sexta-feira, 26 de agosto de 2011

António Souto – Crónica (39)


Sol, portanto, e muita água convidativa. Muita praia e muita piscina. Muito vagar e muita animação. Porém uma água nem sempre muito transparente como soía, nem sempre uma animação variada e distinta, nem sempre uma restauração com honestidade sazonal. Um verdadeiro allgarve à portuguesa!

Férias que tanto sim como não

Estas férias estão a ser umas férias assim a puxar para o «discordantes». Estão a ser, porque ainda restam uns dias para o fim delas, só que lhes está faltando aquele gozo próprio que habitualmente as caracteriza, ou me está faltando a mim esse deleite, uma insatisfação que arrasto coincidente com o clima bipolar que nos assola.
Passei por Aveiro, melhor, um pé breve em Angeja, que é mais minha, outro na Barra, coladinha à Costa Nova, ambas mais de Alice Vieira, que amiúde as imprime, e rumei depois para o sul, para próximo da Loulé de Lídia Jorge, com poiso em Quarteira.
Dos chuviscos do norte aos salpicos do sul em pleno Agosto. Em todo o caso, calor suficiente para fazer vermelhos os lácteos corpos, muito menos que em anos anteriores, os corpos, pelo Algarve que vi. A maior parte era gente nossa, com pose e sotaque morcão, sinais da crise que para ali a mandou aos magotes vindos de dentro e de fora, de uma diáspora próxima.
Sol, portanto, e muita água convidativa. Muita praia e muita piscina. Muito vagar e muita animação. Porém uma água nem sempre muito transparente como soía, nem sempre uma animação variada e distinta, nem sempre uma restauração com honestidade sazonal. Um verdadeiro allgarve à portuguesa!
Num dos dias, para fugir à rotina, a experiência da Nacional 125. Rente a Albufeira e a Boliqueime, trânsito doutrinado, paragem no centro de Pêra, ao engano, e logo em Algoz, a norte da via, para visitar a nona edição do «FIESA 2011», as badaladas construções de areia este ano sob o lema «Animalândia». Quatro entradas, em regime familiar, e lá se foram vinte e cinco euros para o reino dos animais, alguns já esboroados por mor do tempo, em questão de hora e meia.
Dali, com desvio certeiro, para Silves. A Feira Medieval encerrara nas vésperas. O castelo, no entanto, estava à vista, sobranceiro ao rio, mas não entrámos nele, sequer subimos o empedrado renovado. Tardava o almoço, o calor apertava, a cidade domingueira estava deserta, fantasmagórica, só uma loja chinesa marcava o ponto às quatro da tarde, e ainda um restaurante, hospitaleiro, fazendo questão de franquear as portas por escassez de clientela.
Pela frescura da Nacional 124, fica para trás a barragem assinalada de Odelouca, não visitada, como o castelo da cidade árabe, por falta de tempo e de querença.
Portimão adivinha-se. Acolhe. Prende-nos a zona ribeirinha e a vastidão do estuário. A praia da Rocha não muito distante, mas ficou adiada também, como adiado ficou, por rematado, o Festival da Sardinha.
De novo pela Nacional 125, em viagem de sol-pôr. O tráfego favorável, nada de reveses, nada de congestionamentos. O Zoomarine e o Aquashow desfizeram-se das filas, já não corre água nos escorregas. A Quarteira entrou no turno da noite e a movida deslocou-se para o calçadão.
Isto foi num dos dias. Nos demais, a rotina.
Ah, mas houve outra, a boa rotina das crónicas de Lobo Antunes cujo Segundo Livro delas aviei espreguiçado junto à piscina antes de meter no bolso o ar da praia.
«Normalmente é no terceiro minuto a partir do crepúsculo que o ar da praia é mais frio do que a água. Não no segundo nem no quarto: no terceiro e durante onze segundos, o que requer discernimento, atenção e paciência. O melhor é encostarmo-nos à muralha, de queixo na palma, vigiar as gaivotas, dar fé da mudança de cor no horizonte e nisto, mal o terceiro minuto começa, tira-se a palma do queixo para que o ar poise nela e aí está: pega-se no ar da praia, mete-se logo no bolso e leva-se para casa sem deixar entornar. Tem de utilizar-se logo visto que no dia seguinte, a partir das dez, já o ar aqueceu.»
E enquanto não acabam as férias, guardo o ar salgado que trouxe e atenuo a vacilante insatisfação com o gozo das palavras que vierem, concordantes.

Crónica de Agosto de 2011 de António Souto para o blog «Floresta do Sul»; crónicas anteriores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 3635; 37;  38.

1 comentário:

Caruma disse...

Faltou o tempo para que o obsevador pudesse mergulhar plenamente na realidade anunciada.
E o tempo está cada vez mais condicionado pela crise!