Se ao menos, aproveitando as derradeiras réstias de sol, tivéssemos castanhas e as soubéssemos pilar para mais tarde dulcificarmos a ilusão de fortuna havida… Mas não cremos mais em nós nem em quem nos governa, de dentro como de fora, que a Europa continua jacente e sem mensagem, e os pessoas deste reino estão emudecidos.
Portugal a entristecer
Não sei se por ter partido José Niza, se por o seu passamento me ter trazido à memória uma vez mais Ary dos Santos, ou se por esta lembrança arrastar consigo a voz de Carlos do Carmo, dei comigo a cantarolar por dentro esta quadrinha-refrão: «Quem quer quentes e boas, quentinhas?/ A estalarem cinzentas, na brasa./ Quem quer quentes e boas, quentinhas?/ Quem compra leva mais calor pra casa.» Não sei. O que sei é que Setembro, que bem poderia ser o mês inaugural das costumeiras castanhas assadas, quando agora começa o tempo delas, será muito certamente o mês primeiro da austeridade a sério, o primeiro dos muitos meses de muitos ouriços e de poucos magustos.
Parece irónico que tenhamos de saber nos bolsos e nos palatos o verdadeiro valor e préstimo dos castanheiros. Num elogio que faz à árvore e ao fruto, ilustra Miguel Torga: «Assada, no S. Martinho, serve de lastro à prova do vinho novo. Cozida, no Janeiro glacial, aquece as mãos e a boca de pobres e ricos. Crua, engorda os porcos, com a vossa licença…».
E o S. Martinho, que não tarda está aí, vai ter de andar doravante por perto com a sua capa solidária para nos proteger do frio que vem para durar pelas estações adiante. E por muito que a parta e reparta, será sempre pouca para agasalhar os défices e as misérias da nossa circunstância. A lenda, como a boa ficção, acaba por superar esta nova realidade de agora, mais que o fogo-fátuo do Portugal pessoano a entristecer.
Se ao menos, aproveitando as derradeiras réstias de sol, tivéssemos castanhas e as soubéssemos pilar para mais tarde dulcificarmos a ilusão de fortuna havida… Mas não cremos mais em nós nem em quem nos governa, de dentro como de fora, que a Europa continua jacente e sem mensagem, e os pessoas deste reino estão emudecidos.
Abranda a economia, quebranta o investimento, adensa o desemprego, encolhem os salários, declina o poder de compra, afrouxa o consumo, abranda a economia, quebranta o investimento, adensa o desemprego, encolhe, declina e afrouxa tudo, só não afrouxa o eufemismo de quem vê poesia nas migalhas deixadas em fim de festa sobre a toalha de ninguém.
As migalhas que restam para os meninos de amanhã, e depois, ah!, Manuel da Fonseca, «Depois quando/ com o tempo/ a criança/ vem crescendo/ vai a esperança/ minguando./ E ao acabar-se de vez/ fica a exacta medida/ da vida/ de um português.».
Não que seja o mal apenas nosso, mas bem podemos nós com o mal alheio, e o nosso mal é também e sobretudo culpa nossa, que atirámos castanhas aos porcos, como pérolas, e os engordámos a tal ponto que desmesurados se cevaram igualmente de nós. E na caruma do magusto assamos em turba toldados de ouriços pelos Outonos adentro.
Pessimista, eu? Não, só como no «Só» de António Nobre: «Amigos,/ Que desgraça nascer em Portugal!»…
2 comentários:
Como sempre, António, a tua prosa deixa-me encantada! É uma crónica digna de constar num bom periódico da nossa praça. Mas qual????
É é um orgulho publicar as crónicas aqui, a cada mês.
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