Fecho de mais uma
edição da revista, logo no princípio da semana, e um fecho mais controlado do
que o costume. Mas a chegada a casa praticamente de manhã, mesmo sem as quase
habituais brigadas da GNR a fazerem paragem (normalmente apanho duas, uma em
cada cidade que atravesso), o que dá sempre uns dez minutos cada. Nem foi isso,
talvez por ser noite de segunda para terça e não mais próximo do fim-de-semana,
daí estarem provavelmente todos a dormir, ou de greve, nunca se sabe. Mesmo
assim a viagem demorou, sobretudo pela tempestade que me ia acompanhando pelo
caminho. Quase a chegar, no entanto, já as coisas tinham melhorado e até a Lua
reaparecia, ainda que timidamente, a formar uma espécie de sorriso no céu
escuro. Mas depois, nos últimos quilómetros, há a estrada de terra no meio do
montado. Conduzi devagar, não por causa do piso mas pelas correrias dos javalis
àquela hora. De onde menos se espera pode sair um. Ou cinco. Ou dez. Cada vez
parece haver mais javalis, não sei se por causa da crise e de alguma
especificidade sua que faça com que se adaptem bem a estes tempos. São eles e
os anormais da política (sobretudo os reformados logo na casa dos quarenta, ou
até dos trinta, que agora parecem ser mais do que as mães). Com as lebres
também é preciso atenção na última parte do percurso pelo montado. E com as
ginetas e os escalavardos. Mas as luzes dos olhos normalmente denunciam-nos ao
longe, enquanto com os javalis (que andam sempre de fuças no chão, a chafurdar
– na prática como acontece na política), com os javalis é diferente. Mas enfim,
lá acabei por chegar a casa. Estacionei na zona dos carros, ainda fora do
monte. E de repente fui surpreendido por algo mole em que dei um pontapé.
Pensei numa lebre, embora no escuro não visse mais do que o próprio escuro, sem
um sinal que fosse das duas luzes dos olhos a brilhar. Mas não, não era uma
lebre. Nem um dos gatos do monte, que esses sim às vezes aparecem a enroscar-se
nas pernas. Instintivamente apanhei o que tinha pontapeado, no preciso momento
em que começava uma música divertida. Ali no escuro, com as casas a aparecerem
recortadas na claridade de uma das lâmpadas, eu segurava o volume de onde saía
a música. E só com a luz do ecrã do telemóvel consegui perceber. Não era na
cabeça redonda de uma lebre que eu segurava, nem na cabeça redonda de um gato.
Era numa bola. Uma dos meus filhos, agora mais usada pela bebé (que em vez de «bola»
ainda só diz «bó»). De certeza que a bebé a tinha largado ao princípio da
noite, à chegada. Quando entrei em casa fui remexer as brasas que ainda
resistiam na lareira. Ganharam de repente uma enorme vivacidade. E o calor
instalou-se por ali. Deixei a bola por perto, a secar da chuva da noite.
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