sábado, 30 de junho de 2007

Há quem pense que a não falar é que a gente se entende

Aconteceu ontem à noite na sessão da Assembleia Municipal da minha terra – Monchique. Uma pessoa do concelho que estava a assistir quis intervir e como de costume o presidente não lho permitiu. Essa pessoa acabou por ir-se embora e conta tudo no seu blog.
Eu sou membro da Assembleia Municipal de Monchique. Ontem tinha decidido não falar, mas fui obrigado a fazê-lo depois daquela vergonha. E a situação a seguir foi discutida, embora não me pareça que no futuro as coisas possam mudar. Tem sido uma constante na Assembleia Municipal de Monchique, e com situações semelhantes vi-me também confrontado nas reuniões do executivo municipal, no meu tempo de vereador – aí era o presidente da câmara a impedir as intervenções.
Já perdi a conta às vezes em que intervim na Assembleia Municipal sobre a situação de os munícipes não conseguirem falar durante o período a que têm direito. Não sei quantas vezes já disse, e escrevi, que me espanta que tanto tempo depois do 25 de Abril haja pessoas que tenham uma convivência tão difícil com o ambiente democrático. Mas ontem eu próprio tive dificuldade em falar… Por incrível que pareça, depois de ter impedido o munícipe de falar – pareceu-me que esperava uma intervenção crítica em relação ao poder socialista no concelho –, o presidente da Assembleia Municipal queria impedir-me, também a mim, de falar. Razão: eu como membro da Assembleia Municipal já não podia intervir porque tinha acabado o período da ordem do dia e tinha começado aquele destinado à intervenção do público. Confusos? Também eu. Bom, depois um dos elementos que na mesa acompanham o presidente negou que eu tivesse levantado o braço para pedir a palavra na altura em que o munícipe tinha sido impedido de falar. Mas vários membros da assembleia confirmaram que eu tinha mesmo levantado o braço. Lá falei, por entre não sei quantas interrupções, e lá disse as coisas do costume, de as pessoas terem direito à sua opinião, do ambiente democrático e por aí fora.
Só que para o final da sessão estava reservado o melhor… O elemento da mesa que tinha tentado influenciar o presidente da Assembleia Municipal para que não me deixasse falar – enganando-o –, assim de repente, resolveu entrar na onda que agora parece inundar o país. Contou ao presidente que o tal munícipe na altura de abandonar a sala lhe tinha chamado «presidente asqueroso». Eu não tinha dado por nada, mas a confusão tinha sido tanta que não posso dizer se tinha chamado ou não. Pareceu-me que entre os outros membros da Assembleia Municipal também não se sabia ao certo se aquilo tinha sido dito ou não. Mas o elemento da mesa tinha ouvido, e por isso tinha de se ter atenção à gravação (as sessões são gravadas), para não escapar do texto da acta. «Em que estaria a pensar o autor daquela queixinha tão surpreendente?» Foi a pergunta que me ocorreu. E outra, logo a seguir… «Consideraria a possibilidade de, se a gravação fizesse prova de algum insulto, o munícipe ser demitido de munícipe, ou levar um processo disciplinar enquanto munícipe, nem que fosse preciso arranjar à pressa uma directora regional de qualquer coisa para assinar a documentação?» Antes de 1974, esta queixinha talvez merecesse uma medalha de mérito, ou na volta uma grã-cruz.

Nota – Numa das discussões que referi sobre o facto de os munícipes serem constantemente impedidos de falar nas sessões da Assembleia Municipal de Monchique, um dos membros desta assembleia, afecto ao presidente, saiu-se com uma proposta no mínimo original: «só deveriam ser admitidas as intervenções de qualidade». Perguntei o que ele entendia por «intervenções de qualidade» e da resposta não fiquei a perceber nada.

Vasco Pulido Valente, hoje no «Público»

Vasco Pulido Valente, hoje no «Público», sobre o caso lamentável (mais um) de Vieira do Minho… «A moral da história é simples: o PS, que os portugueses se habituaram a ver como o defensor da liberdade e da democracia, não passa hoje de um partido intolerante e persecutório, que age por denúncia (aqui como na DREN) e tem uma rede potencial de esbirros, pronta a punir e a liquidar qualquer português por puro delito de opinião. Pior ainda, personagens como Correia de Campos colaboram pessoalmente nesta lamentável empresa de intimidação. Não admira. Nem o eng. Sócrates nem o dr. Cavaco manifestamente compreendem que a repressão da dissidência e da crítica começa a corromper o regime e torna inevitável o futuro ‘saneamento’ dos ‘saneadores’. O silêncio de cima encoraja o miserável trabalho de baixo. Em Portugal, a colaboração do Estado com os pequenos pides do PS já não é uma vergonha.»
Cavaco metido ao barulho é uma novidade. Mas Vasco Pulido Valente até poderá ter razão ao metê-lo (e tem, seguramente, no resto, até naquilo dos «pequenos pides», a que eventualmente poderia chamar «pequenos bufos», por uma questão de exactidão); ele, Cavaco, com o perfil que se lhe conhece, não me parece que esteja muito incomodado com este estado de coisas. Vamos a ver se contraria esta impressão…

Textos sobre livros – 29

«Pequenas Grandes Infâmias», de Panos Karnezis (Cavalo de Ferro, 281 pp.)

Simplesmente magia grega

A magia de um jovem escritor grego, radicado em Inglaterra, país onde as suas histórias lhe deram a fama. Panos Karnezis e um mundo para muitos desaparecido, contudo bem capaz de ser real. Mesmo que um centauro apareça num prado à beira-rio.

«Pequenas Grandes Infâmias» é o livro que revelou um dos nomes mais originais, fascinantes e seguros da jovem ficção europeia. Panos Karneziz, um estudante grego em 1992, mudou-se então para Inglaterra para fazer o curso de Engenharia, tendo a par dos estudos trabalhado como operário fabril. Dez anos depois, ainda em Inglaterra, publicou os contos que tinha ido escrevendo em inglês. A crítica britânica reconheceu-o, os leitores deram-lhe um lugar de honra nos tops de vendas. Foi o próprio Karneziz que traduziu o livro para a sua língua, um ano depois da publicação em Inglaterra. Não demorou muito a que se tornasse o escritor grego mais lido no seu país.
Nas histórias de «Pequenas Grandes Infâmias», que muito ficam a dever ao universo mágico de Gabriel García Márquez, bem no outro lado do mundo, Karnezis dá voz a inúmeras personagens de uma pequena comunidade da Grécia rural, talvez perdida no tempo, ou talvez teimando em acompanhar um tempo que não é mais do que o nosso, sem dispensar centauros, sereias ou mulheres tatuadas. É a comunidade do padre Yerasimo, do carpinteiro Jeremias, do «paralítico» Alexandre, da misteriosa Cassandra, do antigo homem mais forte do mundo, do gordo Baleia, do insolente Retsina, do centauro reivindicativo, de tantas outras personagens.
A certa altura… «O Sol escondia-se por trás das colinas e a aldeia mergulhava lentamente na taciturna obscuridade: o terramoto tinha deitado abaixo a subestação eléctrica e todo o equipamento tinha ficado destruído. Quando o padre Yerasimo saiu de casa com a lanterna na mão só se via a Sírio, mas ao cabo de uma hora de caminhada o céu já estava tão escuro que ele conseguia identificar todas as constelações.» Quem sabe se identificou também aquela onde agora Panos Karnezis está por direito próprio.
Com tanto êxito em Inglaterra em 2002 e na Grécia em 2003, este poderia ter sido um dos livros do ano em Portugal, em 2004. Mas de livros do ano, por cá, como é bem sabido, estamos mais do que conversados.
A Cavalo de Ferro, que deu ao público português a possibilidade de conhecer esta voz tão nova quanto fascinante, publicou entretanto um outro título do autor, o romance «O Labirinto».

Pergunta discreta

Em Portugal, temos um governo socialista ou um governo nacional-socialista?

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Onde é que você estava antes do 25 de Abril?

Notícia já de ontem (pelo menos ouvi-a à noite na televisão), mas copiada da edição on-line do «Diário de Notícias» de hoje (texto de João Paulo Mendes).

...

Directora demitida por causa de cartaz «jocoso»
Ministro da Saúde alega quebra de lealdade

A directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho, Maria Celeste Cardoso, foi exonerada pelo ministro da Saúde por ter sido afixado nas instalações um cartaz considerado ofensivo para Correia de Campos.O cartaz, uma fotocópia de uma entrevista dada pelo ministro a 6 de Agosto do ano passado, com o título «Nunca vou a um SAP nem nunca irei», foi colocado por um médico, vereador da CDU na Câmara de Guimarães, que acrescentou à mão: «Façam como o ministro e vão às urgências a Braga», apurou o DN. Maria Celeste Cardoso, casada com o vice-presidente da autarquia local, eleito pelo PSD, foi substituída no cargo por Ricardo Armada, vereador do PS na Câmara de Ponte da Barca.A exoneração ocorreu em Janeiro, mas o despacho só ontem foi publicado em Diário da República. Nele pode ler-se o seguinte: «Pelo despacho (...) do Ministro da Saúde, de 05 de Janeiro, foi exonerada do cargo de directora do Centro de Saúde de Vieira do Minho (...), com efeitos à data do despacho, por não ter tomado medidas relativas à afixação, nas instalações daquele Centro de Saúde, de um cartaz que utilizava declarações do Ministro da Saúde em termos jocosos, procurando atingi-lo». Maria Celeste Cardoso não quis ontem falar, mas, segundo o DN apurou junto de fonte conhecedora do processo, «o médico António Salgado Almeida colocou o cartaz com a entrevista dada pelo ministro ao Jornal de Notícias num
placard próximo do serviço de Urgências». De acordo com a mesma fonte, «a afixação ocorreu durante um fim-de-semana de Outubro ou Novembro em que a directora não estava no centro». Nesse domingo, «um membro do PS local apareceu e fotografou o cartaz». Depois, acrescentou, «pediu o Livro Amarelo para fazer queixa», e «enviou as fotos para a ARS/ Norte». Após ter tido conhecimento deste episódio através de um telefonema de uma funcionária do centro, e simultaneamente da afixação do cartaz, a directora «deslocou-se às instalações e levantou um inquérito» para apurar responsabilidades. «O dr. António assumiu de imediato ter sido ele o autor», e foi «repreendido pela directora», acrescentou. No entanto, e de acordo com outra fonte contactada pelo DN, a ARS, após ter recebido as fotografias, «pediu explicações à sub-região de Braga», tendo a directora sido chamada a prestar declarações. «Queriam que instaurasse um processo disciplinar ao médico, mas ela recusou, porque já tinha sido repreendido e o cartaz retirado». O que levou a ARS a «exigir a sua demissão». Como não o fez, «foi chamada ao Porto em Janeiro e exonerada através de um simples ofício do ministro, que alegava ter sido atingido de forma jocosa». Segundo Antonino Leite, da ARS/ Norte, «a directora foi demitida por quebrar o dever de lealdade». O cartaz «tinha informação menos própria relativamente ao senhor ministro», disse ao DN, acrescentando que ao não levantar um processo disciplinar ao médico «violou o Estatuto dos Funcionários e Agentes do Estado».

quinta-feira, 28 de junho de 2007

O viajante

O rapaz da esquerda é o Tiago (clicar na imagem para aumentar), autor destas «Viagens Sentimentais» (ed. Oficina do Livro, a sair por estes dias). Hoje esteve no canal 2 da televisão e de coisas que me lembro que disse uma tinha a ver com a «diversidade cultural», ideia lançada pela jornalista que o entrevistava; o Tiago falou do «famoso arroto magrebino», que de certeza «não haveria de ficar bem na Bica do Sapato». Resta saber o sucesso que faria o restaurante lisboeta por terras do Magreb.

Era isto...

Está no blog do Rádio Clube Português. Era isto o que me esperava na passada terça-feira, à noite, depois da apresentação do livro dos «benfiquistas» com dois sportinguistas na mesa.
...
26.06.07 Enche-se o noticiário de notícias aparentemente culturais: o Comendador Joe Berardo anda pelo meio delas, dizem que a insultar um dos seus administradores, a festejar a inauguração de um museu com o seu nome, onde o Estado vai gastar três milhões de euros por ano, e a ter um protagonismo que, à falta de melhor, vai ocupando as atenções e os comentários...
Surpresas culturais hoje não faltam. Até a pianista Gabriela Canavilhas anunciou a sua demissão do cargo de presidente da Academia de Educação, Música e Cultura (AMEC), que tutela, entre outros organismos, a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML).

São notícias tão grandes que ofuscam outras, menores, como aquela em que se afirma que Paulo Coelho vai ser «mago» numa telenovela, ou outra, muito menos cultural, que revela como a EDP deve 20 Milhões aos consumidores...
Disto e de muito mais falaremos no nosso serão com o convidado António Manuel Venda. «Da Noite Para o Dia», entre as 21.30 e as 23 horas...

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Santana apresenta

Pedro Santana Lopes esteve fantástico a fazer a apresentação do livro de Joel Neto de que falo ali abaixo. Tenho de confessar aqui que durante a sessão (ontem ao fim da tarde) pensei numa coisa; uma interrogação… Como seria a apresentação do livro feita por José Sócrates, Durão Barroso, António Guterres ou até Cavaco Silva? – sim, pode-se recuar até aos tempos de Cavaco primeiro-ministro.

Os meus diálogos – 2

(de «Até Acabar com o Diabo», 1998)

(…)
Cada vez chegava mais gente, e o cabo da guarda não dava ordens. Desde que se apercebera de que tinha um cadáver por perto que estava calado e a olhar ora para um lado ora para outro. Era dos poucos que não diziam nada.
– Toma chó!!
O burro parecia ir arrancar a qualquer momento.
– Agora estão a dar um subsídio a quem tiver um burro. Não pode é ser reformado.
– Quem? O burro?!
– Não, o dono.
– E dá para as despesas de alimentação?
– Do dono?!
– Não, do burro.
Até que um dos bêbados deu uma palmada no dorso do burro. E foi isso que acabou por convencê-lo a sair do café.

(…)

Pergunta discreta

Joe Berardo é comendador, comentador ou comandador?

terça-feira, 26 de junho de 2007

O novo livro do Joel

É hoje a apresentação do novo livro do meu amigo Joel Neto, um conjunto de crónicas com o título «Todos Nascemos Benfiquistas (mas depois alguns crescem)». Mais informações podem ser consultadas a partir daqui. O Joel é do Sporting, como eu. Temos é opiniões diferentes: ele acha que o Sporting nasceu para perder; eu acho que nasceu para ganhar, mas que tem é um bocado de azar com os dirigentes. De qualquer forma, isso agora não interessa nada, como dizia já nem me lembro quem. Especialmente para o Joel, deixo aqui uma crónica minha, pequenina, sobre futebol; uma crónica dos tempos em que rabiscava à pressa num pequeno bloco umas ideias para depois me apoiar para o que tinha de dizer na abertura de uma tarde desportiva de uma rádio, aos sábados. Bons tempos… A crónica é do tempo em que Octávio Machado treinava o Porto, o mesmo tempo em que em Lisboa, no Bairro Alto, ainda existia a livraria Ler Devagar (Outubro de 2001). Chama-se «Há uma livraria em Lisboa…».

Há uma livraria em Lisboa que se chama Ler Devagar. Fica no Bairro Alto e está aberta até tarde, para aí até às três da manhã. Nestes seus poucos anos de vida, conseguiu um estatuto que lhe confere um enorme prestígio, não sendo vista apenas como uma loja para vender livros mas como uma amplo espaço de cultura.
Mas por quê falar da livraria Ler Devagar numa crónica desportiva? Estranho, não é?! Bom, a verdade é que me lembrei da Ler Devagar um destes dias, ao assistir na televisão a uma conferência de imprensa do treinador da equipa do Futebol Clube do Porto, o senhor Octávio Machado. A propósito da confusão originada pela exclusão do capitão Jorge Costa dos convocados habituais, ao mesmo tempo que continua a integrar o onze titular da selecção nacional.
O senhor Octávio Machado respondeu na conferência de imprensa, sem revelar nomes, como é seu timbre, a uma declaração do seleccionador António Oliveira. A declaração sobre Jorge Costa, na qual Oliveira defendia que o tinha na selecção, mesmo não jogando no clube, por ser um grande jogador. Mais até, por integrar uma dupla de centrais considerada a melhor no último europeu.
Só que o senhor Octávio Machado, para a resposta a António Oliveira, não falou de improviso. Nada disso, na volta com medo de lhe sair mais alguma como a do Bin Laden do futebol português, mesmo que para compensar não lhe entrasse uma mosca na boca. O senhor Octávio Machado leu, o que também não traz mal ao mundo e se calhar até espanta alguma mosca mais atrevida. Só que leu devagar, assim tipo uma palavra e depois uma pausa para medir a seguinte, nem que esta seja uma preposição, ou até, imagine-se, um artigo indefinido, porque os definidos por certo não lhe convém usar.
O senhor Octávio Machado lê devagar, de forma que eu lembrei-me da livraria. Ainda por cima, o senhor Octávio Machado, que fala depressa, restando saber a que velocidade pensa... O homem a ler devagar marcou-me. Assim como deve ter marcado a apresentadora do noticiário onde eu vi a reportagem, Manuela Moura Guedes, que no final disse simplesmente «Octávio», e depois, imediatamente a seguir a uma pausa de cinco segundos, «Machado». O comentador, Miguel Sousa Tavares, nem se meteu ao barulho, não disse «Octávio» nem disse «Machado», não disse nada. Ficou-se pelo silêncio intermédio de Manuela Moura Guedes e por mais dois, um pelo Octávio, outro pelo Machado, os três a resultarem num só, aí de uns sete segundos. Um mais cinco mais um igual a sete, um pelo Octávio, cinco pela pausa e um pelo Machado.
Quanto à Ler Devagar, a livraria do Bairro Alto, a fechar tão tarde, ainda leva mas é com uma visitinha do senhor Octávio Machado. Se ele a descobre, o mais certo é ir pôr-se à espreita quando o Futebol Clube do Porto jogar em Lisboa. Não vá algum jogador querer comprar um livrito depois da meia-noite.

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Os meus diálogos – 1

(de «Quando o Presidente da República Visitou Monchique
por Mera Curiosidade», 1996)


(…)
Assim que o espectáculo acabou, o aluno foi apanhar o autocarro. O reitor, rebolando a cabeça gigante, correu e também conseguiu apanhá-lo.
– Essa porcaria não entra aqui! – gritou o motorista.
– Não entra!? – gritou o reitor, ainda mais alto. – Quem é que disse que não entra?!
– Disse eu!
– Pois se não entrar pego em você, corto-lhe uma orelha aqui com a minha espada sagrada e chupo-lhe dois litros e meio de sangue!
– E chupa de pé ou chupa deitado?
– Chupo deitado, é lógico!
– Então entre lá – concordou o motorista, aterrorizado.
(…)

«Da Noite para o Dia», esta terça

«Da Noite para o Dia» é o nome de um programa do Rádio Clube Português. No site da estação é apresentado assim… «Nos serões de segunda a sexta, procuramos a notícia por detrás dos títulos, num programa onde as presenças prometem ser íntimas, acolhedoras e surpreendentes. 'Da Noite para o Dia', com Alexandre Honrado. Um olhar personalizado sobre a informação. Para ouvir em profundidade. Entre as 21h30 e as 23h00.» Vou estar lá esta terça-feira.
As frequências do Rádio Clube Português são as seguintes: 92.9 – Braga; 90.0 – Porto; 97.4 – Vila Real; 94.4 – Aveiro; 98.4 – Coimbra; 94.8 – Sabugal; 96.4 – Leiria; 104.3 – Lisboa; 106.7 – Portalegre; 107.5 – Santiago do Cacém; 106.4 – Beja; 107.1 – Portimão; 106.1 – Faro. E a emissão on-line pode ser ouvida aqui.

domingo, 24 de junho de 2007

Faz anos hoje…

… o episódio que marcou o princípio da derrocada daquela coisa a que se convencionou chamar «cavaquismo». Assinalado aqui.

Textos sobre livros – 28

«Oito Contos de Guerra – A Resistência Soviética aos Invasores Nazis», de Wanda Wassilewska e Outros (Campo das Letras, 97 pp.)

O destino dos usurpadores

Uma pequena antologia de histórias que têm como cenário a União Soviética invadida pelas tropas nazis de Adolf Hitler. Relatos de coragem, nos quais todos os deslizes nacionalistas se perdoam facilmente. Vai-se percebendo aos poucos a derrota nazi, que é marcada mesmo na última página com um «símbolo do destino de todos os usurpadores».

No Verão de 1941, as tropas nazis de Adolf Hitler invadiram a União Soviética. A Segunda Guerra Mundial ia com dois anos, tal como o pacto germano-soviético, que aí terminava os seus dias. A guerra iria arrastar-se por mais quatro anos, e para o seu fim muito contribuiu o desastre germânico em terras de Leste. É no cenário deste desastre que decorrem os oitos contos de cinco autores (Wanda Wassilewska assina os três primeiros). São de uma brutalidade tremenda, mesmo que pelo meio a narrativa convoque bosques de árvores frondosas ou dourados raios de sol, e pomares de cerejeiras, e jardins de relva fresca. «Que belo país o nosso!», diz a certa altura um soldado soviético.
Mas o país está em guerra. O mundo foi tomado pela brutalidade, os campos, as florestas, as aldeias, cada rua, cada casa. Acontecem monstruosidades a toda a hora. As populações escondem-se nos bosques, resiste-se ao invasor alemão, que contudo domina. E massacra, viola, humilha, mata; velhos, crianças, prisioneiros, quem pode… Mas há quem resista, muita gente resiste, e nem só os soldados; uma velha mata, uma criança mata, uma indefesa professora primária mata, e assim vão tombando os invasores.
Os oito contos como que vão evoluindo, da mesma forma que a guerra. Mais adiante, lá para o meio do livro, os protagonistas já são do exército soviético. Já não são velhos, mulheres, crianças… E vencem batalhas. Estão organizados. E no final, no último conto, um alemão encontra a morte sob a forma de uma estátua de gelo. «De manhã, passaram pela estepe os combatentes… Começava a clarear… Na neve, como um espantalho de gelo, jazia o alemão. Ergueram-no os combatentes, encostaram-no a uma árvore, e assim ficou o alemão, parado junto de um álamo russo, como símbolo do destino de todos os usurpadores.»
A antologia da Campo das Letras tem um prefácio de José Viale Moutinho, que resume assim a escrita dos cinco autores que a integram: «Em cada conto deste livro estão as marcas inimitáveis dos escritores que viveram os acontecimentos, os sinais de sangue a pulsar, o comprometimento patriótico e antifascista, como se por um instante tivesse sido trocada a espingarda pela máquina de escrever.»

sexta-feira, 22 de junho de 2007

E agora algo mesmo mau

Ainda sobre o meu romance, saiu hoje no «Público» (suplemento «Ípsilon») um texto a dizer cobras e lagartos; só agora é que soube, porque não comprei o jornal. O texto está no blog do autor.

Um texto de hoje

Um texto de Fernando Sobral, publicado hoje no «Jornal de Negócios», sobre o meu romance «O que Entra nos Livros».

Viagem à volta do nosso mundo
O mundo de António Manuel Venda, que nos habituámos a ir descobrindo como se fossemos exploradores em busca da última mina perdida da escrita, tem muito de um aroma que se foi perdendo: o do Portugal profundo. Daquele que se vislumbra nas cercanias de Monchique, que mostra um país perdido e que procura um cais de onde pode partir em busca de novas descobertas. Este seu novo romance é uma forma de o autor seguir a sua própria rota dos descobrimentos. Seguindo a carta de um velho livreiro de Évora, que tem interesse numa personagem que o próprio autor descreveu num romance de há alguns anos, autor e personagens redescobrem-se; voltam a iluminar-se referências relacionadas com a escrita e, também, acabamos sempre por encontrar pessoas e locais que fazem parte do imaginário de Venda, entre a cidade e o país rural, entre a auto-estrada e as outras que iludem as vias verdes. Há nestas páginas, muitas vezes, essa deliciosa sensação de prazer, de reconforto, com um país que vai desaparecendo quase sem darmos por isso. Ali cruzam-se também vidas: «O meu filho cuida melhor das propriedades, e eu cuido melhor dos meus livros. E com a livraria realizei um sonho. Acompanho tudo, vivo, como dizer… Vivo a vida dos livros… Mas é um trabalho duro, mais do que aquilo que eu esperava.» Vidas que se encontram neste livro que se vai entranhando no nosso olhar, no nosso pensamento, como um secreto prazer que se instala e nos faz olhar com toda a atenção para o mundo que nos cerca. Venda consegue transmitir-nos neste livro um secreto sentimento: o do prazer de ver com calma as personagens e os locais. Algo que a velocidade nos fez perder ao longo dos últimos tempos. Afinal, o que poderia acontecer se, como diz o livreiro Sapinho Júnior, «uma personagem que sai de um livro e então começa a entrar noutros livros?!». Desafio para a ciência e para a literatura; se isso acontecesse, mostraria como este livro é um sinal do destino.

Frases mal ditas - 4

«Tenho gerentes dentro de mim?»
Uma senhora cujo nome ignoro (tem andado a perguntar isto por estes dias, na rádio)

Enfim, não é bem uma frase mal dita, mas pelo menos é esquisita. É uma frase de uma campanha do BES que tenho ouvido na rádio, uma em que aparece uma pessoa a pedir dinheiro a outra, que por sua vez responde com perguntas, tipo «Achas que abro às oito e meia?», ou «A minha cor é o verde?». Num dos anúncios há uma mulher a quem alguém pede dinheiro; logo a seguir ela põe-se com as perguntas, e uma das perguntas é precisamente a que está ali acima.

Textos sobre livros - 27

Um texto já de 2005, sobre um livro de Maria Filomena Mónica; é para crianças esse livro, mas eu gostei muito de ler.

Livro: «O Filho da Rainha Gorda», de Maria Filomena Mónica (Quetzal Editores, 78 pp.)

O jovem rei dos pesadelos

Uma história escrita para crianças mas que devia ser lida por jovens e por adultos. A vida de D. Maria II e do seu primeiro filho, que viria a ser D. Pedro V durante meia dúzia de anos na primeira metade do século XIX. Um jovem rei que tinha pesadelos, odiava políticos e era amado pelo seu povo.
A intenção de Maria Filomena Mónica era escrever um conto para os netos lerem, mas o projecto acabou por ir bem mais além. Uma conversa com a responsável da editora levou o que devia ser um conto de ficar por casa a surgir devidamente encadernado e com capa dura em inúmeras livrarias do país. Ganham muitas outras crianças, e ganham os jovens e os adultos que se queiram aventurar a conhecer as peripécias da rainha D. Maria II e da sua família, nomeadamente do primeiro filho, que viria a reinar, ainda que durante meia dúzia de anos, como D. Pedro V.
Do que conta a autora, nem tudo se reconhece dos manuais escolares da disciplina de História, que teimam em ir por caminhos um pouco diferentes. Maria Filomena Mónica conta uma história do Portugal da primeira metade do século XIX, mostrando o país real (o dos que viviam no paço e também o dos milhares que a tal não podiam aspirar). Talvez com «O Filho da Rainha Gorda» consigam muitas crianças perceber como se vivia por cá há mais de cento e cinquenta anos, e consigam responder com uma perna às costas a determinadas perguntas que lhes aparecem nos exames de História.
O livro é profusamente ilustrado, com retratos de algumas das personagens e gravuras de locais por onde estas se passearam, e até com aguarelas do marido da rainha gorda – não é engano, é mesmo do marido, o rei D. Fernando, o alemão com quem a senhora casou em Abril de 1836 e que na altura era conhecido por Fernando de Saxe Coburgo.
O jovem filho da gorda D. Maria acabaria por reinar como D. Pedro V depois de fazer dezoito anos (até aí, desde a morte da mãe, o pai assegurou a regência). Morreu aos vinte e quatro, já viúvo de uma princesa com origem em terras da Prússia e da qual se descobriu, no decorrer da autópsia, que mesmo tendo chegado a Portugal para dar filhos à coroa afinal continuava virgem. Mas tinha dormido com o marido rei, lá isso tinha, pelo menos a fazer fé numa carta referida por Maria Filomena Mónica. Depois do real casamento, a jovem Estefânia (que deu o nome ao conhecido hospital lisboeta, bem como à rua que por lá passa), rainha de Portugal, escrevia assim para a sua mãe, nas terras frias e distantes da Europa do Norte. «Senti-me bastante embaraçada, pouco à vontade, e acho, em suma, que este costume de os esposos dormirem juntos não é muito agradável.» Falava da noite de núpcias.
D. Pedro V, que andou sempre de candeias às avessas com os políticos, foi «o último dos reis amados». Dos seguintes não se conhece a mesma aversão, e talvez isso explique o amor do povo. Com a morte do jovem Pedro, terão suspirado de alívio muitos políticos. Partia um rei que costumava ter pesadelos, e nem os levava consigo. O país, dá para desconfiar, deve ter ficado de todos eles fiel depositário.

terça-feira, 19 de junho de 2007

Pergunta discreta

Os impostos que não iriam aumentar mas que aumentaram mal houve hipótese de lhes meter a mão, os milhares de emprego que haveriam de ser criados mas que não saíram dos cartazes, as trapalhadas manhosas do curso manhoso, o estudo do aeroporto que foi apresentado de surpresa pela «sociedade civil» mas que afinal já tinha sido mais do que negociado com uma bem delimitada «sociedade civil»… Por quê este aparente fascínio pela mentira descarada?

domingo, 17 de junho de 2007

Uma pequena entrevista

Uma entrevista, muito curta, sobre o romance «O que Entra nos Livros» (e não só) pode ser lida aqui, na revista on-line «Novos Livros» (secção «3 Perguntas a…»).

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Os meus livros

Criei um novo blog. Não se chama «Os Meus Livros», ao contrário do que possa dar a entender o título deste post; chama-se «Os Livros». Coloquei lá uma série de coisas sobre os oito livros que publiquei, coisas que se disseram sobre eles, excertos e por aí adiante. Ali na coluna ao lado está um link para lá, onde diz «ver aqui informações sobre todos os livros», mas nem é preciso deslocar tanto o cursor, basta clicar aqui.

terça-feira, 12 de junho de 2007

Começos prometedores - 2

«Leitor, chegue aqui. Desculpe a insistência. Queria falar-lhe, outra vez, de António Lobo Antunes (ALA).»
Início de um texto intitulado «António Lobo Antunes: a explicação da vaidade», incluído no livro «Não É Fácil Dizer Bem», de João Pedro George (edição Tinta da China, 2006)

Teve a sua piada

Esta foto não é de agora, é da primeira metade da década de 90; ou seja, é do século passado. Quem aparece nela é um professor da Universidade de Aveiro. Era ministro do Ambiente do governo de Cavaco Silva nesses tempos. Foi ele que contou aquela anedota dos hemofílicos que tinham morrido no Hospital de Évora, de quem por lá – rezava a anedota – «se reciclavam os corpos para aproveitar o alumínio», precisamente o elemento causador da morte.
Lembro-me da situação como se fosse hoje. Numa cerimónia pública (e que fosse privada…), Borrego a certa altura disse qualquer coisa como «bem, isto está tudo um bocado desanimado, então eu vou contar uma anedota». E depois contou. Foi tudo gravado por uma rádio local e em menos de nada estava na TSF. E em menos de nada Cavaco (justiça lhe seja feita) o mandou embora do governo.
Passou mais de uma década, mas eu nunca me esqueci deste episódio tão nojento quanto inesperado. Nos últimos três anos tenho ido muitas vezes ao hospital de Évora. Foi lá que nasceram os meus filhos. Quando lá vou, não consigo deixar de lembrar-me daquele infeliz a fazer a figura triste que levou Cavaco Silva a pôr-lhe imediatamente um par de patins.
O que terá levado Carlos Borrego a fazer aquilo? Lembro-me de que nos tempos seguintes havia quem atirasse com explicações (até cheguei a ler que teria sido um figurão do «nosso» futebol a contar-lhe a anedota umas horas antes de ele a contar na tal cerimónia). Não sei… Penso que se alguém me contasse uma anedota daquelas o mais certo seria eu virar as costas. Mas o ministro não, guardou-a bem guardada para uma altura em que precisasse, e depois, quando achou que ficava bem, zás, contou-a.
Há dias, quando outro infeliz, Mário Lino, também ministro, se saiu na defesa de um aeroporto na Ota com a história do deserto da margem sul e do «jamé» (não sei se será assim que ele escreve), houve quem recordasse na comunicação social o caso de Borrego. Agora, hoje, quer dizer, ontem, o mesmo Mário Lino anuncia que afinal vai ser dado um tempo para se considerar também outra hipótese para a localização do novo aeroporto: Alcochete. Tudo por causa de um estudo encomendado pela Confederação da Indústria Portuguesa (CIP).
Escrevi num post ali abaixo que finalmente parecia ter chegado algum bom senso ao governo. Pareceu-me, e continua a parecer-me, que sim.
O pior foi à noite, esta noite. Vi na televisão imagens da visita a Belém do presidente da CIP, Francisco van Zeller; foi entregar uma cópia do estudo a Cavaco Silva. Levou com ele Ernâni Lopes e mais um homenzinho pequenino que apareceu nas imagens como coordenador do estudo. A cara não me era estranha. Estava mais velho, mas via-se bem quem era. Eu nem queria acreditar. Era o antigo ministro da anedota da reciclagem dos hemofílicos mortos para aproveitar o alumínio.
Mário Lino, o ministro que contou a anedota do deserto da margem sul deu o dito por não dito e agora pondera uma nova localização para o aeroporto. O que levou a que isso acontecesse? Um novo estudo, capaz de fazer com que o novo aeroporto acabe na margem sul, onde Lino jurou que ele nunca seria construído. A coordenar o estudo, nem mais, um ministro corrido há muitos anos por ter contado uma anedota muito, mas mesmo muito pior do que aquela arranjada por Lino para a margem sul. Não deixa de ter piada...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Frases mal ditas - 3

«É um problema menor.»
Luís Amado (08.06.07)

Nota: o «nosso» ministro dos Negócios Estrangeiros referia-se ao facto de os responsáveis norte-americanos da Base das Lajes proibirem portugueses de concorrer a cerca de 40 postos de trabalho nesta estrutura da ilha açoriana da Terceira (os portugueses são mesmos os únicos cidadãos de países da NATO que estão impedidos de fazê-lo).

O bom senso

Finalmente um bocadinho de bom senso. Leio no site do «Público» isto: «Governo vai estudar Alcochete como alternativa para novo aeroporto de Lisboa».

Uma entrevista a Garcia Pereira

Uma outra entrevista, com mais um candidato à Câmara Municipal de Lisboa. É a que referi há uns dias, com o advogado António Garcia Pereira. Foi para o outro blogMundo RH») porque o tema não era Lisboa mas sim algo bem diferente; algo que o entrevistado, inclusive, classifica como «um mono».

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Pergunta discreta

Leio no «Aspirina B» um pequeno texto de Fernando Venâncio, este que para aqui copio e que se chama «Destas sortes»… «Chegou-se e disse: ‘Dá-me um beijo técnico’./ Dei-lho. Dei-lhe mesmo um segundo./ Olhou-me nos olhos. Disse que nunca tinha tido nada assim.» Pergunto eu: terá sido isto nalguma cadeira da Universidade Independente, à pressa, para acabar um curso qualquer?

Frases mal ditas - 2

«Para o ano vou ser campeão.»
Fernando Santos (24.05.07)

Nota: esta frase irresponsável (sei do que falo, pois Fernando Santos já passou pelo meu clube), a segunda da série «frases mal ditas», curiosamente foi pronunciada no mesmo dia da que escolhi para inaugurar a série – a tal bem manhosa de Almeida Santos, de o sul ter um defeito; só agora trago aqui a de Fernando Santos porque tinha-me passado completamente aquilo de ele se ter armado em Mourinho.

Começos prometedores - 1

«O voo 714 para Sydney, da Air Kunilingus, não se esparramou todo no oceano porque não calhou. Ainda não devia ter a hora marcada.»

Início do conto «A mulher que se portava mal nos aviões», incluído no livro de Luís Graça «A Mulher que Fazia Recados às Putas e Mais Contos Perversos» (edição do autor, 2007)

Da política para algo mais interessante


As primeiras courgettes do ano e as batatas em flor. Quando tirei as fotos, esta manhã, encontrei dois ou três escaravelhos a prepararem um banquete, mas em menos de nada os fiz voar para longe. Com os próximos não deverá ser tão fácil, terei de tomar algumas precauções.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Pergunta discreta

José Sá Fernandes (em quem eu já referi que provavelmente votaria se fosse eleitor em Lisboa) apareceu agora a pedir, em relação à câmara da capital, «um livro branco dos negócios com a Bragaparques». Não seria melhor pedir um livro negro?

Entrevista a Carmona

Aqui fica então a entrevista que referi há uns dias, no post «O espectáculo». Carmona Rodrigues, a afirmar-se «capitão de equipa» na Câmara Municipal de Lisboa, em Março do ano passado, quando tudo ainda era não direi um mar de rosas, mas pelo menos um mar de alguma calmaria, nem que fosse apenas aparente. A entrevista foi feita por mim para a revista «Pessoal» (a outra que referi, feita em tempos com Garcia Pereira, fica para daqui a uns dias, e no outro blog – «Mundo RH»).

António Carmona Rodrigues
Capitão de equipa

Quase 13 mil colaboradores distribuídos por 60 locais de trabalho «principais» e por «muitos outros satélites, mais minúsculos». O mundo da Câmara Municipal de Lisboa, por António Carmona Rodrigues, presidente eleito nas últimas eleições autárquicas e que se vê a si próprio como «o capitão de uma grande equipa».

António Carmona Rodrigues confessa que aceitou candidatar-se à presidência da Câmara Municipal de Lisboa sem saber «se estava a aceitar para ganhar ou se estava a aceitar para perder», fê-lo porque achou que se tratava de «um desafio» que «estava à altura de aceitar». Os conselhos que escutava em miúdo, nos tempos da natação e do atletismo, parecem ter-lhe servido: nunca olhou para o lado, olhou sempre para a meta; se olhasse para o lado, confessa, se olhasse para os concorrentes, só perdia tempo.
A Câmara Municipal de Lisboa é um dos maiores empregadores de Portugal. Quantos funcionários tem?
Tem aproximadamente 10 mil funcionários no quadro e mais dois mil e tal contratados. Incluo neste universo todas as empresas municipais. Portanto, estamos a falar de um conjunto muito vasto.
E como é gerir tanta gente? Ou antes, o que é gerir pessoas numa autarquia como Lisboa?
Os trabalhadores das autarquias têm um estatuto de funcionários públicos, portanto estamos balizados pelo enquadramento legal da chamada administração pública. Bom, há uma coisa que ajuda, que é desde logo haver um sentimento muito alargado junto dos trabalhadores, o orgulho de trabalhar para a Câmara de Lisboa. Isso facilita a vida da tutela e ajuda muito à confiança, à disponibilidade dos funcionários para encararem as suas tarefas no dia-a-dia com outra disposição, porque sentem que estão a contribuir para o embelezamento da cidade, para a melhoria da qualidade de vida dos lisboetas. Sinto muito isso. Mas, obviamente, há uma situação que decorre do facto de durante um período de tempo grande não ter havido uma grande atenção também sobre as perspectivas da carreira profissional, nem tanto da formação ou da qualificação. Quando entrei aqui no mandato anterior, como vereador, um número que me surpreendeu pela negativa foi o facto de mais de 60 por cento de todos os funcionários da câmara terem a escolaridade mínima obrigatória pelos padrões de hoje, ou menos do que isso. Não sendo uma situação muito diferente da da administração pública em geral, é preocupante. Desde logo, pela capacidade de a autarquia dar uma resposta de melhor qualidade, e também porque exige um esforço grande, que temos vindo a fazer, de formação e requalificação profissional. Gerir esta máquina também tem a ver com o diagnóstico de base sobre a qualificação profissional, além de muitas outras coisas… Os funcionários estão dispersos por demasiados locais de trabalho. Só para dar um exemplo: os principais locais de trabalho são 60, depois há muitos outros satélites, mais minúsculos; isto dificulta a operacionalidade em muitos dos serviços que são prestados, há muita dispersão, e isso tem custos, de funcionamento, mas também de menor proximidade dos serviços.
E a questão do estatuto dos funcionários públicos? Por exemplo, a avaliação de desempenho…
Aí comungamos da preocupação do governo. É sempre difícil descontinuar qualquer coisa que parece ter entrado há uns anos por um caminho de facilitismo, porque ninguém gosta de passar de um estatuto para outro. Avaliação? Deve haver, sem complexos, uma avaliação tão objectiva quanto possível, isenta e imparcial.
Falta cultura de avaliação?
É, falta essa cultura.
Mesmo que já não seja no seu tempo de presidente desta câmara, acha que algum dia as pessoas desta instituição pública, como de todas as outras, estarão nas mesmas condições que as que trabalham no sector privado?
Isso é uma pergunta que tem tanto de filosófico como de actualidade. Vendo um pouco o que foi a Câmara de Lisboa nos últimos 40 anos, desde ainda de antes do 25 de Abril até agora… Houve uma tradição muito afirmada até determinada altura e não tem directamente a ver com o 25 de Abril, talvez nas décadas de 1960, 1970, que coincidiu com a revolução, mas não foi aí um ponto de charneira; foi mais o contexto do mercado de trabalho, as circunstâncias económicas de país e da Europa. Ou seja, havia uma realidade muito afirmada de que era ao sector público que competia ter não só as competências que são próprias da administração – o planeamento, a fiscalização, o licenciamento – mas também toda a prestação de serviços. Todo era feito pelo sector público, desde a limpeza das ruas até ao arranjo dos equipamentos. Isto a nível autárquico, mas também a outros níveis. Em Portugal, tirando o sector digamos não-industrial, que sempre esteve no sector privado, tudo o resto era público. Depois evoluiu, se calhar fruto de um cenário comum a outros países, começou-se a abrir espaço para a iniciativa privada, pela constatação de que assim o serviço poderia ser melhor, mais barato, mais eficaz, em geral e também nas autarquias. Hoje fala-se muito no outsourcing, ou na contratação de serviços… Em Lisboa não se fez muito isso, mas há outras câmaras que já enveredaram por essa linha, e é claramente a tendência que se verifica em muitos países europeus; estou a lembrar-me nomeadamente de Espanha. Houve também muitas autarquias – mais uma vez em Lisboa não aconteceu – em que por exemplo no sector da água foram criadas empresas, ou foram feitas concessões desse serviço a entidades privadas que receberam das câmaras. Foram experiências bem sucedidas, e não lesivas dos direitos dos trabalhadores.
Os trabalhadores deixaram de ser funcionários públicos…
Exactamente. Assinaram outro contrato. Mas foram acautelados os direitos dos trabalhadores. Em termos genéricos, a minha perspectiva é de que se deve procurar prestar o melhor serviço ao melhor preço. Qual é a forma? Bom, é diferente de autarquia para autarquia, nuns casos o melhor serviço ao melhor preço pode ser assegurado pelos funcionários municipais, noutros não, porque as autarquias divergem muito. Em Lisboa, temos uma especificidade própria. Por exemplo, não temos nada a ver com os transportes públicos, para o bem e para o mal, não temos o ónus desse encargo, mas também temos a penalização de não conseguirmos geri-los como gostaríamos. Há autarquias que têm os transportes no seu universo, como Aveiro, Coimbra ou Braga. Enfim, não defendo que no futuro tudo o que seja prestação de serviços seja privado, mas acho que a possibilidade de os privados entrarem pode criar um melhor serviço. Obviamente são coisas consideradas de uma maneira diferente, do ponto de vista laboral, contratual. Pode ser algo psicológico, quem trabalha no sector privado parece ter uma disponibilidade para trabalhar de forma diferente do funcionário público, se calhar o funcionário público tem mais a questão de vestir a camisola, porque se trata do Estado, e terá menos um estímulo de competitividade.
Como presidente da câmara, sente-se mais um gestor de projectos, de regras, de legalidades, ou de pessoas? Ou de outra coisa qualquer?
Uma câmara é um mundo, tem tudo. Tem todas as áreas em termos da vida de uma cidade, escolas, equipamentos, ruas, habitação, desporto, acção social, cultura, tantas coisas, até a própria preocupação com os recursos humanos da própria câmara… Até a imagem da câmara, as actividades de recreio… Como é que hei-de explicar? Acho que posso dizer isto, que sou o capitão de uma grande equipa… É mais assim que me sinto, a pessoa que tem obviamente que tomar as principais decisões. Isto também não é um sistema, como se sabe, em que dependa tudo do presidente, há um executivo camarário, uma assembleia municipal… Mas, obviamente, queira-se ou não, o poder do presidente é muito o motor de arranque de toda esta equipa, que é muito grande. Pode-se pensar nesta ideia de capitão de equipa, aquela pessoa que foi incumbida, não pelos seus pares mas por uma grande parte dos munícipes, para assumir o comando.
Concorda se lhe disserem que o universo da Câmara de Lisboa é maior do que aquele que tutelou num ministério?
É diferente. Em termos de orçamento, eu tinha mais no ministério e menos funcionários. Tinha muitas empresas, muitos institutos públicos e algumas direcções-gerais a dependerem de mim, três sectores, obras públicas, transportes e habitação. Na câmara, tenho os sectores todos, é um pequeno governo completo, porque cobre praticamente os sectores todos. Lisboa é muito específica, e nunca é fácil comparar em relação a outras cidades, por exemplo. Felizmente, temos alguma autonomia orçamental, ou seja, as despesas são cobertas por receitas, não dependemos da administração central. Obviamente, temos sempre alguma dificuldade, há sempre a sensação de insuficiência orçamental, porque gostaríamos de fazer mais e em menos tempo. Mas, apesar de tudo, temos essa característica de não depender grandemente, ou quase nada, de transferências da administração central. Mas temos outros problemas, a cidade de Lisboa é gerida em grande parte pela câmara, mas há outras grandes partes, que são geridas por outras entidades, o aeroporto, o porto, as empresas de transportes, a Carris, o Metro, as águas, a EDP, a PT, as universidades, tudo isso mexe na cidade, e não depende de nós. Compete-nos, talvez, ser os agentes dinamizadores de uma politica que se pretende tão integrada quanto possível. Por isso é que temos os instrumentos de planeamento.
O que é para si gerir em Lisboa a diversidade cultural, étnica e religiosa?
Duas coisas, pelo menos: respeitar os valores, a cultura e as tradições, e dar espaço de intervenção a todos.
E que problemas vêm ter consigo a esse nível?
Obviamente, as questões tradicionais. Depois, digamos que há fenómenos mais recentes, por exemplo a nova realidade da comunidade emigrante dos países de leste. Já havia cá certamente cristãos ortodoxos, mas numa expressão muito reduzida, mas hoje em dia a comunidade ortodoxa é muito forte, pelo seu número, pela sua expressão. Também procuram um local para se encontrarem, para fazerem o seu culto, que não têm. Enfim, compete-nos a nós tentar facilitar esse espaço. Há duas coisas cuja falta senti muito no passado e que agora criei, dois gabinetes directamente dependentes de mim: o das comunidades emigrantes e minorias étnicas, porque Lisboa é muito cosmopolita, com muita diversidade, daí ser importante haver um pequena unidade orgânica na câmara, com a importância de depender de mim; o outro gabinete tem a ver com uma realidade muito presente em Lisboa, as colectividades, de cultura, de recreio, associações de moradores, de desporto, há um mundo dessas colectividades, que dão muita vida à cidade.
Que contraponto faz entre o seu cargo e o de colegas seus que estão à frente de executivos de municípios com cinco ou seis mil habitantes, sendo o estatuto de presidente igual para realidades completamente diferentes?
Quando estive no governo, onde o ministério que tutelava tinha permanente contacto com presidentes de câmara, fiquei a conhecer bem determinado tipo de problemas. E agora, como vice-presidente da Associação Nacional de Municípios tenho uma proximidade maior com outras realidades. Suponho que os problemas não são nem menores, nem maiores. São diferentes. Outro município pode ter menos pessoas, aparentemente pode ter menos problemas, mas na verdade não se trata disso, porque os problemas aí são de insuficiência orçamental. Por exemplo, a maior parte dos municípios em Portugal tem zonas rurais, Lisboa não, só tem zona urbana.
Na Câmara Municipal de Oeiras, foi feito um trabalho que teve a ver com a carta de competências do concelho, sendo um dos passos seguintes fazer a carta de competências dos funcionários. Como vê uma situação destas na Câmara de Lisboa?
Nós agora temos um novo director municipal de recursos humanos…
É um estatuto novo?
Não. Nem todas as câmaras têm. Lisboa tem, Porto tem, há outras câmaras que têm, geralmente as maiores. Trata-se de um lugar de topo, entre o vereador e o director de departamento. Uma das coisas que falei com o nosso novo director municipal de recursos humanos é que gostava que se fizesse um levantamento tão exaustivo quanto possível do perfil dos trabalhadores da câmara, incluindo as suas áreas de competência. O diagnóstico que está feito é insuficiente.
Nas câmaras, costuma ouvir-se dizer que os eleitos usam pouco as competências das pessoas que lá têm, às vezes por desconhecimento…
Eu tentei inverter essa situação. Ainda recentemente dei posse a todos os novos directores municipais, e desses creio que apenas um, ou dois, no máximo, num universo de 17 ou 18, não vieram da própria câmara. Entendi que é muito importante, por dois motivos: primeiro, porque é natural que uma pessoa que veste aqui a camisola, que tem uma carreira, tenha a legítima ambição de chegar tão alto quanto possível; depois, é estímulo que se dá para os trabalhadores verem que se trata de alguém de dentro que assume as funções, além do handicap de alguém que vem de fora ter de se adaptar a um mundo completamente novo.
O director municipal de recursos humanos participa nas decisões estratégicas da câmara?
As orientações são definidas a nível da vereação, mas há uma grande proximidade. Eu próprio faço reuniões habituais com os vereadores e com os directores municipais, porque os directores municipais são os primeiros braços direitos, são os executivos. A decisão mais política é a nível de vereação, mas os directores municipais percebem melhor os problemas, ajudam, é muito importante ouvi-los nas reuniões; as nossas decisões políticas vão buscar muito da sua sensibilidade, da sua experiência.
A generalidade dos colaboradores da Câmara de Lisboa conhece os programas de acção, os objectivos, a estratégia da autarquia?
Temos tentado que neste universo tão grande de trabalhadores a informação chegue à maior parte deles. Pode chegar através do papel, ou por uma coisa que nós temos, que é a chamada intranet. Temos uma intranet de grande qualidade. Quando cheguei, dos 12 mil e tal funcionários, não sei ao certo, mas só uma pequena percentagem é que acesso a computador, se calhar 10 por cento, muitas vezes por falta de rede. Como já referi, são 60 edifícios. Foi feito um esforço muito grande. Eu próprio criei há quatro anos um grupo de modernização administrativa, não digo para haver um choque tecnológico, mas para dar um salto tecnológico em termos da circulação da informação. A intranet é um meio muito bom, tem todos os dias notícias actualizadas, oportunidades de formação, concursos, tudo o que se faz, acções, deliberações, publicações, o boletim informativo… É um meio diário, e é muito visitado. E outra coisa, há muitos funcionários que não têm computador próprio, mas há ecrãs, quiosques, nas várias instalações da autarquia, de forma que esses funcionários podem ter o seu endereço de e-mail. O meu está também nessa intranet, na base de dados dos funcionários, portanto se qualquer deles me quiser mandar um e-mail, manda. Não sou funcionário, mas estou lá.
As pessoas quando votam têm motivações, gostam de um ou de outro partido … Em termos dos seus funcionários, se agora houvesse eleições, que percentagem deles pensa que votariam em si?
Não sei. Mas a fazer fé no que o meu motorista me diz, seriam muitos.
Tipo 80 por cento, ou 40, ou 50?
Enfim, suponho que a votação seria de uma forma tão expressiva que me deixaria muito sensibilizado.
Não chegou à Câmara de Lisboa como presidente. Acha que isso foi benéfico para o seu trabalho como presidente?
Foi, e muito.
Como teria sido entrar directamente para presidente?
A diferença teria sido muito grande. Uma câmara como esta, qualquer câmara, mas uma como esta, com a diversidade e a complexidade que tem de assuntos, requer um período de estágio, de aprendizagem, de conhecimento das pessoas, de tudo… Não é só da cidade, é da própria estrutura da autarquia. Quando vim para cá era vereador, vice- presidente, e foram-me dados nove pelouros, portanto tive assim como que uma imersão de repente em muitos assuntos. No primeiro ano não tive férias… Bom, não tenho férias há quatro anos, por uma razão diferente a cada ano; logo no primeiro, deixei de ter porque era tanto o volume de assuntos, de problemas… E tenho de reconhecer – antes de voltar à questão do presidente –, essa experiência autárquica foi-me extremamente útil depois quando tive as funções de ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação; foi muito interessante, quase diria que seria muito útil a qualquer membro do governo ter tido uma experiência autárquica prévia, porque muitos dos assuntos da administração central têm a ver com território e com as autarquias, e conhecer a realidade autárquica ajuda muito. Eu senti isso. Como senti o contrário, depois quando voltei à câmara, e voltei para presidente. Hoje, eu estou muito à vontade a falar de problemas que interessam a Lisboa no contexto da área metropolitana, nos transportes, no ambiente, na cultura, na economia, e isso vem da experiência no governo central. Obviamente que entrar a frio como presidente da câmara, sem experiência autárquica, não digo que seja doloroso, mas leva o seu tempo de adaptação.
Do que diz fica a ideia de que é positivo passar uma câmara antes de ir para o governo. Curiosamente, há exemplos de pessoas com passagens por câmaras que depois acabaram mal no governo, Narciso Miranda, Isaltino de Morais, Fernando Gomes…
Mas eu agora não pretendo voltar para o governo.
A vitória que o conduziu à presidência da Câmara de Lisboa foi o momento alto da sua carreira ou há outro, ou outros?
Eu devo ser uma pessoa um bocado sui generis… Estou muito satisfeito com algumas coisas que tive na vida, o nascimento das minhas filhas, um mestrado que fiz na Holanda com distinção, a minha carreira académica, ter sido 10 vezes campeão nacional de rugby e campeão ibérico, ter sido feito cidadão honorário de Cabo Verde no âmbito das União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa… Houve várias coisas ao longo da vida que me encheram de satisfação a nível pessoal, profissional, associativo… Fiquei muito contente por ter sido presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos durante dois anos, sei lá, fiquei muito contente por várias coisas. Em termos de grandeza, não relativa, mas absoluta, para quem está de fora, a eleição para presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi o momento alto, para quem olha para o meu currículo, porque de facto fui eleito. Ser convidado para ser ministro ou ser eleito por milhares de pessoas para este cargo, obviamente que a eleição é mais gratificante, mais responsabilizante, se calhar algo mais merecedor de valoração.
Independentemente das suas convicções, teve noção durante a campanha eleitoral de que o viam como não favorito à eleição para presidente?
Uma pessoa atravessa sempre várias fases. Acho que a campanha começou muito cedo. Tudo começou a partir do momento em que o doutor Marques Mendes me convidou para ser o candidato. Eu aceitei e não medi na altura se estava a aceitar para ganhar ou se estava a aceitar para perder. Aceitei porque achei que era um desafio que eu queria aceitar, e que achava estar à altura de aceitar. É uma responsabilidade, a partir daí tive de começar a mentalizar-me para o que era uma campanha, algo por que eu nunca tinha passado. À partida, sei lá, não tinha nem optimismo, nem pessimismo, estava compenetrado na minha condição de assumir uma candidatura. O que posso dizer é que uns meses antes, em Abril, tinha havido umas eleições que tinham dado uma expressiva maioria parlamentar ao Partido Socialista, que se traduziu na cidade de Lisboa em o Partido Socialista ter tido o dobro dos votos do Partido Social Democrata. Era uma realidade de partida. Olhando para esse resultado, eu via uma cidade onde – enfim, não tinha sido para autárquicas, tinha sido para legislativas – o partido que me apoiava tinha tido metade dos votos do outro.
Como é que olhou para isso?
Se calhar com o meu espírito desportivo de sempre. Bom, esta é uma realidade e tem o seu enraizamento social muito expressivo em Lisboa, é uma realidade bem antiga, não foi só daquelas eleições legislativas, houve muitas outras, os vários partidos têm a sua implementação, há uma história, que tem uma certa inércia. Depois, é claro, há variantes, as pessoas votam em cada momento de acordo com a sua consciência… Eu percebi que à partida, não sei se podia falar-se em favoritismos, mas percebi que a situação não era muito favorável. Claramente. Aliás, acho que quem estava do outro lado pensaria justamente o contrário, tinha um certo conforto do resultado das eleições legislativas, em que havia um espectro eleitoral muito claro em Lisboa. Mas as circunstâncias são o que são, as pessoas são o que são e as dinâmicas são o que são. Quando era miúdo e praticava natação e atletismo, alguém me dizia: «pá, tu estás numa corrida, o teu objectivo é olhar para a meta, não olhes para o lado, para os teus concorrentes, porque só perdes tempo». Portanto, pus-me claramente com um objectivo, com uma responsabilidade, e pronto, arranjámos uma equipa, um programa, trabalhámos e merecemos o apoio de muitas pessoas. Mas a partir de uma certa altura as coisas tornam-se diferentes… Perto das eleições começa já a haver sondagens, mas mais que sondagens… Há uma percepção, que eu acho que adquiri, de quem anda na rua como eu sempre andei desde que estou há quatro anos na câmara, já desde o outro mandato... Tentei sempre fazer vida de autarca próximo das pessoas, para não estar aqui preso, ir à rua, ir às freguesias, ir às colectividades, estar presente… A partir de uma certa altura, pareceu-me, é uma intuição, vale o que vale, mas falando com os ardinas, os taxistas, os barbeiros, as pessoas do café, criei uma percepção de alguma simpatia em relação a mim, mais do que as sondagens percebi que tinha adquirido uma certa simpatia, e isso talvez tenha sido o indicador que a partir de uma certa altura me deu muita confiança.
Tinha o mesmo motorista de agora?
Tinha.
E ele já lhe dizia que ia ganhar?
Não dizia que eu ia ganhar, dizia que era possível ganhar. E que os funcionários da câmara estavam comigo.

António Carmona Rodrigues nasceu em Lisboa em 1956. Entrou para o Instituto Superior Técnico em 1973, tendo de imediato pedido transferência para a Academia Militar, como aluno civil, formando-se em engenharia civil em 1978, ano em que iniciou a actividade profissional. Viria a doutorar-se em 1992, em engenharia do ambiente, pela Universidade Nova de Lisboa. Consultor, professor universitário e investigador, foi assessor do secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (1993/ 1995). Foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa em Dezembro de 2001 e nomeado vice-presidente, tendo saído em Abril de 2003 para assumir o cargo de ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação. Regressou à autarquia em Julho de 2004, na qualidade de presidente, cargo que exerceu durante oito meses, para depois reassumir a vice-presidência. Nas eleições autárquicas de Outubro de 2005, foi eleito presidente. Carmona Rodrigues, que sempre praticou vários desportos, nomeadamente de equipa, foi jogador de rugby do CDUL durante 17 anos, tendo sido campeão nacional em todas as categorias. É pai de três filhas e apaixonado pela recuperação de motas antigas.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Sessão de autógrafos

A pequena ficção que coloquei ali abaixo, sob a forma de «notícia quase verdadeira», é o anúncio da segunda sessão de autógrafos na Feira do Livro de Lisboa do romance «O que Entra nos Livros». Realiza-se esta Quarta-feira, dia seis, às nove da noite, junto aos stands da AMBAR (114 e 115) – do lado do pavilhão Carlos Lopes.

Notícia quase verdadeira

Tribunal anula
sessão de autógrafos
de escritor da margem sul
De qualquer forma, está já marcada uma nova sessão para a próxima Quarta-feira, dia seis, pelas 21 horas, na Feira do Livro de Lisboa.

Um tribunal de delação, dos muitos que por cá têm aparecido ultimamente, anulou a sessão de autógrafos do meu romance «O que Entra nos Livros» que decorreu no passado dia 25 de Maio na Feira do Livro de Lisboa. Ao que se sabe, o problema teve a ver com o facto de Salazar e Marcello Caetano serem a certa altura referidos no romance (página 49) como aquilo que de facto penso que foram, dois criminosos.
O curioso é que, apesar de ter anulado a sessão, o tribunal manteve a validade dos autógrafos que dei («sabe-se lá onde pararão os ezemplares [sic] autografados…», pode ler-se no acórdão numa parte em que o português é perceptível). Já agora, nesse dia, só para estar presente na feira, viajei desde os confins da margem sul (arredores de Montemor-o-Novo, bem no interior do deserto), debaixo de um sol impiedoso, até um parque de estacionamento, passe a repetição, do parque Eduardo VII; e a sessão, oficialmente, não aconteceu, foi apagada da história, mas do mal o menos, salvaram-se os autógrafos.
Entretanto, ao tomar conhecimento da anulação da sessão de autógrafos, uma governadora civil que estava na altura disponível para marcações, melhor, para fazer marcações, resolveu agendar uma nova sessão para a próxima quarta-feira, dia seis, pelas nove da noite. Não se sabe o que poderá fazer desta vez o referido tribunal de delação, mas um dos seus juízes – que solicitou o anonimato – já referiu que «esta segunda sessão pode também vir a ser anulada, isto se algum delator voltar a contactar o excelentíssimo tribunal por causa das referências aos tais dois criminosos, perdão, aos tais dois senhores ex-governantes». Mas, acrescentou, «essa decisão só poderia, ou poderá, ser tomada na próxima reunião, aprazada para depois dos feriados e das pontes que se avizinham». Mais uma vez, eventuais autógrafos desta nova sessão permanecerão válidos, até «pela jurisprudência que resulta do acórdão que superiormente anulou a primeira sessão».
Há ainda um novo dado, que pode vir a ser relevante. Fonte próxima de Carmona Rodrigues – fonte que solicitou o anonimato, pois dá-se a coincidência de ser o juiz do parágrafo anterior – revelou que este, Carmona, pondera marcar presença de caneta em punho na nova sessão de autógrafos, ao meu lado na mesa, dependendo a sua decisão final dos apoios que consiga reunir, nomeadamente em termos de escrita, para ter um livro pronto até dia seis, nem que seja em edição de autor. Por mim, tudo bem; até pode ser que traga gente.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

O meu encontro com García Márquez

Acontece na página 68 (cap. 10) do meu novo romance (capa na coluna ao lado). O Nobel colombiano está a promover a sua autobiografia à porta de uma livraria. Junto dele está um gato um bocado para o desconfiado… O gato acabou por desligar-se de mim, quem sabe se por ter concluído das suas observações que eu não representava nenhum perigo. Deslocou-se até junto do anãozinho (…), elevou-se um pouco só apoiado nas patas traseiras e deu-lhe uma pequena cabeçada num dos ombros. Depois foi até junto do sítio onde a pequena trela estava presa a um ferro da parede e enroscou-se sobre si próprio, como se tivesse intenção de dormir.

domingo, 3 de junho de 2007

Lixo

Vinha no saco dos jornais de Sábado, que só hoje tive tempo de abrir. Um desdobrável tipo o mapa das estradas, mas mais comprido, a promover o «Allgarve». Mandei aquela porcaria para o lixo.