O início de «O Sorriso Enigmático do Javali».
Junto à vedação da Herdade do Convento, bem perto de onde poucos dias antes tinha retirado dos bicos do arame farpado o corpo de uma garça, o pequeno Tukie viu duas perdizes atravessarem a estrada de terra. Não lhe tomaram medo e entraram tranquilas na herdade, quase a tocarem o primeiro dos arames da vedação. Ele lembrava-se bem de que a garça tinha perdido a vida no terceiro, a pouco mais de meio metro de altura.
Deixou de pedalar, assentou um pé na estrada de terra para equilibrar a bicicleta e ficou a observar as perdizes. «Se eu fosse caçador…», pensou. Nesse caso estaria numa posição privilegiada, só que ele não era caçador. Tirou a máquina fotográfica da mochila e apontou-a. As perdizes estavam calmas, sem as correrias de tantas vezes antes de voarem uns metros. O pai do pequeno Tukie costumava falar de uma mulher a quem chamavam a Perdizinha, uma mulher de tempos já passados. Tratavam-na assim porque era muito baixa, mas sobretudo por andar depressa. Uma mulher desembaraçada e pequenina, um verdadeiro contraste com outra desses tempos, a Pata Larga, forte, alta e sempre a gabar-se de que calçava o quarenta e três. A Pata Larga, tinha-lhe o pai contado, falava como se carregasse na boca dois torrões de terra, um de cada lado, quem sabe se por causa dos equilíbrios, embora ela não precisasse muito de equilíbrios, principalmente por causa dos pés alongados.
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