O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, acaba de apelar ao espírito cívico dos portugueses, por exemplo para que peçam facturas em todas as compras realizadas, compras a que chamou «actos simples», não sei se por experiência própria, se para ele qualquer compra é um acto simples (as que faz com o dinheiro do Estado provavelmente são mesmo simples, na óptica dele). Gostaria também de apelar ao espírito cívico do ministro e pedir-lhe que passe a usar um carro que custe no máximo trinta mil euros. E que exija prática igual a todos os ministros e secretários de Estado. E que um pouco por todo o Estado se faça uma actualização na mesma proporção (haverá quem tenha de passar a andar de utilitário e quem deixe inclusive de ter carro à borla, mas num país a viver de apoio financeiro externo não vejo que isso não seja razoável).
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Uma proeza
O texto que coloco a seguir, assinado por um director de serviços de uma das direcções regionais de educação do país, foi ontem recebido numa escola (imagino que terá ido para muitas outras, mas tive conhecimento apenas de uma). Em termos de nível de português, consegue mesmo a proeza de bater o comunicado da assessoria (?) do ministro Pedro Mota Soares sobre o seu carro de 86 mil euros (disponível aqui).
Exmo./a Senhor/a Director/a
Na sequência da mensagem infra, cumpre informar que Por razões de natureza logística e dado que se torna necessário conhecer com antecedência o número de participantes no Encontro, pelo que solicitamos que os professores de Francês interessados em participar no Encontro procedam à sua inscrição através do seguinte endereço electrónico:
[aqui surgia o endereço]
Com os melhores cumprimentos
O Director de Serviços
[aqui surgia o nome do director]
terça-feira, 29 de novembro de 2011
Hoje
Hoje ao fim da manhã, na Escola Secundária de Camões (antigo Liceu Camões), em Lisboa. Cerimónia de apresentação do livro «Ex Abrupto – Crónicas de Tempos Vagos», de António Souto (edição DebatEvolution, 2011). Na foto, Helena Vidinha Trindade (professora, directora do «Jornal de Angeja»), António Costa Valente (editor da DebatEvolution, professor da Universidade de Aveiro, realizador, produtor, director do Cineclube de Avanca ), eu, José Jorge Letria (escritor, presidente da SPA – Sociedade Portuguesa de Autores), João Jaime Pires (director da escola) e o autor do livro (que é professor na escola).
Foto: M. Cabeleira Gomes
Um muro invisível
Tenho uma relação especial com as crónicas do António Souto, por isso sempre insisti em publicá-las no meu blogue, desde os tempos em que saíam num jornal da sua terra. Nunca como agora houve tantos cronistas, pelo menos é isso que noto ao folhear muitos dos jornais e muitas das revistas que por cá se publicam, ou até a andar pelos blogues. Mas apesar desta fartura, nem sempre encontro o que ler; muitas vezes começo uma e outra crónica e aquilo que me aparece é um muro invisível logo por alturas das primeiras linhas. Não sei de que cor é, nem que altura tem, nem de que material é feito, mas vou lá bater de cada vez que tento a leitura. Um muro invisível, um muro duro, tanto que com o tempo habituei-me a só bater lá com a cabeça uma vez, a não insistir, para evitar males maiores. Nunca dei por esse muro nas crónicas do Miguel Sousa Tavares, tal como não dei nas que me apareceram assinadas por nomes como Pedro Mexia, Luis Sepúlveda, José Eduardo Agualusa, José Luís Peixoto, Clara Ferreira Alves, António Lobo Antunes, Maria Filomena Mónica ou Pedro Correia, neste último caso nos blogues. É o mesmo que acontece com as crónicas do António Souto, daí o gosto que tenho, a cada mês, em que sejam publicadas. Se calhar o problema é meu e não de nenhuma crónica, de nenhum autor. Se calhar os muros não existem nas crónicas, nem muros visíveis, nem muros invisíveis. Pode ser mesmo um problema meu, ou antes, um problema da minha imaginação. Começo a ler e penso em muros, e depois, logo na segunda ou na terceira linha, bato com a cabeça. E desisto. Mas nas crónicas do António Souto, como nas dos outros nomes que referi, não penso nisso. E avanço. Concentrado. Interessado. Até ao fim.
NOTA: Texto escrito para o livro «Ex Abrupto – Crónicas de Tempos Vagos», de António Souto (que escreve regularmente no «Floresta do Sul»). O livro foi apresentado hoje ao fim da manhã, na Escola Secundária de Camões (antigo Liceu Camões), em Lisboa. O texto vem na contracapa do livro, que tem edição da DebatEvolution.
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Gozar com as pessoas
Não sei se o aluguer da «bomba», como chama o «Correio da Manhã» ao novo carro de luxo do ministro da Solidariedade Social, Pedro Mota Soares, foi uma herança do anterior governo (como Mota Soares se desculpa). Se foi, bem que o ministro podia ter tomado a decisão de o anular (algum poder de decisão deve ter um ministro). Mas não, limitou-se a ir levantar o carro ao stand (segundo conta outro jornal, creio que o «DN» – e eu que pensava que os ministros até para lhes ir levantar os carros tinham assessores…). E ao fazê-lo acabou por gozar com cada uma das pessoas que dia após dia neste país abdicam de muitas coisas de que não gostariam de abdicar – porque o dinheiro, quando não se tem acesso ao saco do Estado, que mesmo com a crise parece inesgotável, não chega para tudo.
Depois de uma coisa destas, Mota Soares devia ser imediatamente demitido. Certamente que não será cómodo para Pedro Passos Coelho telefonar-lhe a dizer que assim não dá para continuar. Mas podia telefonar a Paulo Portas para os dois acertarem a melhor maneira da fazer a substituição por alguém que revele um pouco mais de bom senso e um pouco menos de sentido de humor negro.
Quanto ao anterior secretário de Estado para quem o carro – ao que diz Mota Soares – terá sido encomendado (Carlos Zorrinho, líder parlamentar do PS), também seria bom que António José Seguro falasse com ele e lhe perguntasse se desperdícios como este são mesmo o que ele defende para a gestão dos dinheiros públicos. E se algum dia o PS vier sob a liderança de Seguro a ser chamado a formar governo (não imagino como, depois do que José Sócrates fez ao país), seria bom que a opinião de Zorrinho fosse tida em conta no momento da escolha do elenco governativo. Aliás, seria bom que fosse tida em conta já agora, para efeitos de continuar a ser ou não líder parlamentar.
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domingo, 27 de novembro de 2011
sábado, 26 de novembro de 2011
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
Um regresso
Fecho de mais uma
edição da revista, logo no princípio da semana, e um fecho mais controlado do
que o costume. Mas a chegada a casa praticamente de manhã, mesmo sem as quase
habituais brigadas da GNR a fazerem paragem (normalmente apanho duas, uma em
cada cidade que atravesso), o que dá sempre uns dez minutos cada. Nem foi isso,
talvez por ser noite de segunda para terça e não mais próximo do fim-de-semana,
daí estarem provavelmente todos a dormir, ou de greve, nunca se sabe. Mesmo
assim a viagem demorou, sobretudo pela tempestade que me ia acompanhando pelo
caminho. Quase a chegar, no entanto, já as coisas tinham melhorado e até a Lua
reaparecia, ainda que timidamente, a formar uma espécie de sorriso no céu
escuro. Mas depois, nos últimos quilómetros, há a estrada de terra no meio do
montado. Conduzi devagar, não por causa do piso mas pelas correrias dos javalis
àquela hora. De onde menos se espera pode sair um. Ou cinco. Ou dez. Cada vez
parece haver mais javalis, não sei se por causa da crise e de alguma
especificidade sua que faça com que se adaptem bem a estes tempos. São eles e
os anormais da política (sobretudo os reformados logo na casa dos quarenta, ou
até dos trinta, que agora parecem ser mais do que as mães). Com as lebres
também é preciso atenção na última parte do percurso pelo montado. E com as
ginetas e os escalavardos. Mas as luzes dos olhos normalmente denunciam-nos ao
longe, enquanto com os javalis (que andam sempre de fuças no chão, a chafurdar
– na prática como acontece na política), com os javalis é diferente. Mas enfim,
lá acabei por chegar a casa. Estacionei na zona dos carros, ainda fora do
monte. E de repente fui surpreendido por algo mole em que dei um pontapé.
Pensei numa lebre, embora no escuro não visse mais do que o próprio escuro, sem
um sinal que fosse das duas luzes dos olhos a brilhar. Mas não, não era uma
lebre. Nem um dos gatos do monte, que esses sim às vezes aparecem a enroscar-se
nas pernas. Instintivamente apanhei o que tinha pontapeado, no preciso momento
em que começava uma música divertida. Ali no escuro, com as casas a aparecerem
recortadas na claridade de uma das lâmpadas, eu segurava o volume de onde saía
a música. E só com a luz do ecrã do telemóvel consegui perceber. Não era na
cabeça redonda de uma lebre que eu segurava, nem na cabeça redonda de um gato.
Era numa bola. Uma dos meus filhos, agora mais usada pela bebé (que em vez de «bola»
ainda só diz «bó»). De certeza que a bebé a tinha largado ao princípio da
noite, à chegada. Quando entrei em casa fui remexer as brasas que ainda
resistiam na lareira. Ganharam de repente uma enorme vivacidade. E o calor
instalou-se por ali. Deixei a bola por perto, a secar da chuva da noite.
António Souto – Crónica (42)
Sou até capaz de a trazer comigo pela mão e perder-me com ela pela baixa da cidade, este ano sem as luzinhas do costume e com as montras repletas de azedume no lugar de azevinho, e descermos ambos até ao Tejo e daí acenarmos ao Cristo Rei e implorar-lhe baixinho que lá de cima roube uma estrela e a lance aos espíritos cegos que nos dominam, para que lhes dê um pouco de luz e de discernimento.
Leopopotinices
Ainda hoje ela não tem a certeza do que aconteceu realmente naquela noite.
A Leopoldina não é mulher para alimentar frivolidades, mas aquela noite ainda não lhe saiu completamente da ideia apesar de bem casada há mais de vinte anos e mãe de dois filhos varões que são uns amores de jovens, isto pelo menos é o que ela não se cansa de dizer sempre que a conversa, apesar de breve, roça a família, e eu acredito.
A princípio achei-lhe graça ao nome, tinha assim um não sei quê de misterioso que ia bem com a graça do corpo, um corpo de curvas nutridas, em equilíbrio perfeito, tudo sensual, tudo requerendo impressões digitais. Depois achei-lhe graça a toda ela e em três tempos aquilo evoluiu para o regalo do tapete e para o palrar de uma televisão tão abandonada como o periquito opalino da cozinha. A sala foi nessa circunstância um céu na terra. Leopoldina a única estrela polar. A noite, mágica. Um episódio.
A peripécia ficou por ali e a ausência foi longa. Até hoje. Hoje o dia em que ela achou não ter a certeza do que aconteceu naquela noite. Eu também não. Há noites assim.
Mas uma coisa é a gente não ter a certeza do como, outra é a gente não se lembrar do quê. Bem entendido que não arrisquei confessar-lhe que durante estes últimos anos a rememorei regularmente quando, chegado Dezembro, me abastecia de natais num certo hipermercado. E que a comprei sempre com satisfação solidária só por lhe achar graça ao nome. A amizade não se esquece.
Mas este natal estou convencido de que o gesto não será o mesmo, e é bem possível que a ausência volva a ser longa e que aquele acaso celeste não suba mais à tona.
Disto não falámos hoje. Também se calhar não nos encontraremos nos anos mais próximos, ou talvez só quando os seus dois filhos varões deixarem de ser uns amores, porque já então haverá netos, e as palavras, como diria o poeta, é possível que estejam já gastas de não terem tido uso.
Este natal, se me for fornecer dele a um certo hipermercado, o meu gesto solidário será agora para a Popota e não terei motivos para evocar mais ninguém, nem mesmo quem certa vez fez mágica uma noite e me criou incertezas.
(Começo a estar cansado de incertezas. Ou será que são as certezas que me cansam?)
Sou até capaz de a trazer comigo pela mão e perder-me com ela pela baixa da cidade, este ano sem as luzinhas do costume e com as montras repletas de azedume no lugar de azevinho, e descermos ambos até ao Tejo e daí acenarmos ao Cristo Rei e implorar-lhe baixinho que lá de cima roube uma estrela e a lance aos espíritos cegos que nos dominam, para que lhes dê um pouco de luz e de discernimento. De certeza que a Popota não levará a mal o atrevimento.
E se levar, dá-lhe Popota, que este Natal é só diversão! Um episódio. A Leopoldina que o diga!
domingo, 20 de novembro de 2011
Uma frase
«Já sabemos que o rapaz não tem grande capacidade.»
Pedro Marques Lopes, ontem à noite, na SIC Notícias, sobre o ministro Álvaro Santos Pereira
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
domingo, 6 de novembro de 2011
Apresentação de «O Ouro dos Corcundas»
Quinta-feira ao princípio da noite. Um bocadinho atrasado, ainda
fui a tempo de ouvir a intervenção do Paulo Moreiras, a explicar as peripécias
que rodearam a escrita de «O Ouro dos Corcundas», que acabo de ler com enorme
gosto. Uma intervenção onde também recordou de forma tocante como há já alguns
anos, em 2002, na mesma livraria, apresentou o seu romance de estreia, o
inesquecível «A Demanda de D. Fuas Bragatela», de que ainda tinha por esses
dias conseguido mostrar um exemplar ao pai, pouco antes de este morrer.
Deixo aqui um bocadinho de «O Ouro dos Corcundas», cuja
acção se passa no século XIX, ao tempo da guerra entre liberais e absolutistas:
«(...) Ao passar pelo pelourinho, na esquina de uma casa, saltou-lhe ao
caminho, qual abantesma ou avejão, o Trombeta, todo finório, com o cabelo
azeitado – para assim matar os piolhos e as lêndeas – e vestido como se fosse a
um casamento.
– Ó assombração, que susto me pregaste – disse Miquelina, irritada com a
aparição. – Que fazes aqui?
– Por onde andou a menina, que não lhe deito olho durante todo este tempo? – perguntou
o labroste, com enxofrados modos, enquanto empacotava dois dedais de esturrinho
nas ventas. (...)»
Regressei a casa já bem de noite. Conduzindo pelo escuro do
montado, a certa altura quase deixava fugir o carro na estrada de terra, a
caminho de um dos sobreiros, tudo por causa das correrias dos javalis, que
pareciam felizes debaixo da chuvada. Ontem à noite eram apenas dois, mas dos
grandes, bem grandes. Já no rádio do carro, outras correrias, sempre com os
inevitáveis Papandreou, Duarte Lima e Isaltino. Acabei por mudar para a RFM.
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Paulo Moreiras,
Romance «O Ouro dos Corcundas»
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