quarta-feira, 30 de maio de 2012

O Alentejo e a minha ficção



Há muitos, muitos anos – pode-se dizer que eu ainda era uma criança –, escrevi um livro com um título muito comprido, creio que com pelo menos umas dez palavras. O título refere a minha terra, na serra do Algarve, e também a visita de um presidente da república. Recuando aos tempos da publicação, lembro-me de algumas coisas que foram escritas sobre o livro, e a verdade é que do apoio da crítica não me posso queixar. Porque tirando o facto de dizerem que a capa era má, pouco havia a não ser elogios. Era um livro de contos, e eu gostava dele, gostava e ainda gosto, mas não tinha pensado que muito mais pessoas – com excepção talvez da minha mãe, do meu pai, do meu irmão e da minha tia – pudessem gostar. Só que houve mesmo mais pessoas, pelo menos a julgar pelo que eu ia lendo nos jornais, onde me apresentavam como um jovem autor algarvio, a juntar a vários elogios aos contos, alguns bastante chamativos. Tão chamativos que até deu para coisas como, imagine-se, ser convidado para um programa do Manuel Luís Goucha. Eu fui, por insistência do editor, e ainda me lembro da primeira coisa que o apresentador televisivo me disse, em directo, depois de ter levantado os olhos de uma fotocópia do texto do «Expresso» sobre o livro: «Ah, mas você afinal não é nada jovem!»
Comecei também a ser convidado para ir a feiras do livro. E aí notei que o livro já era relativamente conhecido e que até havia pessoas que sabiam quem era o autor. Lá uma vez por outra, aparecia quem dissesse que tinha lido uma crítica num jornal, ou ouvido qualquer coisa na rádio. Mas o mais frequente era o comentário de que me tinham visto no programa do Goucha. Sabiam que eu era do Algarve e que os contos eram do Algarve, e que o livro tinha um título muito comprido, tão comprido que quase nunca o sabiam dizer bem, trocando a minha terra, que o presidente visitava, por outras como Setúbal, Beja (a mais frequente) e até, vá-se lá saber por quê, Lisboa.
Era um Algarve interior, da serra, não o Algarve dos turistas e das praias, mas mesmo assim numa ou noutra história as personagens aventuravam-se até aí. E isso tinha sido notado em vários dos textos dos jornais. O que não tinha sido notado era o Alentejo, para aonde as personagens também se aventuravam e onde nalguns casos as próprias personagens viviam.
A minha terra fica na fronteira com o Alentejo. Agora já não acontece tanto, mas da altura em que escrevi o livro, alguns anos antes da publicação, lembro-me de que ainda havia entre os mais velhos o hábito de dizer «vou lá abaixo ao Algarve» sempre que era preciso ir a Portimão, a cidade mais próxima. E se fosse preciso falar em ir a Sabóia, ou a Odemira, ninguém dizia que ia ao Alentejo. Ia mesmo a Sabóia, ou a Odemira, como se a minha terra e essas terras do Baixo Alentejo fizessem parte da mesma região. E na minha cabeça faziam, como ainda hoje fazem.
Tudo isto aconteceu há muitos anos, num tempo em que eu estava longe de imaginar que haveria de passar a viver no Alentejo, ainda por cima não numa daquelas terras próximas da minha mas bem mais acima, no caso em Montemor-o-Novo.
Estava longe de imaginar que os livros que haveria de escrever iriam até falar muito mais do Alentejo do que da minha terra, o que faria não ter grande sentido o que depois se haveria de continuar a dizer, de que eu escrevia sempre sobe o Algarve. Isto talvez tenha sido um segundo choque, depois do primeiro do apresentador televisivo a reparar que por mais que me chamassem jovem escritor eu, mesmo ainda na casa dos vinte, afinal não era nada jovem. Tinha escrito as histórias do Algarve, como no início tinha havido quem assinalasse (nalguns casos até de forma um pouco depreciativa), e por isso haveria de continuar com elas, mesmo que escrevesse sobre outra coisa qualquer. Como se uma qualquer lei obrigasse a isso. Era a conclusão que eu tirava do que lia.
Tenho de pensar um pouco para ver os livros que escrevi depois. As suas personagens, os seus lugares… Confesso que na minha cabeça acabam até por se confundir, conhecem-se inclusive aquelas que nunca se encontraram numa história ou num capítulo de um romance. E os lugares… Quem andou por onde? Tenho muitas vezes que pensar. O Largo da Câmara, em Montemor. Os montados da Serra do Monfurado. O Escoural. As viagens para Évora pela estrada que passa por São Sebastião da Giesteira. As deambulações por Évora num dos livros, tantas vezes, para os encontros que como narrador tive com um estranho livreiro a quem um pequeno demónio dos livros teimava em estragar o negócio. As viagens para a minha terra, cortando o Alentejo a direito, para sul, e a imagem que de noite – quase sempre a altura das viagens – mais vezes me ficava num dos livros: a da aproximação a Ferreira do Alentejo, pelo lado norte, com as luzes amarelas do casario baixo; e bem no alto, imponente, o edifício dos silos de cereais com as luzes brancas e azuis que sempre me faziam lembrar – e ainda fazem – uma nave espacial acabada de aterrar na planície. Ou preparada para zarpar.
Estas coisas dos meus livros acabam por estar muito coladas às minhas viagens pelo Alentejo. Eu no carro – ou para Lisboa, por causa do trabalho, ou para o Algarve, onde vivem as pessoas de que falei no início, as quatro que eu pensava que seriam das poucas a gostar do meu primeiro livro, mesmo que fosse só para me darem algum alento.
Muitas vezes, nos livros, o Alentejo é visto de dentro do carro. Um deles, lembro-me, foi apresentado em Lisboa na Casa Fernando Pessoa pelo escritor José Eduardo Agualusa. Ele leu um texto, mas no final não mo deu, por isso recordo apenas duas ou três coisas do que disse. Numa delas falou em narrativa «borgesiana», adjectivo complicado que interpretei como um elogio, apesar de eu não ser propriamente o fã número um de Borges. Outra foi que se notava facilmente estarmos em presença de um autor que conduzia muito. Eu já sabia, na altura, que ele não costuma conduzir, preferindo o táxi e o avião. E por isso – lembro-me bem –, durante um momento, um momento muito, muito, muito breve, tive a ilusão, talvez o sonho, de que esse comentário, de um escritor tão conhecido e, sobretudo, tão talentoso, pudesse significar um bocadinho de admiração.

Texto escrito a partir das notas de suporte a uma intervenção nas «Jornadas Literárias de Montemor-o-Novo» (painel «O Alentejo na ficção», que também teve a participação de Mário de Carvalho, Rui Cardoso Martins e André Gago)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Um novo projecto editorial



«DO it!» apresentada hoje em Lisboa

A nova revista portuguesa de vendas e negociação será dada a conhecer esta terça-feira, a partir das 17H30, em Lisboa, no Oceanário, durante os «Masters da Negociação»; o número um tem José Mourinho como figura de capa e estará nas bancas a partir de amanhã, quarta-feira.

A revista «DO it!», uma nova publicação ligada a vendas e negociação, vai ser apresentada hoje, dia 15, em Lisboa. Será durante os «Masters da Negociação», do INV – Instituto de Negociação e Vendas, que premeia personalidades e instituições pelo desempenho no mundo da negociação. A iniciativa está marcada para as 17H30, no Oceanário de Lisboa.
Com periodicidade trimestral e uma tiragem inicial de 10 mil exemplares, a «DO it!» é um projecto editorial desenvolvido pela Just Media (que edita a revista de recursos humanos e gestão «human») e o Grupo ActiveUp (onde se integra o INV). O número um estará nas bancas amanhã, quarta-feira, dia 16.
José Mourinho é a primeira figura de capa, dando rosto ao tema em destaque no número um: concretizar. O special one é apresentado num trabalho em que participam diversos responsáveis empresariais como um concretizador nato, que aponta alto, corre atrás e vence, sendo por isso um exemplo de liderança, determinação, coragem e persistência, qualidades que em qualquer actividade fazem parte do ADN dos concretizadores.
A nova revista é dirigida por João Alberto Catalão, administrador do Grupo ActiveUp, tendo como publishers Ana Teresa Penim, administradora-delegada do INV, e António Manuel Venda, director editorial da Just Media, e como editora executiva Ana Leonor Martins, também da Just Media. Há ainda uma forte participação do corpo redactorial da revista «human», além da dinamização por parte de um grupo de especialistas com grande know-how técnico, com experiência profissional internacional e currículo na autoria de textos técnicos, reflexões, investigação, artigos de opinião e publicação de livros no âmbito em que a revista se insere.
Segundo João Alberto Catalão, a estratégia editorial da «DO it!» assenta no princípio de que «a partilha é a alma do negócio», sendo os principais objectivos os seguintes: «incentivar o foco no mercado, a pro-actividade, o empreendedorismo, a ética, o optimismo negocial, a resiliência, a qualidade e a aprendizagem contínuas; antecipar o contacto com as tendências do mercado e os novos paradigmas negociais; proporcionar uma actualização permanente e consistente sobre a dinâmica do mercado e a evolução de profissionais e empresas; divulgar boas práticas e casos de sucesso; dar a conhecer soluções, ferramentas e tecnologias; proporcionar a líderes comerciais ferramentas práticas para a dinamização e o desenvolvimento das suas equipas; facilitar o networking; proporcionar o contacto das marcas e das empresas com os seus clientes; e dar a conhecer inúmeras curiosidades no âmbito das vendas e da negociação».
A dinamização comercial da «DO it!» está a cargo da equipa da Just Media, coordenada por Sónia Maia, directora comercial e de marketing da empresa.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

António Souto – Crónica (47)



Só não se percebe muito bem é por que razão, sabendo todos como o moderníssimo fogo-de-artifício não tem canas, haja quem ainda desperdice tempo a apanhá-las.

Casos e acasos
Como se não houvesse já casos de sobra para nos entreter o miolo, este Abril que finda (sem ironia) foi pródigo em novos casos e casos repescados, recasos para alimentar pretextos e disfarçar a crise que nos vai amolgando. Para o caso, porém, pouco importa se muitos ou poucos, se frescos ou não, se bem ou mal intencionados, embora estejamos em crer que todos eles acusem enfermidade crónica de difícil emenda.
Caso buraco madeirense com muito artifício. Depois das contas esburacadas do continente, os olhares voltaram-se todos para o arquipélago. E por lá andam e andarão, de descoberta em descoberta, olhares atónitos de dívidas não saldadas. Diz quem lá manda que se não foram liquidadas em devido tempo é porque não foram facturadas, e se quem o diz é quem manda, quem é a gente de cá para duvidar da boa fé e das contas à moda da região, se ainda por cima é autónoma? Só não se percebe muito bem é por que razão, sabendo todos como o moderníssimo fogo-de-artifício não tem canas, haja quem ainda desperdice tempo a apanhá-las. Então não era já tempo de saber que depois de um Carnaval vem sempre um outro Réveillon?!
Caso Isaltino e o gozo de recorrer. Bem prega o bastonário que a justiça anda pelas ruas da amargura. O povinho descrente, que é cidadão comum, insiste que não se fia nela, mas toda a nobreza continua a achar que não, que tem confiança na justiça do nosso país. E a verdade é que o nosso país sempre teve boa justiça exemplar, durante o Estado Novo e não só, por isso é que todas as pessoas inconformadas podem recorrer, todas em pé de igualdade e com custas e custos muito ajustados a todas as bolsas. E também ninguém se pode queixar da falta de celeridade nos processos, o que há é um país de processos muito complicados, mesmo muito complicados, quase tão complicados como o próprio país. O povo é que, mesquinho, não alcança estes desembaraços, problema dele que, recorrendo todo o mundo, vê estranheza em haver recursos crónicos nuns quantos. Então mas não é no teimar que está o gozo?!
Caso Camarate e mais uma comissão de inquérito. Já lá vão nove, e nada de consistente. Agora, sim, dezoito páginas de um ex-espião e preso efetivo e a investigação tem pernas para andar. Venha, por isso, a décima comissão de inquérito e ponha-se um ponto final nesta urdidura de quase trinta e dois anos. Mas que venha depressa, e ligeira meta mãos à obra antes que o autor confesso volte atrás e jure que tudo não passou de entretenimento de quem se cansa de não fazer nada enjaulado em quatro paredes – não seria coisa inédita, que quando jornalistas de investigação se metem nestes imbróglios…
Caso Maddie e o achamento de mais 195 novos dados para investigação. Ora cá está mais um assunto que ganha fôlego. Um Portugal-Inglaterra (ou um Inglaterra-Portugal) com final sem prognóstico ao fim de cinco anos. O que é estranho é que enquanto a nossa Polícia Judiciária afirma não ter novas provas para reabrir o processo, a Scotland Yard garante ter quase duas centenas de dados novos. Uma fartura! Está bem, quer dizer, alguma coisa está mal, então mas com tamanha abundância de elementos convincentes estão à espera de quê, de fazer uma foto simulada todos os anos? Vá lá, abram mas é uma comissãozinha de inquérito!
Caso Santuário de Fátima e o milagre de despejar uma idosa. Esta história não lembraria ao diabo, passe o mau gosto. A senhora, agora com oitenta anos, vivia com a irmã num anexo de uma casa que aquela doara ao Santuário de Fátima. A irmã morreu há quatro anos, e esta decidiu continuar no anexo até, também, ao último chamamento. Mas o Santuário não foi em cantigas, doação é doação, e vá de avançar para o tribunal. O tribunal deu razão ao Santuário. A idosa tem mesmo de sair, a bem ou à força (isto somos nós a imaginar já o clero todo a empurrar a idosa pelo anexo fora, até porque a dita necessita de «apoio de terceiros»). E mais, como o Santuário exigia o pagamento retroactivo dos meses em que a idosa ocupou «abusivamente» o espaço, o tribunal também nisto concordou com o Santuário e condenou a idosa ao pagamento de catorze mil e cem euros de indemnização – trezentos eurinhos por cada mês em atraso. O tribunal deve ter agido bem, nem outra coisa se espera da justiça, que como acima se disse é boa e exemplar, mas o Santuário, para mais sendo de Fátima, bem podia perdoar. Esta graça, contudo, é reserva de Deus e a crise, pelos vistos, já alastrou ao céu…
Caso Abril com tolerância zero. Isto começa mesmo a ficar negro. Os cravos bem espargiram o hemiciclo no dia vinte e cinco em tom de encarnado, mas o cinzento das nuvens coseu-se a algumas palavras em jeito de ameaça. Um mês antes da cerimónia já tinha sido dado o sinal nuns breves confrontos no Chiado. O relatório, inequívoco, esclareceu que manifestantes desordeiros haviam provocado agentes da autoridade e destruído uma esplanada de café, justificando-se, por isso, a carga policial. E quem anda à chuva… Mas o feito, mesmo, nem foi a batalha campal, foram as palavras sinistras que anunciaram «tolerância zero para as manifestações do 25 de Abril», as palavras que ficaram a pairar para o primeiro de Maio e para todas as manifestações que houver pela troika fora. Há palavras que não combinam nada com o Abril que finda. Ou é porque finda (sem ironia)?

Crónica de Abril de 2012 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 3635; 3738;   39; 40; 41; 42; 43; 44; 45; 46.