eu ia falar dos meus livros, naquela segunda-feira a meio da tarde. Um dia de Agosto… Um calor que para um narrador distraído podia sufocar pessoas. Quarenta graus… Estaria alguém no centro cultural para me ouvir, ou para me perguntar alguma coisa? Não me parecia… Não era uma questão de pessimismo. Eu nem sabia bem o que era, pensava nisso, no que faria se não aparecesse ninguém, ou se estivesse, por exemplo, apenas uma pessoa, sentada numa das filas do meio. Ou se aparecesse um bêbado a fazer umas perguntas todas muito elaboradas mas sem sentido, como me tinha acontecido uma vez numa livraria em Lisboa. As minhas preocupações antes da sessão. Coisa pouca, se me pusesse a fazer comparações com uma preocupação bem maior que começava a tomar conta de mim. No rio, um barco. Eu via-o ainda de dentro do carro, preparando-me para sair por entretanto ter chegado a hora da sessão. De repente o barco tinha captado a minha atenção. Durante algum tempo depois de estacionar eu não tinha reparado nele, mas agora reparava, agora sim. O barco estava mais próximo, navegando desde a foz do Guadiana. Viria do alto mar? Era tudo muito estranho para mim. Um barco cheio de romanos aproximava-se do molhe. E eu no carro a ver, e de repente as poucas pessoas que andavam por ali ao calor a perceberem também o que chegava, e a agitarem-se. Teria o indecente programa «Allgarve» alguma coisa a ver com aquilo? Eu já com uma explicação, a de uma animação turística… Mas com romanos? E as pessoas a agitarem-se. Seria, afinal, outra coisa? E por que é que as pessoas teriam medo? Faria isso parte da própria encenação?
Bom, saí do carro e aproximei-me do limite do molhe. (CONTINUA)
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terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Há 15 anos

Pedro Aquilino chegou a Monchique a meio de uma tarde abafada de Agosto. Nem o calor nem o mau-cheiro do cadáver do elefante, que continuava abandonado à entrada da vila, o fizeram retroceder. E assim foi recebido nos paços do concelho pelo novo presidente da câmara. O antigo, de quem já ninguém se lembrava, resolveu dar sinal de si e voltou a mandar papelinhos por baixo da porta, desta vez com saudações democráticas e algumas sugestões protocolares.
– Ah, têm dois presidentes da câmara! – comentou Pedro Aquilino. – E nem assim arranjaram tempo para mandar enterrar o desgraçado do elefante!

Excerto do livro de contos «Quando o Presidente da República
Visitou Monchique por Mera Curiosidade», publicado em 1996,
faz agora 15 anos
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Personagens de «O Medo Longe de Ti» – 4

O mágico velhinho
«E então vi o mágico velhinho a descer do comboio-ladrão, à frente de toda a gente, a fazer sinal de que não, de que tu não vinhas. Chegou-se ao pé de mim e eu não consegui pontapeá-lo. Por mais que quisesse, não consegui pontapeá-lo como nos últimos ramos da árvore alta da floresta das regras.»
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Outras personagens: 1, 2, 3.
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Contos inesquecíveis (6)

«Havia um homem que era muito senhor da sua vontade. Andava às vezes sozinho pelas estradas a passear. Por uma dessas vezes viu no meio da estrada um animal que parecia não vir a propósito – um cágado.»
«O Cágado», de Almada Negreiros (do livro «Obras Completas – Contos e Novelas»)
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