A Primavera veio quando devia vir, embora se tivesse anunciado
bem antes por árvores e arbustos em colorações, pólenes e irritações.
Variações, em baixa
Este mês de Março foi rico em variações: variou na estação,
variou na hora, variou na velocidade. Só não variou muito na esperança, que
continua candidamente em baixa.
A Primavera veio quando devia vir, embora se tivesse anunciado
bem antes por árvores e arbustos em colorações, pólenes e irritações. Não veio
a chuva, ou em salpicos apenas, e isto apesar das muitas súplicas e das muitas
fés de gente crente e menos crente, que a seca toca a todos, e ao povo muito
mais, sobretudo àquele que não desertou do campo e vive dele, do campo e do
monte, e vê a sua vida a andar para trás, ainda mais para trás, a monte, que as
sementeiras são incertas como incertas serão as colheitas, e o gado não tem que
comer, e a necessidade que temos do gado, bovino seja, ou suíno, ou caprino, ou
ovino ou de capoeira, sim, que o peixe não puxa carroça e mesmo que puxasse
também ao preço a que anda, que é ao preço da morte, sucumbíamos todos só de o apetecer.
Mas a Primavera, como a procissão, mal chegou ao adro, e por isso as águas mil
podem fazer jus ao rifão e não dar mãos a medir a quantos cântaros houver para
encher e vazar.
A hora mudou quando devia mudar. Avançaram sessenta minutos
de um sábado para um domingo, a noite ficou um pouco mais pequena para uns
quantos, de menos dormir e de mais sono, para outros ficou na mesma porque o
acordar ao domingo não tem o mesmo rigor que aos dias úteis, exactamente porque
sábados e domingos são inúteis para a maioria. Mas não se creia que fazer
desaparecer assim num ápice seis dezenas de minutos é coisa inocente e de
inocentes, que não é, porque sempre são três mil e seiscentos segundos de ócio
que se esfumam, e o reflexo positivo que isto terá na produtividade do país
durante o período de Verão, que é quando dá mais para a moleza, e só em Outubro
é que se voltará à normalidade, se é que pode haver normalidade depois de
corpos e mentes se habituarem ao quebranto. E se não é coisa inocente e de
inocentes, também não é coisa inofensiva, pode até este passe de mágica transtornar
ficheiros importantíssimos e dar azo a uma guerra ainda maior do que a guerra
de audiências, sobretudo por ficarem as televisões desprovidas de medição
credível às suas bélicas audiências e, o mais sério, a pairar uma desconfiança
assombrosa sobre o mercado publicitário.
A velocidade abrandou quando devia abrandar, e para um país
que já se afez a mover-se paulatinamente (e há beleza no advérbio), ora para a
frente ora para trás, este afrouxamento principiou antes mesmo de ter
principiado, tudo porque a vontade de andar na mecha não passara de um projecto
anunciado, desejo de vencer fronteiras num piscar de olhos, determinação de
encurtar distâncias a grande velocidade para bem das migrações e da economia, e
agora fica a gente em média velocidade, mais ao nosso ritmo, mais à medida dos
nossos apertos, mas esperançosos, nós, de que, com o andar das carruagens que
sobrarem, havemos de chegar aonde houvermos de chegar, e antes isto do que
acabarmos em pequena ou em nenhuma velocidade, inertes, portanto, como estamos
quase e quase sem darmos por isso.
Esperançosos, nós? Quem disse que não estamos precisados de
uma esperança rectificativa? Venha ela, se vier em alta!
Sem comentários:
Enviar um comentário