quinta-feira, 7 de junho de 2007

Entrevista a Carmona

Aqui fica então a entrevista que referi há uns dias, no post «O espectáculo». Carmona Rodrigues, a afirmar-se «capitão de equipa» na Câmara Municipal de Lisboa, em Março do ano passado, quando tudo ainda era não direi um mar de rosas, mas pelo menos um mar de alguma calmaria, nem que fosse apenas aparente. A entrevista foi feita por mim para a revista «Pessoal» (a outra que referi, feita em tempos com Garcia Pereira, fica para daqui a uns dias, e no outro blog – «Mundo RH»).

António Carmona Rodrigues
Capitão de equipa

Quase 13 mil colaboradores distribuídos por 60 locais de trabalho «principais» e por «muitos outros satélites, mais minúsculos». O mundo da Câmara Municipal de Lisboa, por António Carmona Rodrigues, presidente eleito nas últimas eleições autárquicas e que se vê a si próprio como «o capitão de uma grande equipa».

António Carmona Rodrigues confessa que aceitou candidatar-se à presidência da Câmara Municipal de Lisboa sem saber «se estava a aceitar para ganhar ou se estava a aceitar para perder», fê-lo porque achou que se tratava de «um desafio» que «estava à altura de aceitar». Os conselhos que escutava em miúdo, nos tempos da natação e do atletismo, parecem ter-lhe servido: nunca olhou para o lado, olhou sempre para a meta; se olhasse para o lado, confessa, se olhasse para os concorrentes, só perdia tempo.
A Câmara Municipal de Lisboa é um dos maiores empregadores de Portugal. Quantos funcionários tem?
Tem aproximadamente 10 mil funcionários no quadro e mais dois mil e tal contratados. Incluo neste universo todas as empresas municipais. Portanto, estamos a falar de um conjunto muito vasto.
E como é gerir tanta gente? Ou antes, o que é gerir pessoas numa autarquia como Lisboa?
Os trabalhadores das autarquias têm um estatuto de funcionários públicos, portanto estamos balizados pelo enquadramento legal da chamada administração pública. Bom, há uma coisa que ajuda, que é desde logo haver um sentimento muito alargado junto dos trabalhadores, o orgulho de trabalhar para a Câmara de Lisboa. Isso facilita a vida da tutela e ajuda muito à confiança, à disponibilidade dos funcionários para encararem as suas tarefas no dia-a-dia com outra disposição, porque sentem que estão a contribuir para o embelezamento da cidade, para a melhoria da qualidade de vida dos lisboetas. Sinto muito isso. Mas, obviamente, há uma situação que decorre do facto de durante um período de tempo grande não ter havido uma grande atenção também sobre as perspectivas da carreira profissional, nem tanto da formação ou da qualificação. Quando entrei aqui no mandato anterior, como vereador, um número que me surpreendeu pela negativa foi o facto de mais de 60 por cento de todos os funcionários da câmara terem a escolaridade mínima obrigatória pelos padrões de hoje, ou menos do que isso. Não sendo uma situação muito diferente da da administração pública em geral, é preocupante. Desde logo, pela capacidade de a autarquia dar uma resposta de melhor qualidade, e também porque exige um esforço grande, que temos vindo a fazer, de formação e requalificação profissional. Gerir esta máquina também tem a ver com o diagnóstico de base sobre a qualificação profissional, além de muitas outras coisas… Os funcionários estão dispersos por demasiados locais de trabalho. Só para dar um exemplo: os principais locais de trabalho são 60, depois há muitos outros satélites, mais minúsculos; isto dificulta a operacionalidade em muitos dos serviços que são prestados, há muita dispersão, e isso tem custos, de funcionamento, mas também de menor proximidade dos serviços.
E a questão do estatuto dos funcionários públicos? Por exemplo, a avaliação de desempenho…
Aí comungamos da preocupação do governo. É sempre difícil descontinuar qualquer coisa que parece ter entrado há uns anos por um caminho de facilitismo, porque ninguém gosta de passar de um estatuto para outro. Avaliação? Deve haver, sem complexos, uma avaliação tão objectiva quanto possível, isenta e imparcial.
Falta cultura de avaliação?
É, falta essa cultura.
Mesmo que já não seja no seu tempo de presidente desta câmara, acha que algum dia as pessoas desta instituição pública, como de todas as outras, estarão nas mesmas condições que as que trabalham no sector privado?
Isso é uma pergunta que tem tanto de filosófico como de actualidade. Vendo um pouco o que foi a Câmara de Lisboa nos últimos 40 anos, desde ainda de antes do 25 de Abril até agora… Houve uma tradição muito afirmada até determinada altura e não tem directamente a ver com o 25 de Abril, talvez nas décadas de 1960, 1970, que coincidiu com a revolução, mas não foi aí um ponto de charneira; foi mais o contexto do mercado de trabalho, as circunstâncias económicas de país e da Europa. Ou seja, havia uma realidade muito afirmada de que era ao sector público que competia ter não só as competências que são próprias da administração – o planeamento, a fiscalização, o licenciamento – mas também toda a prestação de serviços. Todo era feito pelo sector público, desde a limpeza das ruas até ao arranjo dos equipamentos. Isto a nível autárquico, mas também a outros níveis. Em Portugal, tirando o sector digamos não-industrial, que sempre esteve no sector privado, tudo o resto era público. Depois evoluiu, se calhar fruto de um cenário comum a outros países, começou-se a abrir espaço para a iniciativa privada, pela constatação de que assim o serviço poderia ser melhor, mais barato, mais eficaz, em geral e também nas autarquias. Hoje fala-se muito no outsourcing, ou na contratação de serviços… Em Lisboa não se fez muito isso, mas há outras câmaras que já enveredaram por essa linha, e é claramente a tendência que se verifica em muitos países europeus; estou a lembrar-me nomeadamente de Espanha. Houve também muitas autarquias – mais uma vez em Lisboa não aconteceu – em que por exemplo no sector da água foram criadas empresas, ou foram feitas concessões desse serviço a entidades privadas que receberam das câmaras. Foram experiências bem sucedidas, e não lesivas dos direitos dos trabalhadores.
Os trabalhadores deixaram de ser funcionários públicos…
Exactamente. Assinaram outro contrato. Mas foram acautelados os direitos dos trabalhadores. Em termos genéricos, a minha perspectiva é de que se deve procurar prestar o melhor serviço ao melhor preço. Qual é a forma? Bom, é diferente de autarquia para autarquia, nuns casos o melhor serviço ao melhor preço pode ser assegurado pelos funcionários municipais, noutros não, porque as autarquias divergem muito. Em Lisboa, temos uma especificidade própria. Por exemplo, não temos nada a ver com os transportes públicos, para o bem e para o mal, não temos o ónus desse encargo, mas também temos a penalização de não conseguirmos geri-los como gostaríamos. Há autarquias que têm os transportes no seu universo, como Aveiro, Coimbra ou Braga. Enfim, não defendo que no futuro tudo o que seja prestação de serviços seja privado, mas acho que a possibilidade de os privados entrarem pode criar um melhor serviço. Obviamente são coisas consideradas de uma maneira diferente, do ponto de vista laboral, contratual. Pode ser algo psicológico, quem trabalha no sector privado parece ter uma disponibilidade para trabalhar de forma diferente do funcionário público, se calhar o funcionário público tem mais a questão de vestir a camisola, porque se trata do Estado, e terá menos um estímulo de competitividade.
Como presidente da câmara, sente-se mais um gestor de projectos, de regras, de legalidades, ou de pessoas? Ou de outra coisa qualquer?
Uma câmara é um mundo, tem tudo. Tem todas as áreas em termos da vida de uma cidade, escolas, equipamentos, ruas, habitação, desporto, acção social, cultura, tantas coisas, até a própria preocupação com os recursos humanos da própria câmara… Até a imagem da câmara, as actividades de recreio… Como é que hei-de explicar? Acho que posso dizer isto, que sou o capitão de uma grande equipa… É mais assim que me sinto, a pessoa que tem obviamente que tomar as principais decisões. Isto também não é um sistema, como se sabe, em que dependa tudo do presidente, há um executivo camarário, uma assembleia municipal… Mas, obviamente, queira-se ou não, o poder do presidente é muito o motor de arranque de toda esta equipa, que é muito grande. Pode-se pensar nesta ideia de capitão de equipa, aquela pessoa que foi incumbida, não pelos seus pares mas por uma grande parte dos munícipes, para assumir o comando.
Concorda se lhe disserem que o universo da Câmara de Lisboa é maior do que aquele que tutelou num ministério?
É diferente. Em termos de orçamento, eu tinha mais no ministério e menos funcionários. Tinha muitas empresas, muitos institutos públicos e algumas direcções-gerais a dependerem de mim, três sectores, obras públicas, transportes e habitação. Na câmara, tenho os sectores todos, é um pequeno governo completo, porque cobre praticamente os sectores todos. Lisboa é muito específica, e nunca é fácil comparar em relação a outras cidades, por exemplo. Felizmente, temos alguma autonomia orçamental, ou seja, as despesas são cobertas por receitas, não dependemos da administração central. Obviamente, temos sempre alguma dificuldade, há sempre a sensação de insuficiência orçamental, porque gostaríamos de fazer mais e em menos tempo. Mas, apesar de tudo, temos essa característica de não depender grandemente, ou quase nada, de transferências da administração central. Mas temos outros problemas, a cidade de Lisboa é gerida em grande parte pela câmara, mas há outras grandes partes, que são geridas por outras entidades, o aeroporto, o porto, as empresas de transportes, a Carris, o Metro, as águas, a EDP, a PT, as universidades, tudo isso mexe na cidade, e não depende de nós. Compete-nos, talvez, ser os agentes dinamizadores de uma politica que se pretende tão integrada quanto possível. Por isso é que temos os instrumentos de planeamento.
O que é para si gerir em Lisboa a diversidade cultural, étnica e religiosa?
Duas coisas, pelo menos: respeitar os valores, a cultura e as tradições, e dar espaço de intervenção a todos.
E que problemas vêm ter consigo a esse nível?
Obviamente, as questões tradicionais. Depois, digamos que há fenómenos mais recentes, por exemplo a nova realidade da comunidade emigrante dos países de leste. Já havia cá certamente cristãos ortodoxos, mas numa expressão muito reduzida, mas hoje em dia a comunidade ortodoxa é muito forte, pelo seu número, pela sua expressão. Também procuram um local para se encontrarem, para fazerem o seu culto, que não têm. Enfim, compete-nos a nós tentar facilitar esse espaço. Há duas coisas cuja falta senti muito no passado e que agora criei, dois gabinetes directamente dependentes de mim: o das comunidades emigrantes e minorias étnicas, porque Lisboa é muito cosmopolita, com muita diversidade, daí ser importante haver um pequena unidade orgânica na câmara, com a importância de depender de mim; o outro gabinete tem a ver com uma realidade muito presente em Lisboa, as colectividades, de cultura, de recreio, associações de moradores, de desporto, há um mundo dessas colectividades, que dão muita vida à cidade.
Que contraponto faz entre o seu cargo e o de colegas seus que estão à frente de executivos de municípios com cinco ou seis mil habitantes, sendo o estatuto de presidente igual para realidades completamente diferentes?
Quando estive no governo, onde o ministério que tutelava tinha permanente contacto com presidentes de câmara, fiquei a conhecer bem determinado tipo de problemas. E agora, como vice-presidente da Associação Nacional de Municípios tenho uma proximidade maior com outras realidades. Suponho que os problemas não são nem menores, nem maiores. São diferentes. Outro município pode ter menos pessoas, aparentemente pode ter menos problemas, mas na verdade não se trata disso, porque os problemas aí são de insuficiência orçamental. Por exemplo, a maior parte dos municípios em Portugal tem zonas rurais, Lisboa não, só tem zona urbana.
Na Câmara Municipal de Oeiras, foi feito um trabalho que teve a ver com a carta de competências do concelho, sendo um dos passos seguintes fazer a carta de competências dos funcionários. Como vê uma situação destas na Câmara de Lisboa?
Nós agora temos um novo director municipal de recursos humanos…
É um estatuto novo?
Não. Nem todas as câmaras têm. Lisboa tem, Porto tem, há outras câmaras que têm, geralmente as maiores. Trata-se de um lugar de topo, entre o vereador e o director de departamento. Uma das coisas que falei com o nosso novo director municipal de recursos humanos é que gostava que se fizesse um levantamento tão exaustivo quanto possível do perfil dos trabalhadores da câmara, incluindo as suas áreas de competência. O diagnóstico que está feito é insuficiente.
Nas câmaras, costuma ouvir-se dizer que os eleitos usam pouco as competências das pessoas que lá têm, às vezes por desconhecimento…
Eu tentei inverter essa situação. Ainda recentemente dei posse a todos os novos directores municipais, e desses creio que apenas um, ou dois, no máximo, num universo de 17 ou 18, não vieram da própria câmara. Entendi que é muito importante, por dois motivos: primeiro, porque é natural que uma pessoa que veste aqui a camisola, que tem uma carreira, tenha a legítima ambição de chegar tão alto quanto possível; depois, é estímulo que se dá para os trabalhadores verem que se trata de alguém de dentro que assume as funções, além do handicap de alguém que vem de fora ter de se adaptar a um mundo completamente novo.
O director municipal de recursos humanos participa nas decisões estratégicas da câmara?
As orientações são definidas a nível da vereação, mas há uma grande proximidade. Eu próprio faço reuniões habituais com os vereadores e com os directores municipais, porque os directores municipais são os primeiros braços direitos, são os executivos. A decisão mais política é a nível de vereação, mas os directores municipais percebem melhor os problemas, ajudam, é muito importante ouvi-los nas reuniões; as nossas decisões políticas vão buscar muito da sua sensibilidade, da sua experiência.
A generalidade dos colaboradores da Câmara de Lisboa conhece os programas de acção, os objectivos, a estratégia da autarquia?
Temos tentado que neste universo tão grande de trabalhadores a informação chegue à maior parte deles. Pode chegar através do papel, ou por uma coisa que nós temos, que é a chamada intranet. Temos uma intranet de grande qualidade. Quando cheguei, dos 12 mil e tal funcionários, não sei ao certo, mas só uma pequena percentagem é que acesso a computador, se calhar 10 por cento, muitas vezes por falta de rede. Como já referi, são 60 edifícios. Foi feito um esforço muito grande. Eu próprio criei há quatro anos um grupo de modernização administrativa, não digo para haver um choque tecnológico, mas para dar um salto tecnológico em termos da circulação da informação. A intranet é um meio muito bom, tem todos os dias notícias actualizadas, oportunidades de formação, concursos, tudo o que se faz, acções, deliberações, publicações, o boletim informativo… É um meio diário, e é muito visitado. E outra coisa, há muitos funcionários que não têm computador próprio, mas há ecrãs, quiosques, nas várias instalações da autarquia, de forma que esses funcionários podem ter o seu endereço de e-mail. O meu está também nessa intranet, na base de dados dos funcionários, portanto se qualquer deles me quiser mandar um e-mail, manda. Não sou funcionário, mas estou lá.
As pessoas quando votam têm motivações, gostam de um ou de outro partido … Em termos dos seus funcionários, se agora houvesse eleições, que percentagem deles pensa que votariam em si?
Não sei. Mas a fazer fé no que o meu motorista me diz, seriam muitos.
Tipo 80 por cento, ou 40, ou 50?
Enfim, suponho que a votação seria de uma forma tão expressiva que me deixaria muito sensibilizado.
Não chegou à Câmara de Lisboa como presidente. Acha que isso foi benéfico para o seu trabalho como presidente?
Foi, e muito.
Como teria sido entrar directamente para presidente?
A diferença teria sido muito grande. Uma câmara como esta, qualquer câmara, mas uma como esta, com a diversidade e a complexidade que tem de assuntos, requer um período de estágio, de aprendizagem, de conhecimento das pessoas, de tudo… Não é só da cidade, é da própria estrutura da autarquia. Quando vim para cá era vereador, vice- presidente, e foram-me dados nove pelouros, portanto tive assim como que uma imersão de repente em muitos assuntos. No primeiro ano não tive férias… Bom, não tenho férias há quatro anos, por uma razão diferente a cada ano; logo no primeiro, deixei de ter porque era tanto o volume de assuntos, de problemas… E tenho de reconhecer – antes de voltar à questão do presidente –, essa experiência autárquica foi-me extremamente útil depois quando tive as funções de ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação; foi muito interessante, quase diria que seria muito útil a qualquer membro do governo ter tido uma experiência autárquica prévia, porque muitos dos assuntos da administração central têm a ver com território e com as autarquias, e conhecer a realidade autárquica ajuda muito. Eu senti isso. Como senti o contrário, depois quando voltei à câmara, e voltei para presidente. Hoje, eu estou muito à vontade a falar de problemas que interessam a Lisboa no contexto da área metropolitana, nos transportes, no ambiente, na cultura, na economia, e isso vem da experiência no governo central. Obviamente que entrar a frio como presidente da câmara, sem experiência autárquica, não digo que seja doloroso, mas leva o seu tempo de adaptação.
Do que diz fica a ideia de que é positivo passar uma câmara antes de ir para o governo. Curiosamente, há exemplos de pessoas com passagens por câmaras que depois acabaram mal no governo, Narciso Miranda, Isaltino de Morais, Fernando Gomes…
Mas eu agora não pretendo voltar para o governo.
A vitória que o conduziu à presidência da Câmara de Lisboa foi o momento alto da sua carreira ou há outro, ou outros?
Eu devo ser uma pessoa um bocado sui generis… Estou muito satisfeito com algumas coisas que tive na vida, o nascimento das minhas filhas, um mestrado que fiz na Holanda com distinção, a minha carreira académica, ter sido 10 vezes campeão nacional de rugby e campeão ibérico, ter sido feito cidadão honorário de Cabo Verde no âmbito das União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa… Houve várias coisas ao longo da vida que me encheram de satisfação a nível pessoal, profissional, associativo… Fiquei muito contente por ter sido presidente da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos durante dois anos, sei lá, fiquei muito contente por várias coisas. Em termos de grandeza, não relativa, mas absoluta, para quem está de fora, a eleição para presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi o momento alto, para quem olha para o meu currículo, porque de facto fui eleito. Ser convidado para ser ministro ou ser eleito por milhares de pessoas para este cargo, obviamente que a eleição é mais gratificante, mais responsabilizante, se calhar algo mais merecedor de valoração.
Independentemente das suas convicções, teve noção durante a campanha eleitoral de que o viam como não favorito à eleição para presidente?
Uma pessoa atravessa sempre várias fases. Acho que a campanha começou muito cedo. Tudo começou a partir do momento em que o doutor Marques Mendes me convidou para ser o candidato. Eu aceitei e não medi na altura se estava a aceitar para ganhar ou se estava a aceitar para perder. Aceitei porque achei que era um desafio que eu queria aceitar, e que achava estar à altura de aceitar. É uma responsabilidade, a partir daí tive de começar a mentalizar-me para o que era uma campanha, algo por que eu nunca tinha passado. À partida, sei lá, não tinha nem optimismo, nem pessimismo, estava compenetrado na minha condição de assumir uma candidatura. O que posso dizer é que uns meses antes, em Abril, tinha havido umas eleições que tinham dado uma expressiva maioria parlamentar ao Partido Socialista, que se traduziu na cidade de Lisboa em o Partido Socialista ter tido o dobro dos votos do Partido Social Democrata. Era uma realidade de partida. Olhando para esse resultado, eu via uma cidade onde – enfim, não tinha sido para autárquicas, tinha sido para legislativas – o partido que me apoiava tinha tido metade dos votos do outro.
Como é que olhou para isso?
Se calhar com o meu espírito desportivo de sempre. Bom, esta é uma realidade e tem o seu enraizamento social muito expressivo em Lisboa, é uma realidade bem antiga, não foi só daquelas eleições legislativas, houve muitas outras, os vários partidos têm a sua implementação, há uma história, que tem uma certa inércia. Depois, é claro, há variantes, as pessoas votam em cada momento de acordo com a sua consciência… Eu percebi que à partida, não sei se podia falar-se em favoritismos, mas percebi que a situação não era muito favorável. Claramente. Aliás, acho que quem estava do outro lado pensaria justamente o contrário, tinha um certo conforto do resultado das eleições legislativas, em que havia um espectro eleitoral muito claro em Lisboa. Mas as circunstâncias são o que são, as pessoas são o que são e as dinâmicas são o que são. Quando era miúdo e praticava natação e atletismo, alguém me dizia: «pá, tu estás numa corrida, o teu objectivo é olhar para a meta, não olhes para o lado, para os teus concorrentes, porque só perdes tempo». Portanto, pus-me claramente com um objectivo, com uma responsabilidade, e pronto, arranjámos uma equipa, um programa, trabalhámos e merecemos o apoio de muitas pessoas. Mas a partir de uma certa altura as coisas tornam-se diferentes… Perto das eleições começa já a haver sondagens, mas mais que sondagens… Há uma percepção, que eu acho que adquiri, de quem anda na rua como eu sempre andei desde que estou há quatro anos na câmara, já desde o outro mandato... Tentei sempre fazer vida de autarca próximo das pessoas, para não estar aqui preso, ir à rua, ir às freguesias, ir às colectividades, estar presente… A partir de uma certa altura, pareceu-me, é uma intuição, vale o que vale, mas falando com os ardinas, os taxistas, os barbeiros, as pessoas do café, criei uma percepção de alguma simpatia em relação a mim, mais do que as sondagens percebi que tinha adquirido uma certa simpatia, e isso talvez tenha sido o indicador que a partir de uma certa altura me deu muita confiança.
Tinha o mesmo motorista de agora?
Tinha.
E ele já lhe dizia que ia ganhar?
Não dizia que eu ia ganhar, dizia que era possível ganhar. E que os funcionários da câmara estavam comigo.

António Carmona Rodrigues nasceu em Lisboa em 1956. Entrou para o Instituto Superior Técnico em 1973, tendo de imediato pedido transferência para a Academia Militar, como aluno civil, formando-se em engenharia civil em 1978, ano em que iniciou a actividade profissional. Viria a doutorar-se em 1992, em engenharia do ambiente, pela Universidade Nova de Lisboa. Consultor, professor universitário e investigador, foi assessor do secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor (1993/ 1995). Foi eleito vereador da Câmara Municipal de Lisboa em Dezembro de 2001 e nomeado vice-presidente, tendo saído em Abril de 2003 para assumir o cargo de ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação. Regressou à autarquia em Julho de 2004, na qualidade de presidente, cargo que exerceu durante oito meses, para depois reassumir a vice-presidência. Nas eleições autárquicas de Outubro de 2005, foi eleito presidente. Carmona Rodrigues, que sempre praticou vários desportos, nomeadamente de equipa, foi jogador de rugby do CDUL durante 17 anos, tendo sido campeão nacional em todas as categorias. É pai de três filhas e apaixonado pela recuperação de motas antigas.

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