Muito a correr, e sem comentários, os dois últimos jogos do Sporting. Sporting – 1 (Liedson), Académica – 0 e depois o jogo da Taça de Portugal, União da Madeira – 1, Sporting – 3 (João Moutinho, Farnerud e Rodrigo Tello).
terça-feira, 26 de dezembro de 2006
sexta-feira, 15 de dezembro de 2006
Houve tempos em que as coisas eram piores – parte 2
Pois é isso mesmo; como escrevi há uns dias ali abaixo, houve tempos em que as coisas estiveram piores no Sporting. Passados três meses sobre o texto do Leandro, de ele ser «um bom miúdo» (Fevereiro de 1998), publiquei outro, que coloco a seguir. Estávamos em Maio e o campeonato aproximava-se do final.
Carlos, o chacalzinho
Está a chegar ao fim mais um campeonato nacional de futebol e o Sporting conseguiu mesmo à justa apurar-se para as competições europeias. Custa-me escrever isto, com esta frieza, mas foi exactamente o que aconteceu. E quem assistiu aos últimos jogos sabe bem que só por sorte é que tão estranho objectivo foi alcançado. Porque a verdade é que o Sporting poderia não ter ganho nenhum desses jogos, poderia mesmo ter perdido a maior parte deles. E teria ficado pelo meio da classificação. Até há uns meses, os sportinguistas fartavam-se de dizer piadas relacionadas com o facto de Artur Jorge ter sido o coveiro do Benfica. Agora o melhor é ficarem calados, porque o Sporting também já arranjou o seu Artur Jorge. Quando se esperava, ou melhor, quando alguns dirigentes esperavam um leão, saiu-lhes um pobre chacal, um chacalzinho, Carlos como o terrorista, mas futebolisticamente mais inofensivo do que um gato recém-nascido.
Carlos, o chacalzinho, acabou por viver no Sporting a mesma luta que viveu há um ano no Salgueiros, a luta por um lugar na cada vez menos prestigiada Taça UEFA. O ano passado não o conseguiu, porque o seu melhor jogador, Abílio, falhou um penalty em Faro. Este ano conseguiu-o, e logo à custa de um jogador de pescoço pequeno, Vidigal, que mesmo assim chegou de cabeça mais alto do que os gigantes da defesa do Belenenses. O destino tem coisas destas, e contrariá-lo é sempre uma carga de trabalhos. As duas situações vividas pelo inofensivo Carlos, no entanto, não deviam ter nada a ver com o Sporting. Porque o Sporting, por mais que os seus dirigentes definam estratégias que a nenhum elemento dos pequenos cantores de Viena ficariam mal, o Sporting, dizia, não é um clube para andar envolvido nessas guerrazinhas. Carlos, o chacalzinho, é que parece ter vocação para tais empreendimentos. Só que, infelizmente, cruzou-se com o caminho do Sporting, ou melhor, saiu-lhe ao encontro, para o envolver na sua auréola bem peculiar.
Há dois anos, o Sporting contratou, segundo se falava, o melhor treinador da Bélgica, o senhor Robert Waseige, e logo houve quem o comparasse, vá-se lá saber por quê, a um assador de castanhas. E, de facto, fosse ou não o melhor treinador da Bélgica, o senhor Waseige não conseguiu grande coisa por cá. Só que não serviu de emenda aos responsáveis do Sporting, porque depois dos cantatores e dos «chicos vitais» de que nem o Diabo mais inventivo se haveria de lembrar, foram buscar para dirigir a equipa, parece que a troco de cinco mil contos por mês e, se calhar, de um saco de chupa-chupas, um perfeito continuador da saga. Carlos, o chacal de pistola de água, não perdeu tempo e começou a fazer das suas. Primeiro que tudo, com medo sabe-se lá de que sombras, rodeou-se dos amigos, que bem diz o ditado que são mesmo para as ocasiões. E num ápice o Sporting viu-se com um secretário-técnico que antes era roupeiro do Salgueiros, e com os jogadores Renato e Leão, que vinham de ser titularíssimos da equipa do Salgueiros. E com um tal Madureira a treinador de guarda-redes, ele que antes treinava os guarda-redes do Salgueiros e enquanto jogador fora uma grande referência das balizas, precisamente, do Salgueiros. E também com um tal Agatão a preparador-físico, o mesmo que antes era preparador-físico de um clube da cidade dita invicta (o Salgueiros, como não podia deixar de ser) e que nos seus tempos de jogador tinha feito carreira no Boavista e no Estrela da Amadora, depois de tempos de glória num outro chamado O Elvas.
Claro que com um pequeno chacal e com tais ajudantes de aprendiz de felino ao comando, o Sporting passou a fazer no campeonato o papel do Salgueiros, do Boavista e do Estrela da Amadora, umas vezes alternadamente, outras ao mesmo tempo. E, quem sabe, se as coisas não mudarem, não fará algum dia o papel do outro o que se chama O Elvas. Tudo isto com a agravante de o tal Madureira, por exemplo, dizer aos jornalistas para perguntarem aos jogadores por que é que a equipa passou a jogar mal. E de Carlos, o chacalzinho, dizer que «o Leandro é um bom miúdo» e que «o Beto é um puto giro» e que «estão a fazer coisas bonitas», mas que no jogo tal «não foram tão sérios» como no jogo tal e coiso. E também que acerca do próximo jogo não revela pormenores da táctica, porque assim «os gajos iam ficar a saber». Os «gajos», enfim, «quer dizer, os adversários, os outros, os malandros, aqueles malandros». De Agatão e do secretário-técnico roupeiro é que, ao menos isso, quase não se ouve uma palavra.
Assim, os sócios e os adeptos tiveram de passar a gramar, ou melhor, «a suportar», como diria José Roquette numa linguagem mais de acordo com os meios empresariais, a suportar uma tropa que em três tempos pôs uma equipa relativamente competitiva a arrastar-se pelas ruas da amargura. Sempre com Carlos, o chacalzinho, a assumir o papel de general. Os sócios começaram a ver nas conferências de imprensa um técnico a dizer que não sabia «as razões do mau rendimento da equipa» e que via «boas exibições» em jogos de uma pobreza sub-sahariana. E começaram a notar os atrasos aos treinos e as noitadas das vedetas mais bem parecidas. E também que Carlos, o Chacalzinho, controlava o nervoso com chupa-chupas e dava pulos no banco como um macaco telecomandado sabe-se lá por que criança traquina. E que dizia tencionar «fazer revoluções no plantel», decerto para afastar os nomes marcantes do Sporting, aqueles ainda capazes de confrontá-lo com a realidade do seu pequeno mundo futebolístico. «Revoluções» para colocar bem colocados na vida, e no Sporting, é claro, os nandinhos e os marcos severos da sua devoção. Tudo isto, pensado ao quilómetro na cabeça do chacalzinho, para «mudar o clube de alto a baixo» e «transformá-lo num Ajax». Exactamente, «num Ajax», foi o que ele disse. Provavelmente estava a referir-se ao Ajax Limpa Vidros.
Carlos, o chacalzinho
Está a chegar ao fim mais um campeonato nacional de futebol e o Sporting conseguiu mesmo à justa apurar-se para as competições europeias. Custa-me escrever isto, com esta frieza, mas foi exactamente o que aconteceu. E quem assistiu aos últimos jogos sabe bem que só por sorte é que tão estranho objectivo foi alcançado. Porque a verdade é que o Sporting poderia não ter ganho nenhum desses jogos, poderia mesmo ter perdido a maior parte deles. E teria ficado pelo meio da classificação. Até há uns meses, os sportinguistas fartavam-se de dizer piadas relacionadas com o facto de Artur Jorge ter sido o coveiro do Benfica. Agora o melhor é ficarem calados, porque o Sporting também já arranjou o seu Artur Jorge. Quando se esperava, ou melhor, quando alguns dirigentes esperavam um leão, saiu-lhes um pobre chacal, um chacalzinho, Carlos como o terrorista, mas futebolisticamente mais inofensivo do que um gato recém-nascido.
Carlos, o chacalzinho, acabou por viver no Sporting a mesma luta que viveu há um ano no Salgueiros, a luta por um lugar na cada vez menos prestigiada Taça UEFA. O ano passado não o conseguiu, porque o seu melhor jogador, Abílio, falhou um penalty em Faro. Este ano conseguiu-o, e logo à custa de um jogador de pescoço pequeno, Vidigal, que mesmo assim chegou de cabeça mais alto do que os gigantes da defesa do Belenenses. O destino tem coisas destas, e contrariá-lo é sempre uma carga de trabalhos. As duas situações vividas pelo inofensivo Carlos, no entanto, não deviam ter nada a ver com o Sporting. Porque o Sporting, por mais que os seus dirigentes definam estratégias que a nenhum elemento dos pequenos cantores de Viena ficariam mal, o Sporting, dizia, não é um clube para andar envolvido nessas guerrazinhas. Carlos, o chacalzinho, é que parece ter vocação para tais empreendimentos. Só que, infelizmente, cruzou-se com o caminho do Sporting, ou melhor, saiu-lhe ao encontro, para o envolver na sua auréola bem peculiar.
Há dois anos, o Sporting contratou, segundo se falava, o melhor treinador da Bélgica, o senhor Robert Waseige, e logo houve quem o comparasse, vá-se lá saber por quê, a um assador de castanhas. E, de facto, fosse ou não o melhor treinador da Bélgica, o senhor Waseige não conseguiu grande coisa por cá. Só que não serviu de emenda aos responsáveis do Sporting, porque depois dos cantatores e dos «chicos vitais» de que nem o Diabo mais inventivo se haveria de lembrar, foram buscar para dirigir a equipa, parece que a troco de cinco mil contos por mês e, se calhar, de um saco de chupa-chupas, um perfeito continuador da saga. Carlos, o chacal de pistola de água, não perdeu tempo e começou a fazer das suas. Primeiro que tudo, com medo sabe-se lá de que sombras, rodeou-se dos amigos, que bem diz o ditado que são mesmo para as ocasiões. E num ápice o Sporting viu-se com um secretário-técnico que antes era roupeiro do Salgueiros, e com os jogadores Renato e Leão, que vinham de ser titularíssimos da equipa do Salgueiros. E com um tal Madureira a treinador de guarda-redes, ele que antes treinava os guarda-redes do Salgueiros e enquanto jogador fora uma grande referência das balizas, precisamente, do Salgueiros. E também com um tal Agatão a preparador-físico, o mesmo que antes era preparador-físico de um clube da cidade dita invicta (o Salgueiros, como não podia deixar de ser) e que nos seus tempos de jogador tinha feito carreira no Boavista e no Estrela da Amadora, depois de tempos de glória num outro chamado O Elvas.
Claro que com um pequeno chacal e com tais ajudantes de aprendiz de felino ao comando, o Sporting passou a fazer no campeonato o papel do Salgueiros, do Boavista e do Estrela da Amadora, umas vezes alternadamente, outras ao mesmo tempo. E, quem sabe, se as coisas não mudarem, não fará algum dia o papel do outro o que se chama O Elvas. Tudo isto com a agravante de o tal Madureira, por exemplo, dizer aos jornalistas para perguntarem aos jogadores por que é que a equipa passou a jogar mal. E de Carlos, o chacalzinho, dizer que «o Leandro é um bom miúdo» e que «o Beto é um puto giro» e que «estão a fazer coisas bonitas», mas que no jogo tal «não foram tão sérios» como no jogo tal e coiso. E também que acerca do próximo jogo não revela pormenores da táctica, porque assim «os gajos iam ficar a saber». Os «gajos», enfim, «quer dizer, os adversários, os outros, os malandros, aqueles malandros». De Agatão e do secretário-técnico roupeiro é que, ao menos isso, quase não se ouve uma palavra.
Assim, os sócios e os adeptos tiveram de passar a gramar, ou melhor, «a suportar», como diria José Roquette numa linguagem mais de acordo com os meios empresariais, a suportar uma tropa que em três tempos pôs uma equipa relativamente competitiva a arrastar-se pelas ruas da amargura. Sempre com Carlos, o chacalzinho, a assumir o papel de general. Os sócios começaram a ver nas conferências de imprensa um técnico a dizer que não sabia «as razões do mau rendimento da equipa» e que via «boas exibições» em jogos de uma pobreza sub-sahariana. E começaram a notar os atrasos aos treinos e as noitadas das vedetas mais bem parecidas. E também que Carlos, o Chacalzinho, controlava o nervoso com chupa-chupas e dava pulos no banco como um macaco telecomandado sabe-se lá por que criança traquina. E que dizia tencionar «fazer revoluções no plantel», decerto para afastar os nomes marcantes do Sporting, aqueles ainda capazes de confrontá-lo com a realidade do seu pequeno mundo futebolístico. «Revoluções» para colocar bem colocados na vida, e no Sporting, é claro, os nandinhos e os marcos severos da sua devoção. Tudo isto, pensado ao quilómetro na cabeça do chacalzinho, para «mudar o clube de alto a baixo» e «transformá-lo num Ajax». Exactamente, «num Ajax», foi o que ele disse. Provavelmente estava a referir-se ao Ajax Limpa Vidros.
Textos sobre livros – 10
Já agora, outro texto sobre um livro, que também mete – e muito – o criminoso chileno que morreu no domingo.
Livro: «Salvador Allende – O Crime da Casa Branca», de Patricia Verdugo (Campo das Letras, 197 pp.)
A casa suspeita do costume
Uma investigação sobre os acontecimentos que levaram à morte de Salvador Allende no dia 11 de Setembro de 1973. Às mãos sujas de Pinochet & friends, chilenos e de mais a norte.
No dia 11 de Setembro de 1973, em Santiago, capital do Chile, o general Augusto Pinochet conversava com um colega de golpe. Dizia assim, referindo-se a Salvador Allende, que viria a morrer nesse dia: «Tenho a impressão de que o senhor civil arrancou nos blindados. E Mendoza não tem contacto com ele?» Respondeu o colega, almirante, de nome Patricio Carvajal: «Não, mas nos blindados não fugiu. Os carros de assalto partiram antes e eu posteriormente falei com ele pelo telefone.» Pinochet disse então: «De acordo. Nesse caso, é preciso impedir a saída e, se ele sair, é preciso prendê-lo.» Pinochet, mais adiante, dizia que era preciso uma rendição incondicional para quem fosse preso, e que era preciso prometer respeitar a vida dessas pessoas. «A vida e a sua integridade física e de seguida despacha-se para qualquer lado.» Carvajal acabou por perguntar se mantinham então a oferta de fazer Allende sair do país, depois de preso. E Pinochet respondeu que sim… «Mantém-se a oferta de o fazer sair do país... E o avião pode cair, por ser velho, quando estiver no mar.»
Este e outros diálogos, com o passar do tempo, acabaram por ser revelados ao mundo. Para vergonha de um mundo que permitiu, e insiste em permitir, que tantos tiranos levem a sua avante, ajudados pela mão nem sempre invisível da casa branca de Washington. Vejamos então outro diálogo, também de 11 de Setembro de 1973, e que Patricia Verdugo reproduz em «Salvador Allende – O Crime da Casa Branca». O almirante é o mesmo, mas o general muda; desta vez é Javier Palacios, também da tropa manhosa de Pinochet. Palacios, frente ao cadáver de Allende, fala de forma lacónica em «missão cumprida», em «La Moneda tomada» e em «presidente morto». Fala em castelhano. Já Carvajal prefere o inglês para comunicar as revelações a outros cabecilhas: «They say that Allende commited suicide and is dead now.»
Patricia Verdugo escreve: «Talvez não fosse casual e o almirante soubesse que o estavam a escutar na estação da CIA, facilitando assim a comunicação de tão importante notícia. Talvez… Podemos dar por assente que Nixon e Kissinger [Prémio Nobel da Paz???] o souberam antes do resto dos chilenos.» A autora, jornalista chilena premiada internacionalmente, e activista dos direitos humanos, apresenta uma investigação que só não é absolutamente surpreendente porque nos dias que correm já se sabe o que a casa gasta; a branca, já se vê.
Livro: «Salvador Allende – O Crime da Casa Branca», de Patricia Verdugo (Campo das Letras, 197 pp.)
A casa suspeita do costume
Uma investigação sobre os acontecimentos que levaram à morte de Salvador Allende no dia 11 de Setembro de 1973. Às mãos sujas de Pinochet & friends, chilenos e de mais a norte.
No dia 11 de Setembro de 1973, em Santiago, capital do Chile, o general Augusto Pinochet conversava com um colega de golpe. Dizia assim, referindo-se a Salvador Allende, que viria a morrer nesse dia: «Tenho a impressão de que o senhor civil arrancou nos blindados. E Mendoza não tem contacto com ele?» Respondeu o colega, almirante, de nome Patricio Carvajal: «Não, mas nos blindados não fugiu. Os carros de assalto partiram antes e eu posteriormente falei com ele pelo telefone.» Pinochet disse então: «De acordo. Nesse caso, é preciso impedir a saída e, se ele sair, é preciso prendê-lo.» Pinochet, mais adiante, dizia que era preciso uma rendição incondicional para quem fosse preso, e que era preciso prometer respeitar a vida dessas pessoas. «A vida e a sua integridade física e de seguida despacha-se para qualquer lado.» Carvajal acabou por perguntar se mantinham então a oferta de fazer Allende sair do país, depois de preso. E Pinochet respondeu que sim… «Mantém-se a oferta de o fazer sair do país... E o avião pode cair, por ser velho, quando estiver no mar.»
Este e outros diálogos, com o passar do tempo, acabaram por ser revelados ao mundo. Para vergonha de um mundo que permitiu, e insiste em permitir, que tantos tiranos levem a sua avante, ajudados pela mão nem sempre invisível da casa branca de Washington. Vejamos então outro diálogo, também de 11 de Setembro de 1973, e que Patricia Verdugo reproduz em «Salvador Allende – O Crime da Casa Branca». O almirante é o mesmo, mas o general muda; desta vez é Javier Palacios, também da tropa manhosa de Pinochet. Palacios, frente ao cadáver de Allende, fala de forma lacónica em «missão cumprida», em «La Moneda tomada» e em «presidente morto». Fala em castelhano. Já Carvajal prefere o inglês para comunicar as revelações a outros cabecilhas: «They say that Allende commited suicide and is dead now.»
Patricia Verdugo escreve: «Talvez não fosse casual e o almirante soubesse que o estavam a escutar na estação da CIA, facilitando assim a comunicação de tão importante notícia. Talvez… Podemos dar por assente que Nixon e Kissinger [Prémio Nobel da Paz???] o souberam antes do resto dos chilenos.» A autora, jornalista chilena premiada internacionalmente, e activista dos direitos humanos, apresenta uma investigação que só não é absolutamente surpreendente porque nos dias que correm já se sabe o que a casa gasta; a branca, já se vê.
Fiquei preocupado
Ainda uma coisa dos tempos conturbados do Sporting, na outra semana, depois das derrotas com o Benfica e com os russos. Paulo Bento pedia a sócios e adeptos para não assobiarem, dizerem mal e coisas do género. Dizia que não o afectava (presumo que se considera um ser superior), que só afectava os jogadores (presumo que os considera uns atrasados mentais, ou pelo menos uns rapazes psicologicamente instáveis). Fiquei preocupado e a achar que o homem se calhar até não tem tanto nível como tenho vindo a pensar que poderia ter.
E o Scolari?
Deixei de ouvir falar do Scolari. Ainda é o seleccionador nacional? Está em Portugal? Vai ao escritório (presumo que lhe arranjaram um na federação)? Alguém sabe alguma coisa do homem?
Servir ou não servir
Caneira queixa-se do relvado do estádio do Sporting. Toda a gente viu que a equipa jogou nesse relvado com o Benfica e com os russos e que o Benfica e os russos ganharam porque para eles o estádio – por um fenómeno inexplicável – foi outro, sei lá, tipo o do Estrela da Amadora, que levou uma relva nova aí há uns tempos, relva que até ficou famosa.
Caneira pode queixar-se de a relva não servir para a equipa do Sporting. Quem sou eu para não aceitar isso? Logo eu, que não me canso de dizer que ele, Caneira, não serve para a equipa do Sporting.
Caneira pode queixar-se de a relva não servir para a equipa do Sporting. Quem sou eu para não aceitar isso? Logo eu, que não me canso de dizer que ele, Caneira, não serve para a equipa do Sporting.
quarta-feira, 13 de dezembro de 2006
O regresso de Liedson
Regresso, já se vê, no Setúbal – 0, Sporting – 3 (Liedson, Nani, Liedson), de Sábado à noite. Mesmo assim, com três a zero, continuo a achar que a época acabou. Claro que gostei de ver a equipa sem Polga e sem Custódio (que ainda acabou por dar as caras na parte final, mas faz de conta que ninguém deu por isso). Caneira lá andou (mas também não havia mais nenhum disponível para o lugar) e Ricardo, enfim, esse já se sabe que vai jogar sempre enquanto não for vendido a algum clube mais distraído.
Textos sobre livros – 9
Este «textos sobre livros», o número nove, aparece depois do número seis; mas não é um salto, porque ali abaixo estão dois textos, um sobre «A fórmula de Deus», de José Rodrigues dos Santos, e outro sobre um belíssimo romance de uma jovem escritora galega chamada Rosa Aneiros (são eles o número sete e o número oito). Quanto ao número nove, aqui fica, por causa da morte de Pinochet, no domingo.
O livro chama-se «Pinochet, Epitáfio para um Tirano», foi escrito durante o ano de 1999 pelo jornalista e escritor chileno Pablo Azócar e publicado em 2000 (li-o nesse ano) pela editora Campo das Letras. Primeiro comentário: o título, bem explícito, com o nome do ditador e a palavra tirano, e também a palavra epitáfio. Creio que está tudo na medida certa.
Pablo Azócar, a partir da detenção de Augusto Pinochet em Londres, depois da feliz acção do juiz espanhol Baltazar Garzón, mostra quem foi verdadeiramente o todo-poderoso senhor do Chile durante 17 anos (de 1973 a 1990). Mostra-o desde a infância, como passou de burro – na escola – a tenente (esse é aliás o título de um dos capítulos, «De burro a tenente»), como foram importantes na sua vida duas mulheres – a mãe e a esposa –, como progrediu na carreira militar. E como dois dias antes do golpe de 11 de Setembro de 1973 ainda se mantinha fiel ao governo de Salvador Allende. E também como, à última hora, integrou o grupo de generais revoltosos e acabou por imergir como principal figura da junta militar. Para depois ser a figura única.
Este livro mostra também os podres dos governos da transição chilena, após 1990. Denuncia o branqueamento do papel miserável dos figurões da ditadura, com Pinochet à cabeça. Mostra como tentaram – e como conseguiram – transformá-lo num avozinho incapaz de ter algum dia feito mal a uma mosca.
Só para deixar as coisas bem claras, não resisto a trazer aqui alguns diálogos gravados no dia do golpe, desde o posto de comando das operações:
Pinochet – Tenho a impressão de que o senhor civil (refere-se a Allende) arrancou nos blindados. E Mendoza não tem contacto com ele?
Carvajal – Não, mas nos blindados não fugiu. Os carros de assalto partiram antes e eu posteriormente falei com ele pelo telefone.
Pinochet - De acordo. Nesse caso, é preciso impedir a saída e, se ele sair, é preciso prendê-lo.
Carvajal - Também falei depois com o ajudante de campo naval, que me confirmou que Allende está em La Moneda.
Pinochet - Então, devemos estar prontos para actuar em relação a ele. É melhor matar a cadela e assim acaba-se a cria!
Mais adiante:
Pinochet - Rendição incondicional! Nada de parlamentar, rendição incondicional.
Carvajal - Muito bem, de acordo. Rendição incondicional para quem for preso e prometendo respeitar a sua vida, digamos assim.
Pinochet - A vida e a sua integridade física e de seguida despacha-se para qualquer lado.
Carvajal - De acordo. Ou seja, mantém-se a oferta de o fazer sair do país.
Pinochet - Mantém-se a oferta de o fazer sair do país... E o avião pode cair, por ser velho, quando estiver no mar.
Seguiram-se alguns risos.
O livro chama-se «Pinochet, Epitáfio para um Tirano», foi escrito durante o ano de 1999 pelo jornalista e escritor chileno Pablo Azócar e publicado em 2000 (li-o nesse ano) pela editora Campo das Letras. Primeiro comentário: o título, bem explícito, com o nome do ditador e a palavra tirano, e também a palavra epitáfio. Creio que está tudo na medida certa.
Pablo Azócar, a partir da detenção de Augusto Pinochet em Londres, depois da feliz acção do juiz espanhol Baltazar Garzón, mostra quem foi verdadeiramente o todo-poderoso senhor do Chile durante 17 anos (de 1973 a 1990). Mostra-o desde a infância, como passou de burro – na escola – a tenente (esse é aliás o título de um dos capítulos, «De burro a tenente»), como foram importantes na sua vida duas mulheres – a mãe e a esposa –, como progrediu na carreira militar. E como dois dias antes do golpe de 11 de Setembro de 1973 ainda se mantinha fiel ao governo de Salvador Allende. E também como, à última hora, integrou o grupo de generais revoltosos e acabou por imergir como principal figura da junta militar. Para depois ser a figura única.
Este livro mostra também os podres dos governos da transição chilena, após 1990. Denuncia o branqueamento do papel miserável dos figurões da ditadura, com Pinochet à cabeça. Mostra como tentaram – e como conseguiram – transformá-lo num avozinho incapaz de ter algum dia feito mal a uma mosca.
Só para deixar as coisas bem claras, não resisto a trazer aqui alguns diálogos gravados no dia do golpe, desde o posto de comando das operações:
Pinochet – Tenho a impressão de que o senhor civil (refere-se a Allende) arrancou nos blindados. E Mendoza não tem contacto com ele?
Carvajal – Não, mas nos blindados não fugiu. Os carros de assalto partiram antes e eu posteriormente falei com ele pelo telefone.
Pinochet - De acordo. Nesse caso, é preciso impedir a saída e, se ele sair, é preciso prendê-lo.
Carvajal - Também falei depois com o ajudante de campo naval, que me confirmou que Allende está em La Moneda.
Pinochet - Então, devemos estar prontos para actuar em relação a ele. É melhor matar a cadela e assim acaba-se a cria!
Mais adiante:
Pinochet - Rendição incondicional! Nada de parlamentar, rendição incondicional.
Carvajal - Muito bem, de acordo. Rendição incondicional para quem for preso e prometendo respeitar a sua vida, digamos assim.
Pinochet - A vida e a sua integridade física e de seguida despacha-se para qualquer lado.
Carvajal - De acordo. Ou seja, mantém-se a oferta de o fazer sair do país.
Pinochet - Mantém-se a oferta de o fazer sair do país... E o avião pode cair, por ser velho, quando estiver no mar.
Seguiram-se alguns risos.
sexta-feira, 8 de dezembro de 2006
Houve tempos em que as coisas eram piores
Sim, é verdade, as coisas não estão nada boas no Sporting, e era fácil de ver no que iam dar certas apostas, nomeadamente aquela de meter à mistura com os jovens craques alguns jogadores ou maus ou medíocres. Mas já houve tempos em que as coisas estiveram piores. Veja-se, por exemplo, este texto que escrevi em Fevereiro de 1998…
»»» O Leandro é um bom miúdo
Nos últimos três jogos do campeonato nacional de futebol, em nove pontos possíveis o Sporting conquistou um. A equipa caiu na classificação até ao quinto lugar, escapando do sexto porque o Salgueiros escorregou. Está a dezassete pontos do Porto, a sete do Benfica, a seis do Guimarães e a um do Rio Ave. Para além de tudo isto, como se o cenário não fosse já suficientemente mau, foi eliminado da Taça de Portugal pelo Sporting de Braga, equipa a que também não conseguiu ganhar em casa, há menos de um mês, jogando contra nove adversários. Carlos Manuel, o popular (?) Carlão, tem-se desdobrado em explicações; quer dizer, desdobrado mesmo no verdadeiro sentido da palavra, porque as explicações são as mais variadas. No início da deplorável saga, perdendo, ganhando ou empatando, Carlão dizia sempre que a equipa tinha trabalhado bem, que estava com uma boa atitude, que tinha sido séria, além de outras banalidades que não se deviam admitir nem a um entregador de pizzas, quanto mais a um treinador de um clube de futebol que dirige a equipa que dirige e parece que ganha cinco mil contos por mês. Mas Carlão dizia outras coisas nessa altura, como o futuro ser já amanhã, o Leandro ser um bom miúdo, um campeão, e que era preciso trabalhar bem, de novo ter atitude, ser sério e trabalhar sempre de uma forma séria. Carlão estava na fase da seriedade.
Um dia o Leandro não gostou de uma decisão de Carlão e mandou-o dar uma volta, abandonando o treino em seguida. Da mesma maneira que antes tinha mandado dar uma volta o «Chico Vital» (como chamava José Roquette a Francisco Vital). Carlão não convocou o Leandro para o jogo seguinte, contra o Rio Ave, mas mesmo assim conseguiu arrancar um empate a ferros em Vila do Conde. Dias depois vieram as pazes, Carlão perdoou o Leandro e voltou a convocá-lo, e o Leandro marcou três golos a uma fragilizada equipa do Belenenses. O «miúdo sério e campeão» finalmente deu um ar da sua graça. Um dos raríssimos ares da sua até então escassa graça, e aceitou mesmo, uns dias depois, ir levar um bolo de aniversário a Carlão acompanhado por uma equipa de reportagem da SIC. O «miúdo», a caminho da casa do treinador, nem sabia o que haveria de vir a dizer, mas à chegada lá se desenrascou. Carlão ficou de boca aberta, mas depressa se recompôs e começou com as afirmações da praxe. Que o Leandro, «aquele malandro!», era «um bom miúdo». E que tinham de ficar para jantar, e que não era por aquilo que o Leandro ia jogar se não trabalhasse e se não fosse «um miúdo sério». Era a fase de bem receber do popular (?) Carlão.
Depois Carlão entrou na fase de se trocar todo. Empatou em casa com o Braga, a jogar contra nove esgotados minhotos, e ainda teve a lata de dizer que tinha jogado contra a equipa mais defensiva do campeonato. Passados uns dias, essa mesma equipa tão defensiva despachou-o da Taça de Portugal com três a um. Ainda pior do que o modesto Chaves entretanto fizera, depois de Carlão ter dito que esperava que em Trás-os-Montes não viesse a faltar a luz durante o jogo. Era melhor que tivesse mesmo faltado. Carlão já começava a fazer experiências com os mais novos jogadores da equipa, alguns deles do clube-satélite. O Leandro, o «miúdo sério», tinha que ser acompanhado por outros miúdos, senão era capaz de se zangar outra vez. Ele parecia contentar-se cada vez menos só com doze ou treze mil contos por mês. Precisava de um ambiente mais alegre, e além disso apregoava na capa de uma revista que queria uma namorada. Demonstrava que, além de ser «um miúdo sério» e de ser «um malandro» («Oooolhó malandro do Leandro, veio-me trazer um bolo de aniversário!!»), demonstrava, dizia, que não era nada parvo.
E a fase do trocar-se todo instalou-se mesmo. Carlão entregou os cordelinhos da equipa ao pequeno Afonso Martins. E deu-se mal, tanto mais que o talentoso Pedro Barbosa logo para azar entrou num período em que pouco se mexia pelo relvado. Para ajudar à festa, o marroquino Hadji já há muito que desertara para o Coruña, enquanto que o antes tão estranhamente elogiado Didier Lang mostrou definitivamente o artista que era na realidade. Assim como muitos outros confirmaram também aquilo de que quase toda a gente já desconfiava. Tanto que o Sporting caiu até ao quinto lugar. E o futuro, para Carlão, passou a ser não já amanhã, mas sim bem no próprio futuro, talvez para a próxima época. E a equipa deixou de ser «séria», e de «trabalhar», e de «ter atitude», e de «meter o pé». De forma que as responsabilidades de Carlão, na óptica dele, dele Carlão, entenda-se, só lhe podem por isso começar a ser assacadas na próxima época, para a qual já começa a ter grandes planos de cobiça a alguns jogadores do Salgueiros.
Mas Carlão não tem culpa de tudo; o popular (?) Carlão está inocente. Assim como o popular Quim Barreiros estaria inocente se também o tivessem escolhido para treinador do Sporting. Se calhar Carlão nem tem culpa de nada. Afinal, não foi ele quem se pôs lá, nem foi ele quem gastou dois milhões de contos em meia-dúzia de jogadores que pelas provas dadas poderiam facilmente ser substituídos por um grupo de jovens da divisão de honra. Nem foi ele que escolheu para seu antecessor um treinador que se tinha distinguido precisamente a treinar o Famalicão. Assim como não foi ele que contratou o despropositado Vicente Cantatore para fazer a ligação de vinte dias entre os dois. Além disso, não foi ele que negou apoio ao mesmo Cantatore quando este, mesmo despropositado, começou a querer desfazer-se dos indesejáveis do plantel. E também não foi ele quem fez com que Octávio Machado, que tinha a equipa a lutar em todas as frentes, se demitisse para não ter de aturar aqueles que não passam um dia sem disparar contra os próprios pés. Ou melhor, contra as patas do desgraçado do leão.
»»» O Leandro é um bom miúdo
Nos últimos três jogos do campeonato nacional de futebol, em nove pontos possíveis o Sporting conquistou um. A equipa caiu na classificação até ao quinto lugar, escapando do sexto porque o Salgueiros escorregou. Está a dezassete pontos do Porto, a sete do Benfica, a seis do Guimarães e a um do Rio Ave. Para além de tudo isto, como se o cenário não fosse já suficientemente mau, foi eliminado da Taça de Portugal pelo Sporting de Braga, equipa a que também não conseguiu ganhar em casa, há menos de um mês, jogando contra nove adversários. Carlos Manuel, o popular (?) Carlão, tem-se desdobrado em explicações; quer dizer, desdobrado mesmo no verdadeiro sentido da palavra, porque as explicações são as mais variadas. No início da deplorável saga, perdendo, ganhando ou empatando, Carlão dizia sempre que a equipa tinha trabalhado bem, que estava com uma boa atitude, que tinha sido séria, além de outras banalidades que não se deviam admitir nem a um entregador de pizzas, quanto mais a um treinador de um clube de futebol que dirige a equipa que dirige e parece que ganha cinco mil contos por mês. Mas Carlão dizia outras coisas nessa altura, como o futuro ser já amanhã, o Leandro ser um bom miúdo, um campeão, e que era preciso trabalhar bem, de novo ter atitude, ser sério e trabalhar sempre de uma forma séria. Carlão estava na fase da seriedade.
Um dia o Leandro não gostou de uma decisão de Carlão e mandou-o dar uma volta, abandonando o treino em seguida. Da mesma maneira que antes tinha mandado dar uma volta o «Chico Vital» (como chamava José Roquette a Francisco Vital). Carlão não convocou o Leandro para o jogo seguinte, contra o Rio Ave, mas mesmo assim conseguiu arrancar um empate a ferros em Vila do Conde. Dias depois vieram as pazes, Carlão perdoou o Leandro e voltou a convocá-lo, e o Leandro marcou três golos a uma fragilizada equipa do Belenenses. O «miúdo sério e campeão» finalmente deu um ar da sua graça. Um dos raríssimos ares da sua até então escassa graça, e aceitou mesmo, uns dias depois, ir levar um bolo de aniversário a Carlão acompanhado por uma equipa de reportagem da SIC. O «miúdo», a caminho da casa do treinador, nem sabia o que haveria de vir a dizer, mas à chegada lá se desenrascou. Carlão ficou de boca aberta, mas depressa se recompôs e começou com as afirmações da praxe. Que o Leandro, «aquele malandro!», era «um bom miúdo». E que tinham de ficar para jantar, e que não era por aquilo que o Leandro ia jogar se não trabalhasse e se não fosse «um miúdo sério». Era a fase de bem receber do popular (?) Carlão.
Depois Carlão entrou na fase de se trocar todo. Empatou em casa com o Braga, a jogar contra nove esgotados minhotos, e ainda teve a lata de dizer que tinha jogado contra a equipa mais defensiva do campeonato. Passados uns dias, essa mesma equipa tão defensiva despachou-o da Taça de Portugal com três a um. Ainda pior do que o modesto Chaves entretanto fizera, depois de Carlão ter dito que esperava que em Trás-os-Montes não viesse a faltar a luz durante o jogo. Era melhor que tivesse mesmo faltado. Carlão já começava a fazer experiências com os mais novos jogadores da equipa, alguns deles do clube-satélite. O Leandro, o «miúdo sério», tinha que ser acompanhado por outros miúdos, senão era capaz de se zangar outra vez. Ele parecia contentar-se cada vez menos só com doze ou treze mil contos por mês. Precisava de um ambiente mais alegre, e além disso apregoava na capa de uma revista que queria uma namorada. Demonstrava que, além de ser «um miúdo sério» e de ser «um malandro» («Oooolhó malandro do Leandro, veio-me trazer um bolo de aniversário!!»), demonstrava, dizia, que não era nada parvo.
E a fase do trocar-se todo instalou-se mesmo. Carlão entregou os cordelinhos da equipa ao pequeno Afonso Martins. E deu-se mal, tanto mais que o talentoso Pedro Barbosa logo para azar entrou num período em que pouco se mexia pelo relvado. Para ajudar à festa, o marroquino Hadji já há muito que desertara para o Coruña, enquanto que o antes tão estranhamente elogiado Didier Lang mostrou definitivamente o artista que era na realidade. Assim como muitos outros confirmaram também aquilo de que quase toda a gente já desconfiava. Tanto que o Sporting caiu até ao quinto lugar. E o futuro, para Carlão, passou a ser não já amanhã, mas sim bem no próprio futuro, talvez para a próxima época. E a equipa deixou de ser «séria», e de «trabalhar», e de «ter atitude», e de «meter o pé». De forma que as responsabilidades de Carlão, na óptica dele, dele Carlão, entenda-se, só lhe podem por isso começar a ser assacadas na próxima época, para a qual já começa a ter grandes planos de cobiça a alguns jogadores do Salgueiros.
Mas Carlão não tem culpa de tudo; o popular (?) Carlão está inocente. Assim como o popular Quim Barreiros estaria inocente se também o tivessem escolhido para treinador do Sporting. Se calhar Carlão nem tem culpa de nada. Afinal, não foi ele quem se pôs lá, nem foi ele quem gastou dois milhões de contos em meia-dúzia de jogadores que pelas provas dadas poderiam facilmente ser substituídos por um grupo de jovens da divisão de honra. Nem foi ele que escolheu para seu antecessor um treinador que se tinha distinguido precisamente a treinar o Famalicão. Assim como não foi ele que contratou o despropositado Vicente Cantatore para fazer a ligação de vinte dias entre os dois. Além disso, não foi ele que negou apoio ao mesmo Cantatore quando este, mesmo despropositado, começou a querer desfazer-se dos indesejáveis do plantel. E também não foi ele quem fez com que Octávio Machado, que tinha a equipa a lutar em todas as frentes, se demitisse para não ter de aturar aqueles que não passam um dia sem disparar contra os próprios pés. Ou melhor, contra as patas do desgraçado do leão.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2006
O fim confirmado
Como escrevi ali abaixo, depois da desgraça com o Benfica, aconteceu aquilo que se esperava: a humilhação perante uma equipa dos escalões secundários da Europa do futebol [Sporting – 1 (Bueno), Spartak de Moscovo – 3]. Os equívocos que têm vindo a suceder-se deixavam entender um desfecho assim. Não consigo imaginar o que será por estes tempos o dia-a-dia de toda aquela gente que está envolvida no futebol do Sporting… Atente-se em alguns pormenores… Miguel Veloso estava a revelar-se no início da época como um jogador promissor e mesmo quando jogava abaixo do que tinha mostrado antes nunca desistia de lutar; havia ainda Carlos Paredes, que em melhor ou em pior forma é sempre um jogador de topo – mas a opção recaiu num jogador medíocre como Custódio mal este recuperou de uma lesão. O exemplo que se está a dar é arrasador para qualquer estrutura: a valorização do estatuto (que não consigo perceber onde Custódio arranjou) em detrimento do mérito. Mais um pormenor… Que exemplo se dá aos jovens em quem tanto se aposta, por exemplo jovens defesas centrais dos escalões juniores e juvenis, quando se tem na equipa um jogador como Anderson Polga, que está a anos-luz de ter lugar nem digo na equipa inicial, mas no plantel? Outro pormenor… Que exemplo se dá a Rui Patrício quando se confia a baliza a um guarda-redes como Ricardo? É um pouco como dizia o Nobel espanhol da literatura, de 1989, Camilo José Cela, sobre a sua personagem mais famosa, um tal de Pascual Duarte: «vês o que faz, pois faz exactamente o contrário daquilo que deveria fazer». Paulo Bento, que é um treinador a quem reconheço valor, está a falhar nos exemplos que dá, está a fazer em muitas situações exactamente o contrário daquilo que deveria fazer. Isso espanta-me, porque ainda acho que ele é muito valioso para o Sporting, e tão mais valioso se nos lembrarmos dos exemplos de mediocridade que deixaram os dois treinadores anteriores (José Peseiro e Fernando Santos). Mas não sei se Paulo Bento conseguirá segurar as coisas no ponto em que estão. Quanto aos dirigentes, como habitualmente, não é de esperar que façam grande coisa.
sábado, 2 de dezembro de 2006
O fim
Parece-me que a época terminou ontem à noite para o Sporting. Não é por uma derrota que se compromete um percurso de dez meses, mas ontem à noite foi diferente. Eu tenho vindo a manter a esperança de que apesar de ter alguns jogadores medíocres no plantel (jogadores que com Paulo Bento fazem o papel de figuras nucleares) com os restantes é possível ir vencendo as dificuldades. Mas ontem à noite (Sporting – 0, Benfica – 2) convenci-me de que não. A equipa, mesmo jogando mal, poderia ter marcado um golo ou dois e se calhar até ganharia o jogo sem grandes dificuldades; talvez partisse, se os marcasse, para uma vitória por mais do que um ou dois golos, até porque a equipa do Benfica é fraca e tem um mau treinador (que o Sporting, infelizmente, bem conhece, embora ele nunca tenha chegado aos níveis indigentes de José Peseiro). Mas sofrendo os dois golos que sofreu, nem pensar em vitórias; dois golos que mostram os perigos de ter na equipa jogadores medíocres como Polga (é mesmo difícil arranjar palavras para descrever um jogador tão mau), que deitou tudo a perder ao nem se preocupar com o jogador do Benfica que marcou o primeiro golo, ou como Custódio, que se desviou para Simão passar e fazer o segundo golo. Polga foi campeão mundial com Scolari, mas ser escolhido para uma equipa de Scolari não é garantia de ser um bom jogador, como se sabe, e Custódio é o capitão do Sporting, mas isso eu nunca serei capaz de perceber como poderá ter sido possível. Uma última nota, para uma situação que ocorreu já perto do final, a da expulsão de Polga: agrediu um jogador do Benfica, e foi bem expulso, o mesmo jogador que depois agrediu João Moutinho, sendo igualmente bem expulso; mas Polga não agrediu com um pontapé, um com uma cotovelada, como agora parece ser moda no futebol português, agrediu com um coice – até nas agressões aquele que é inacreditavelmente considerado por muita gente como um esteio (uso esta palavra por ser frequente vê-la nos nossos jornais do pontapé na bola, quase tão frequente como pilar) da defesa do Sporting mostra como de facto não nasceu com vocação para ser futebolista.
Os «uhs» das personagens de Rodrigues dos Santos
Deixo a seguir um texto que escrevi há poucos dias para uma revista mas que acabou por não ser publicado – tem a ver com o mundo dos blogs e com o novo romance de José Rodrigues dos Santos.
Ao contrário do que esperava, não dei por que fosse grande o falatório sobre o novo romance de José Rodrigues dos Santos no mundo dos blogs. No anterior a coisa teve mais destaque, muito à custa de uma cena que o mesmo protagonista deste romance – um professor de História da Universidade Nova de Lisboa – tinha com uma suposta estudante sueca do Programa Erasmus (cena que metia uma sopa feita com o próprio leite). Desta vez, dei apenas com alguns textos, digamos assim, de divulgação e com uma entrevista simulada (que um tal General Pum Pum assina).
Para exemplo do que encontrei, deixo um excerto do blog «Os Livros»; a certa altura pode ler-se isto: «Uma história de amor, uma intriga de traição, uma perseguição implacável, uma busca espiritual que nos leva à mais espantosa revelação mística de todos os tempos.» E depois continua… «Baseada nas últimas e mais avançadas descobertas científicas nos campos da física, da cosmologia e da matemática, ‘A Fórmula de Deus’ transporta-nos numa surpreendente viagem até às origens do tempo, à essência do universo e o sentido da vida.». No fim, aparece isto: «Sem dúvida uma leitura imperdível para os apreciadores do género e que fará qualquer um repensar a sua vida e o mundo que nos rodeia.»
Eu li o livro e não repensei a minha vida (e até ver também não repensei o «mundo que nos rodeia»). Gostei de ir acompanhando a história, como já tinha acontecido com as duas anteriores – aquela em que o tal professor se meteu a deslindar uma investigação sobre Cristóvão Colombo feita por um velhote, também professor, e a outra que tem como pano de fundo a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial. É um pouco como os livros de Dan Brown, nos quais avancei com uma curiosidade que até me fez desculpar os pontapés na gramática ou coisas mais inesperadas como uma do último título que até cá chegou («Fortaleza Digital», de 1998, ou seja, anterior ao «Código da Vinci»), nem mais nem menos do que um mercenário lisboeta chamado Hulohot, surdo, com uns óculos ligados a um computador alojado no peito, fazendo as pontas dos dedos de teclado, isto além de o homem falar sempre em castelhano.
De «A Fórmula de Deus», portanto, posso dizer que gostei de acompanhar os acontecimentos até ao fim. Claro que teria sido mais cómoda a leitura se em vez de levar apenas uma revisão científica (a de Carlos Fiolhais) o livro tivesse também levado uma revisão a sério do português (um dos muitos exemplos é a proliferação de situações do género «por causa do tipo tal tal tal ter chegado» em vez do que seria correcto, «por causa de o…), o que é preocupante num texto já de si literariamente pobre e com imagens em que tudo parece servir para fazer comparações (veja-se as descrições de Coimbra, a cidade onde vivem os pais do protagonista, bem distintas das que se podem encontrar, por exemplo, no belíssimo capítulo inicial do romance «Os Sinos de S. Bartolomeu», de Nuno de Figueiredo).
Para terminar, uma situação que nunca tinha encontrado. As personagens de «A Fórmula de Deus», quando falam (e algumas falam muito, pois boa parte do livro é feita de diálogos nos quais, na maioria dos casos, são descritas teorias científicas e enumerados dados científicos, além de que havendo nacionalidades tão diferentes normalmente não se sabe que idioma é usado, presumindo-se que seja o inglês), as personagens, dizia, quando falam recorrem com frequência ao uso de um enigmático «uh», na maior parte dos casos quando têm hesitações, ou quando se admiram devido a alguma coisa. Deixo alguns exemplos… Tomás, o protagonista («Uh… sim, claro… conto-vos tudo em função… uh…»); um iraniano que está feito com a CIA («Segurança nacional, uh?»); um físico da Universidade de Coimbra («Uh… bem… sim.»); o pai de Tomás («Bem… uh…); o «adido cultural» (exactamente assim, entre aspas) da embaixada norte-americana em Lisboa («Uh… Ele deve estar a chegar.»); um coronel do exército iraniano («Vai queixar-se a quem? Uh? À sua mãezinha?»).
Soa a repetitivo, obviamente. Mas há mais… A mãe de Tomás («Não há hipóteses de tu e a Constança… uh… vocês…»); um alto responsável da CIA que umas vezes diz «You’re a fucking genius.» e outras «Você é um fucking génio.» («Hmm… sensível, uh? Já vi que está apaixonado…»); o médico do pai de Tomás («Bem… uh… isso depende dos casos, não é?); uma aluna da Universidade de Coimbra («Bem, professor… uh… eu não sei… não sei.»); a iraniana com quem Tomás se envolve («Eu… uh… sou um caso especial.»); um aluno da mesma universidade («Bem… uh… acho que… acho que é a primeira letra do alfabeto grego.»); um iraniano que faz de motorista («Uh?»); e por aí adiante.
Mas no livro nem toda a gente aparece com esta estranha insistência no «uh»? Entre outras personagens, há dois monges tibetanos em relação aos quais não dei por nada, embora um tenha a certa altura ameaçado com um agá seguido por dois émes a denotar, pareceu-me, que qualquer coisa estava a intrigá-lo; quem sabe, não percebia a razão pela qual Rodrigues dos Santos não lhe tinha arranjado nem um único «uh» enigmático.
Blogs que consultei:
- http://oslivros.blogs.sapo.pt/ («Os livros»), com textos assinados por «O Crítico»;
- http://textosparatudo.blogspot.com/ («Textos para tudo»), com textos assinados por «V. F.»;
- http://memoriavirtual.wordpress.com/ («Memória virtual), mantido por Leonel Vicente;
- http://mardeross.wodprss.com/ («A vida é um mar de rosas»), com textos assinados por «arlequim».
Ao contrário do que esperava, não dei por que fosse grande o falatório sobre o novo romance de José Rodrigues dos Santos no mundo dos blogs. No anterior a coisa teve mais destaque, muito à custa de uma cena que o mesmo protagonista deste romance – um professor de História da Universidade Nova de Lisboa – tinha com uma suposta estudante sueca do Programa Erasmus (cena que metia uma sopa feita com o próprio leite). Desta vez, dei apenas com alguns textos, digamos assim, de divulgação e com uma entrevista simulada (que um tal General Pum Pum assina).
Para exemplo do que encontrei, deixo um excerto do blog «Os Livros»; a certa altura pode ler-se isto: «Uma história de amor, uma intriga de traição, uma perseguição implacável, uma busca espiritual que nos leva à mais espantosa revelação mística de todos os tempos.» E depois continua… «Baseada nas últimas e mais avançadas descobertas científicas nos campos da física, da cosmologia e da matemática, ‘A Fórmula de Deus’ transporta-nos numa surpreendente viagem até às origens do tempo, à essência do universo e o sentido da vida.». No fim, aparece isto: «Sem dúvida uma leitura imperdível para os apreciadores do género e que fará qualquer um repensar a sua vida e o mundo que nos rodeia.»
Eu li o livro e não repensei a minha vida (e até ver também não repensei o «mundo que nos rodeia»). Gostei de ir acompanhando a história, como já tinha acontecido com as duas anteriores – aquela em que o tal professor se meteu a deslindar uma investigação sobre Cristóvão Colombo feita por um velhote, também professor, e a outra que tem como pano de fundo a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial. É um pouco como os livros de Dan Brown, nos quais avancei com uma curiosidade que até me fez desculpar os pontapés na gramática ou coisas mais inesperadas como uma do último título que até cá chegou («Fortaleza Digital», de 1998, ou seja, anterior ao «Código da Vinci»), nem mais nem menos do que um mercenário lisboeta chamado Hulohot, surdo, com uns óculos ligados a um computador alojado no peito, fazendo as pontas dos dedos de teclado, isto além de o homem falar sempre em castelhano.
De «A Fórmula de Deus», portanto, posso dizer que gostei de acompanhar os acontecimentos até ao fim. Claro que teria sido mais cómoda a leitura se em vez de levar apenas uma revisão científica (a de Carlos Fiolhais) o livro tivesse também levado uma revisão a sério do português (um dos muitos exemplos é a proliferação de situações do género «por causa do tipo tal tal tal ter chegado» em vez do que seria correcto, «por causa de o…), o que é preocupante num texto já de si literariamente pobre e com imagens em que tudo parece servir para fazer comparações (veja-se as descrições de Coimbra, a cidade onde vivem os pais do protagonista, bem distintas das que se podem encontrar, por exemplo, no belíssimo capítulo inicial do romance «Os Sinos de S. Bartolomeu», de Nuno de Figueiredo).
Para terminar, uma situação que nunca tinha encontrado. As personagens de «A Fórmula de Deus», quando falam (e algumas falam muito, pois boa parte do livro é feita de diálogos nos quais, na maioria dos casos, são descritas teorias científicas e enumerados dados científicos, além de que havendo nacionalidades tão diferentes normalmente não se sabe que idioma é usado, presumindo-se que seja o inglês), as personagens, dizia, quando falam recorrem com frequência ao uso de um enigmático «uh», na maior parte dos casos quando têm hesitações, ou quando se admiram devido a alguma coisa. Deixo alguns exemplos… Tomás, o protagonista («Uh… sim, claro… conto-vos tudo em função… uh…»); um iraniano que está feito com a CIA («Segurança nacional, uh?»); um físico da Universidade de Coimbra («Uh… bem… sim.»); o pai de Tomás («Bem… uh…); o «adido cultural» (exactamente assim, entre aspas) da embaixada norte-americana em Lisboa («Uh… Ele deve estar a chegar.»); um coronel do exército iraniano («Vai queixar-se a quem? Uh? À sua mãezinha?»).
Soa a repetitivo, obviamente. Mas há mais… A mãe de Tomás («Não há hipóteses de tu e a Constança… uh… vocês…»); um alto responsável da CIA que umas vezes diz «You’re a fucking genius.» e outras «Você é um fucking génio.» («Hmm… sensível, uh? Já vi que está apaixonado…»); o médico do pai de Tomás («Bem… uh… isso depende dos casos, não é?); uma aluna da Universidade de Coimbra («Bem, professor… uh… eu não sei… não sei.»); a iraniana com quem Tomás se envolve («Eu… uh… sou um caso especial.»); um aluno da mesma universidade («Bem… uh… acho que… acho que é a primeira letra do alfabeto grego.»); um iraniano que faz de motorista («Uh?»); e por aí adiante.
Mas no livro nem toda a gente aparece com esta estranha insistência no «uh»? Entre outras personagens, há dois monges tibetanos em relação aos quais não dei por nada, embora um tenha a certa altura ameaçado com um agá seguido por dois émes a denotar, pareceu-me, que qualquer coisa estava a intrigá-lo; quem sabe, não percebia a razão pela qual Rodrigues dos Santos não lhe tinha arranjado nem um único «uh» enigmático.
Blogs que consultei:
- http://oslivros.blogs.sapo.pt/ («Os livros»), com textos assinados por «O Crítico»;
- http://textosparatudo.blogspot.com/ («Textos para tudo»), com textos assinados por «V. F.»;
- http://memoriavirtual.wordpress.com/ («Memória virtual), mantido por Leonel Vicente;
- http://mardeross.wodprss.com/ («A vida é um mar de rosas»), com textos assinados por «arlequim».
terça-feira, 28 de novembro de 2006
Dois jogos
Em viagem por terras ao que dizem mais civilizadas do que as nossas, não consegui ver o Inter – 1, Sporting – 0; ou melhor, vi um bocadinho (ia numa rua, quando o jogo estava no intervalo, e de repente dei na televisão de um restaurante com a repetição do golo do Inter; já no hotel acabei por ver os últimos cinco minutos do jogo). Do golo, retive uma coisa extraordinária do incorrigível Ricardo: com o argentino Crespo pela frente, a rematar isolado, antes de se fazer à bola lembrou-se de ajeitar os calções com as luvas (ou quem sabe as luvas com os calções), e repetiu a graça num lance já perto do final. De qualquer maneira, o golo não foi nenhum frango como o que deixou no jogo de Lisboa frente ao Bayern e que começou a estragar a carreira do clube na liga dos campeões.
Já o Naval – 0, Sporting -1 (Ronny) deixou-me preocupado, pela inoperância da equipa em muitos períodos do jogo, parece-me que em parte emperrada pelo sofrível Custódio, que Paulo Bento insiste em fazer jogar em vez de Miguel Veloso. Quanto ao golo, o injustiçado Ronny (não cabe na cabeça de ninguém estar tapado por um jogador – ? – como Caneira) acabou por ter uma pequena vingança.
O quarto jogador-problema do plantel, Polga, em ambos os jogos, por lá andou. Não se pode negar que é esforçado, mas a falta de jeito de vez em quando estraga tudo (e com falta de jeito pode-se perder um campeonato, por exemplo).
Já o Naval – 0, Sporting -1 (Ronny) deixou-me preocupado, pela inoperância da equipa em muitos períodos do jogo, parece-me que em parte emperrada pelo sofrível Custódio, que Paulo Bento insiste em fazer jogar em vez de Miguel Veloso. Quanto ao golo, o injustiçado Ronny (não cabe na cabeça de ninguém estar tapado por um jogador – ? – como Caneira) acabou por ter uma pequena vingança.
O quarto jogador-problema do plantel, Polga, em ambos os jogos, por lá andou. Não se pode negar que é esforçado, mas a falta de jeito de vez em quando estraga tudo (e com falta de jeito pode-se perder um campeonato, por exemplo).
terça-feira, 21 de novembro de 2006
Uma esperança
Marítimo – 0, Sporting – 1 (Rodrigo Tello). Uma nota de esperança para a estreia do jovem Rui Patrício na baliza do Sporting. Pode ser que esteja a aparecer finalmente um guarda-redes de jeito para o Sporting ao fim de vários anos. E já não será necessário andar sempre a fazer figas para o Ricardo não afundar a equipa.
Uma nota inexplicável
Vi um bocadinho do último programa de Marcelo Rebelo de Sousa na RTP. E por esse bocadinho consegui perceber que achou a entrevista de Cavaco Silva na SIC muito fraquinha (foi mesmo muito fraquinha e outra coisa não seria de esperar de Cavaco). O problema, de Marcelo, parece-me a mim, foi a nota que não resistiu a dar: treze – ou, com um bocadinho de «caridade cristã», catorze. Eu pensava que coisas fraquinhas levavam chumbo, ou então, com caridade (cristã ou de outro tipo) um dez, para desenrascar, mas catorze… Enfim, no meio disto tudo, Marcelo acabou por estar ao nível de Cavaco; e o episódio ficou ao nível daquilo do «não li, mas gostei» da divulgação de livros.
terça-feira, 7 de novembro de 2006
O jogo com o Braga
Sporting – 3 (dois autogolos; Alecsandro), Braga – 0. Tudo tranquilo. Paulo Bento continua com a rotatividade, mas não há meio de abdicar dos quatro jogadores-problema do plantel (Ricardo, Caneira, Polga e Custódio). Dentro do ambiente tranquilo, destaque para as aflições de Polga (se num jogo destes é assim, então num jogo à séria…).
segunda-feira, 6 de novembro de 2006
A propósito de «Os Grandes Portugueses»
Não tenho tido ocasião para ver o programa de televisão sobre os grandes portgueses, tenho é acompanhado o ruído em volta dele e o aparecimento de coisas do género os pequenos portugueses, os portugueses médios ou o pior português; a propósito deste último, ouvi inclusivamente alguém enganar-se e sair-se com uma coisa deliciosa – um concurso para encontrar o melhor português, sim, mas do mundo (José Júdice, no programa da SIC Notícias «O Eixo do Mal). José Júdice, clarifique-se, foi o autor do engano, não o vencedor do concurso, claro (nem sequer foi aberto, mas como neste país já quase não é precio abrir concurso para nada...).
Do ruído desta coisa toda que começou com os grandes portugueses, o que mais me tem pasmado tem a ver com o Salazar e com as opiniões absolutamente antagónicas que desperta. Acho que nunca vou entender como isto é possível, mas também não estou a pensar fazer nenhum esforço especial para o conseguir. Tenho bem claro o lugar que um criminoso como Salazar deve ter em qualquer iniciativa que pretenda distinguir (no bom sentido) as pessoas notáveis da nossa História.
Para que se possa reflectir sobre o regime deste grande criminoso português (num concurso sobre os grandes criminosos portugueses, aí sim, Salazar haveria de distinguir-se), deixo a seguir um texto que escrevi acerca de um romance de uma jovem escritora espanhola (da Galiza) e uma entrevista que fiz com ela. O romance chama-se «Resistência» (Publicações Dom Quixote, 259 pp.) e a autora Rosa Aneiros. Uma última nota: na entrevista, Rosa Aneiros fala de Álvaro Cunhal; também não me parece que haja lugar para ele nos grandes portugueses – os extremos tocam-se.
*****
Texto sobre o romance «Resistência» [escrito em meados de 2004]
Por cá, resiste-se
«Resistência» é um extraordinário romance que acompanha várias histórias de amor, numa das quais se luta quase até à morte contra a ditadura criminosa de Salazar e de Caetano, e contra o destino. Escreveu-o uma jornalista galega.
É o Portugal pequenino, enjaulado e sem futuro do Estado Novo que se mostra em «Resistência», mesmo que o romance avance até épocas bem mais próximas, já muito depois da revolução de Abril de 1974. O país que agora vai ficando esquecido, para o bem e para o mal. Talvez possa parecer estranho esta história ter sido escrito por uma pessoa de outro país, mas se calhar acaba por ser o mais natural. A vergonha da ditadura de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano, dois criminosos a quem em Portugal ainda muita gente se refere como doutor Salazar e professor Marcello Caetano, tem andado muito afastada da nossa literatura, pelo menos dos seus actores mais destacados. À semelhança do que tem acontecido noutras áreas, como se o importante fosse mesmo esquecer, ou fazer de conta que afinal tudo não passou de um pesadelo. Por cá resiste-se, resiste-se a falar, a escrever, a filmar, a representar.
Rosa Aneiros (n. 1976, Galiza), jornalista de profissão, aventura-se no romance, com um intenso trabalho de documentação que incluiu entrevistas com Álvaro Cunhal, depois de escrever contos e um livro juvenil. Acompanha quatro histórias de amor, todas elas marcadas de forma trágica. A de Rui Rodrigues, um rico industrial fixado em Coimbra, e da galega Inês; a de Leonor, mãe de Rui Rodrigues, e do «seu homem» que «marchara para o Brasil»; a de Isaura, analfabeta, uma mulher só, e do operário vidreiro António Gonçalves; e a de Filipa, filha do industrial, e de Dinis, fruto da união sempre mantida em segredo entre Isaura e António. Filipa e Dinis conhecem-se muito novos, ainda adolescentes, em São Pedro de Moel. Mal se vêem, começa a sua história, quase secreta, interrompida tantas vezes, pela necessidade de esconderem o namoro entre a filha de um industrial e de um operário, pela guerra colonial, pela prisão da ditadura. É para Peniche que Dinis acaba por ir, feito um farrapo. Já está ligado ao Partido Comunista, e Filipa ligar-se-á a seguir à prisão, ela que o levou a aprender ler, ela que lhe permitiu a descoberta de tantas coisas, nos livros, nela própria.
Dinis sai da prisão com o 25 de Abril. Filipa está no Brasil, julgando-o morto. Vinte anos mais tarde, em 1994, Filipa visita Peniche, visita um museu inaugurado pela câmara municipal em 1984. «- Tivemos a alma da resistência entre estes muros durante 40 anos.» Filipa está no mesmo local onde visitou Dinis uma única vez, uma visão fugaz de Dinis quase irreconhecível. «Bateram-lhe nos olhos então mais textos, uma dúzia deles com uma caligrafia infantil extremamente familiar. Era indiscutivelmente Dinis.» É o mesmo ano do início do livro... «Naquele dia de Verão de 1994, Dinis estava sentado, no alto de uma falésia em São Pedro de Moel, como tantas outras tardes. Tinha a cana de pesca lançada ao mar e o anzol brincava por entre as ondas atlânticas num jogo de sedução mortal.» E o mesmo do fim, com Filipa. «Entrou no carro e partiu de Peniche tão confusa como apressada. Tomou a estrada que ligava à A8 e acelerou tanto quanto o veículo permitiu.» Tinha «uma sentença», escrita por Dinis, entre tantas coisas... «Aguarda-me, Filipa, aguarda-me. Eu aguardar-te-ei sempre.»
*****
Entrevista com Rosa Aneiros [feita em meados de 2004]
Procurada pelas personagens
Na antiga prisão de Peniche, a jovem escritora galega Rosa Aneiros deu de caras com os contos do primeiro preso que de lá saiu depois do 25 de Abril. Chamava-se Dinis Miranda esse preso, e com os seus escritos como que lhe pedia que fosse contada uma história como a do romance «Resistência». A quantos portugueses não o teria já feito até então? Talvez tenha pedido a muitos, mas a literatura de cá do sítio nunca prestou especial atenção aos tempos da ditadura da Salazar e de Marcello Caetano. Nem interessa agora estar a remoer nas razões para ter sido assim. Olhemos antes para o que escreve em terras da Galiza uma jovem que afirma serem as personagens a procutrá-la. Por exemplo, Dinis, uma das principais de «Resistência».
Como surgiu a ideia de escrever «Resistência»?
Há dois verões, passei férias nos lugares em que decorre o romance: Marinha Grande, São Pedro de Moel, Coimbra, Leiria, Nazaré e, finalmente, Peniche. Marcou-me muito, especialmente o Pinhal do Rei, essa imensa extensão de pinheiro bravo que um rei mandou cultivar e que viria a fornecer a madeira para a construção das naus das expedições portuguesas pelo mundo. E as fábricas do vidro. E aquele Atlântico aberto em canal. E Peniche, onde descobri um museu no qual, entre outras salas, reconstruíram a parte do cárcere para presos políticos. Aí estiveram durante décadas e décadas os presos da ditadura primeiro de Salazar e depois de Marcello Caetano. Foi reabilitada a sala do parlatório, onde os presos comunicavam com os seus familiares, reconstruídas as celas, a biblioteca onde tinham os livros e também várias salas com documentação retirada aos presos e folhas com apontamentos da PIDE sobre os mesmos. Umas cartas que o preso Dinis Miranda escreveu da prisão às suas filhas chamaram-me muitíssimo a atenção. Eram uns contos ilustrados, lindos, que a PIDE não deixou sair das paredes do cárcere por haver a hipótese de conterem mensagens clandestinas. A partir daí, decidi construir uma história de ficção, mas que respeitasse o máximo possível a verdade das pessoas que viveram essa situação penosa. Foi um sábio conselho que me deu o senhor Álvaro Cunhal e que eu quis seguir à letra. Tudo foi sendo retirado de um fio narrativo e a construção das personagens e das situações veio um pouco solta... Precisei de muita documentação, tanto escrita como de pessoas que viveram as situações que em «Resistência» se relatam.
...
Creio que escrever uma história sobre Portugal não foi uma decisão livre e voluntária. Diria mais que Portugal me escolheu a mim. Houve algumas personagens que me chegaram à cabeça e decidiram que queriam - mais, exigiam - contar-me a sua história. Eu dei-lhe corpo de romance.
A ditadura de Franco, que andou muito a par da portuguesa, embora tenha terminado de maneira bem diferente, poderia ter-lhe inspirado um romance como «Resistência»?
Sim, claro que sim. Poderia dar para uma história como «Resistência», mas não igual. Apesar de terem sido ditaduras coexistentes no mesmo momento histórico, as suas condições foram diferentes, as derrotas dos ditadores também e, sobretudo, a transição para a democracia foi bem diferente. Aqui é costume dizer que o ditador morreu na cama e isso é algo que a juventude, de certa maneira, atira à cara da geração anterior. Não o derrubaram, morreu de velho. Um das coisas que mais me chamou a atenção em Portugal foi, precisamente, a existência de um museu que recorda as vítimas da ditadura, os presos políticos e todas as pessoas que sofreram por expressarem as suas ideias. Em Espanha não existiu essa fase. Colocou-se terra em cima de tudo o que foi o franquismo, e por não existir não existe nem um reconhecimento às vítimas caídas durante a guerra ou durante a ditadura. Não se fala disso. As associações pela recuperação da memória histórica que pretendem recuperar os cadáveres dos «paseados» têm problemas para serem reconhecidas em muitas comunidades e não lhes permitirem a exumação de corpos soterrados em valas comuns. Não existem museus, e quase não se trata do assunto nas escolas. Colocou-se um manto sobre ele para não reavivar feridas e, não obstante, os mortos estão aí, na mente dos perdedores. Há duas Espanhas que não se encontraram ainda. Isto é bem diferente de Portugal. Além do mais, aqui existem muitas, muitíssimos, romances − ocorre-me particularmente «O lápis do carpinteiro», de Manuel Rivas − que falam sobre as vítimas da guerra civil espanhola. Apetecia-me mudar de cenário, sobretudo pelo desafio que supunha chegar-me, outra história, outra gente, outro espaço.
Isso de existirem em Espanha muitos romances sobre a guerra civil... A Portugal têm chegado alguns, o que referiu, ou «Soldados de Salamina», ou até a obra de Cela, por exemplo «A família de Pascual Duarte», editado há muitos anos e depois reeditado em clube de livro, ou a «Mazurca...», embora não retratem directamente a guerra. Acontece o mesmo sobre os tempos posteriores?
Sobre a guerra civil existem muitos romances, e também sobre o duro tempo do pós-guerra e do exílio. Falando do conflito em si, além do já citado de Manuel Rivas ou de «Soldados de Salamina» há muitos outros relacionados também com o «romanticismo e idealismo», por exemplo, dos brigadistas internacionais, visto por autores de fora como Hemingway, mas nem só romances, também fotos (a famosa de Frank Kappa) e muitos filmes, «O sonho de Carol», «A língua das borboletas», «Terra e liberdade»... Do pós-guerra também temos muitos trabalhos artísticos, creio que por ter sido um período muito duro e negro da história de Espanha, com muitas vinganças nos primeiros anos, fome, obscurantismo religioso... «Vento ferido» ou «Os mortos daquele Verão», de Carlos Casares, e vários relatos de Méndez Ferrín são as primeiras que se me vêm à cabeça, mas existem muitas outras, sem centrar-se exclusivamente no tema da guerra, que descrevem a Espanha desta época. É curioso, mas em muitas obras, mesmo actuais, aparece alguma personagem ou algum assunto que menciona a guerra. Continua a ser um assunto muito vivo, tanto criativamente como memoristicamente falando.
Perguntei-lhe isto porque a ficção de Portugal explora pouco a ditadura de Salazar e Caetano, ou os tempos em que se deram os acontecimentos que lhe puseram termo, que talvez marquem na história portuguesa o mesmo que os tempos da guerra civil marcam em Espanha, salvaguardadas as devidas diferenças. Inclusive, nas comemorações oficiais deste ano perdeu-se o «R» de revolução, falando-se em evolução, embora tenha de se dar o desconto de o ministro responsável por tal aberração não conseguir pronunciar os «érres». Isto mostra, no fundo, que por cá todos parecem de acordo com o fim da ditadura, divergindo no entanto sobre o caminho que depois se seguiu. Há quem diga que Abril não se cumpriu, há quem diga que sim; talvez se possa também falar de dois países, num dos quais vive claramente, por exemplo, o seu herói Dinis, na data mais avançada do livro, em 1994. Como são as duas Espanhas de que falou?
A transição política espanhola foi vista como modelar, por ter sido pacífica e aparentemente conciliadora. Não obstante, deixou assuntos por resolver que a longo prazo se agudizarão. Existe actualmente tal idolatria política do que foi aquele tempo que, por exemplo, para falarmos de possíveis reformas constitucionais existem grandes problemas e censuras, porque certos sectores tomam a Constituição de 1978 como um texto sagrado e intocável. Em Espanha, estamos a viver um momento, suponho que também marcado pelos resultados eleitorais do passado dia catorze de Março, em que se estão removendo muitas coisas que durante os oito anos do intransigente e intolerante José María Aznar estavam amordaçadas. É o caso da política externa, dos direitos dos homossexuais, da educação ou das reformas dos Estatutos de Autonomia, para dar apenas alguns exemplos. Creio, no entanto, que as pessoas estão satisfeitas com a forma como decorreu todo o processo da transição. Isso não se questiona demasiado a nível social. O que está a começar a aparecer é o sentimento de necessidade de avançar nos direitos e no poder das autonomias, dar um novo salto e encontrar um equilíbrio entre as diferentes nações que constituem o Estado espanhol, aceitando a pluralidade cultural e linguística dos múltiplos bocadinhos que constituem este puzzle espanhol. Mas, se bem que com a transição exista um contentamento mais ou menos generalizado, não é assim com o reconhecimento das vítimas. Para não criar tensões, para não avivar a dor, optou-se por colocar um manto de terra em cima dos anos da ditadura. Isto explica que a única homenagem que se lhes fez no parlamento espanhol fosse há menos de um ano − e para isso com a ausência do Partido Popular −, que não se permita em muitos lugares a exumação de cadáveres ou que não haja reconhecimento dos mortos do lado republicano. Muitos líderes do regime franquista são familiares de líderes políticos espanhóis actuais − com extraordinária presença no Partido Popular − e mesmo alguns dirigentes continuam no poder − caso do presidente da Junta da Galiza, Manuel Fraga Iribarne −, pelo que as iniciativas para promover reconhecimentos públicos são logo paralisadas. Há muitas pessoas que estão insatisfeitas com isto, e muito, pelo que suponho que nos próximos anos e com a aparente abertura do novo governo se multiplicarão as iniciativas.
Fale-me do percurso de «Resistência» em Espanha.
O romance está escrita em galego, e não foi traduzido − pelo menos por agora − para castelhano. Assim, devemos cingir-nos apenas à Galiza como âmbito de impacto e difusão. «Resistência» vai na já na terceira edição, com mais de 3.000 exemplares vendidos, e a repercussão a nível social está a ser boa, principalmente devido ao «Prémio Arcebispo Juan de Sanclemente», que deu um impulso importante, por se tratar de uma distinção com prestígio.
Sendo Espanha um país com uma literatura muito rica, isso pode constituir uma dificuldade para um jovem autor, ou pode ser uma oportunidade?
Volto a cingir-me à Galiza. Aí, publicam-se muitas e muito variadas obras, mas creio que ser novo é sempre aliciante. Os temas, a maneira de contar, a frescura e inclusive a imagem fazem com que os jovens autores sejam atractivos para o mercado. Já a consolidação das carreiras é outra coisa, mas as novas vozes no campo literário vão sendo bem recebidas.
E de Portugal, que ecos lhe têm chegado acerca do romance?
Por agora, opiniões soltas, referências, comentários... Mas não tenho dados sobre as vendas. Estou muito contente porque as notícias de leitores, que me chegaram pelo correio, são muito boas. Isso é uma coisa que dá sempre ânimo.
Essa opiniões têm mais, digamos assim, um cunho literário ou um cunho político?
Para dizer a verdade, nem um nem outro. É mais a surpresa por uma autora nova de outro país reparar numa história como a de Portugal no último século. Apesar de a mim não me parecer um assunto extraordinário para um romance. A verdade é que não sei por que surpreende. O vosso passado é admirável e, como costumo dizer, eu não escolhi a história, ela é que me escolheu a mim.
O que conhece da literatura portuguesa?
Pessoa, Lobo Antunes, Saramago, Lídia Jorge, Manuel Jorge Marmelo, José Luís Peixoto, Manuel Tiago (risos), João de Melo... Acho que vocês têm uma literatura extraordinária, que tem um marco tão amplo como o espaço lusófono, que navega de África à América numa só língua. Agrada-me na literatura portuguesa o facto de ser muito pura, muito directa, falando abertamente das vísceras do ser humano. Suponho que isso é muito provocado pelo idioma.
Em relação à história, ou antes, em relação às quatro histórias de amor de «Resistência»... Nenhuma acaba por ser uma história feliz. Qual a razão para tê-las escrito assim?
Essa é uma razão pessoal que não sei explicar. Em geral, todas as histórias e todas as personagens que construo tendem para a melancolia, para a tristeza, talvez porque não acredito na felicidade eterna. Apesar disso, acho que as minhas personagens, no fundo, procuram essa tristeza porque têm consciência de que na luta aberta pelos seus sentimentos não vencem; mas serão sempre coerentes. São elas mesmas que lutam pelas histórias mais arriscadas e nessa batalha de morte não há finais fáceis, não se deixam seduzir pela acomodação. Elas estão preparadas para tudo, e por isso têm derrotas. No fundo, sabem que só podem ser felizes assim.
Fale-me da investigação que fez... O dia-a-dia de São Pedro de Moel nos anos 40, 50 ou 60, por exemplo, as fábricas da Marinha Grande, a guerra colonial portuguesa, a prisão de Peniche... Da sua narrativa, consegue-se como que respirar aqueles ambientes como nós, portugueses, sabemos que eram...
Através da documentação, dos dados, digamos, empíricos, mas também através da literatura, das canções ou de filmes, no caso do 25 de Abril. O que é realmente maravilhoso no ser humano é que a partir de alguns dados objectivos somos capazes de recrear outras cenas, suponho que pelo nosso dom de universalidade, de que, apesar de diferentes países, culturas ou tempos, os sentimentos se regulam pela mesma bússola, instalada no coração. Creio que aí está uma das razões para que «Resistência» toque fundo nos leitores, mostro as personagens abertas e muita gente pode reconhecer-se nelas; e as sensações, por exemplo as de António e Isaura no meio do pinhal, são iguais às de um casal de namorados na Galiza naquela época e com as mesmas condicionantes.
Que ideia lhe ficou de Álvaro Cunhal, das conversas que teve com ele?
Fiquei maravilhada com el. Penso que é, acima de tudo, um cavalheiro, e um cavalheiro com um grande sentido do humor. Estou-lhe muito grata porque às vezes penso que sem ele talvez «Resistência» não chegasse a ter sido escrito. Era a primeira história mais longa que escrevia e não estava segura de que a conseguisse acabar, mas quando passava momentos de dúvida ou de cansaço sempre pensava: se houve pessoas que sentiram na própria carne a dor que eu relatava, como não ia eu ser capaz de escrevê-la comodamente no sofá da minha casa? Álvaro Cunhal sempre esteve presente, do princípio ao fim, e agradecerei sempre o seu conselho. Ele disse-me algo como eu poder inventar o que quisesse mas respeitando sempre as pessoas que viveram os acontecimentos. E essa foi uma máxima que tive sempre presente. Mas o que mais me entusiasmou, sinceramente, foi a humildade de uma pessoa que, apesar de ser um líder político de grande envergadura, tinha um momento para perguntar-me pelo romance ou para enviar-me os seus livros. Acho que o que realmente fala pelas pessoas é a sua humanidade, e o senhor Álvaro Cunhal parece-me uma belíssima pessoa. Estou-lhe muito agradecida.
E em relação a Dinis Miranda?
Não o conheci. Vi os contos que dedicou às filhas, em Peniche. E também a foto dele, como primeiro preso que saiu depois da revolução dos cravos.
Conhece o percurso dele depois da prisão? Foi deputado pelo Partido Comunista, no pós-25 de Abril...
Sei que foi um grande lutador da causa da melhoria das condições de trabalho no mundo rural português, uma realidade que ele viveu muito de perto durante a sua juventude e em relação à qual acabou por fazer reinvidicaçõe de âmbito político. Sei também que integrou a comissão política do Partido Comunista Português entre 1976 e finais dos anos 80 e que morreu em 1991.
Inês, a mãe da principal personagem feminina, é galega. Há alguma razão especial para isso?
É uma homenagem a Inês de Castro, além de que me apetecia estabelecer algum vínculo com a Galiza, algo que parecesse próximo aos leitores do outro lado do Rio Minho.
Como vê a proximidade entre galegos e portugueses do Norte, bem diferente da que existe entre, por exemplo, algarvios e andaluzes? Eu sou algarvio e nunca dei por uma afinidade igual à do Norte Peninsular?
Acho que são muitos os factores, alguns relacionados com questões materiais, como o contrabando na raia seca durante a ditadura ou a emigração de numerosos galegos para Portugal e para o Brasil, e outros aspectos mais culturais. A língua acaba por ser fundamental neste sentido, já que a sua proximidade e as suas regras comuns servem de via de comunicação directa entre os dois povos.
Voltando a «Resistência... Por mais que sofram, por mais que sejam contrariados pelo que os envolve, pares como Isaura e António, ou sobretudo Filipa e Dinis, parecem bafejados pelo destino, por terem encontrado o amor. Ao mesmo tempo, outros, como o Antoninho, por exemplo, por mais coisas que consigam da vida, parecem talhados para uma existência sem história. Acha que é mesmo assim na realidade?
O Antoninho e também o André creio que são duas personagens apenas esboçados, das quais conto poucas coisas, mas deram-me muito que pensar. É curioso... Deles sabemos pouco, quase nada, e no final, especialmente o André, revela-se uma pessoa com uma história própria, que é negada pela autora. Penso que nesta vida há muitas pessoas que consideramos cinzentas, às quais não prestamos atenção, porque passam aparentemente despercebidas, e depois descobre-se que são interessantíssimas, até heróis ou heroínas dentro dos seus círculos particulares. O André é assim. Quanto ao Antoninho, é o homem sem escrúpulos, com os olhos sempre postos em valores que não lhe servem para ser feliz.
Há uma escritora portuguesa que escreveu que «o amor é uma coisa rara, a mais subtil e preciosa essência, difícil de encontrar, e que só aparece a poucos». Isto pode encontrar justificação no seu romance?
Sim e não − esta é uma resposta muito galega. Efectivamente, o amor é uma preciosa essência, mas não estou de acordo com que apareça a poucos. É questão de ser valente. Para amar é preciso ser muito valente, porque significa renunciar a muitas coisas próprias e expor-se diante de outra pessoa, coisa que nunca é cómoda nem fácil. Se as circunstâncias externas são também adversas, então o amor complica-se mais, e por isso é questão de valentia, de atrever-se a amar. Daí haver muitas pessoas que carregam amantes na cabeça com os quais nunca concretizaram uma história, por medo, por comodidade ou por preguiça. São essas histórias sem concretização que talvez me venham a dar um romance.
Rosa, a mulher de um preso político, refere-se a Marcello Caetano como «o grande cabrão», «o grande filho da puta», coisa que tem verosimilhança. O curioso é que não se encontra muito estes termos nas personagens da ficção portuguesa, quando se referem aos dois ditadores do Estado Novo. Parece haver uma certa contenção... Inclusive, em Portugal há pessoas que se referem aos dois, mesmo não concordando com o que foi o seu regime, como «doutor Salazar» e «professor Marcello Caetano», o que me parece despropositado. Acha que há uma tendência para se relativizar a actuação de alguns ditadores, com o passar do tempo?
Acho que sim. Sempre relativizamos as coisas. Eu creio que uma das vantagens que tive para escrever «Resistência» foi a distância, o que me permitiu ter menos prejuízos. A velhice também influi, fazendo com que os idosos nos pareçam ter uma áurea de ternura, apesar das mil barbaridades que tenham feito antes, e isso acontece também com os ditadores. De todos modos, devo confessar que se não fosse por Rosa ser uma personagem exaltada, que vivia cada instante como se fosse o último, totalmente embriagada com a causa política anti-ditatorial, não teria escrito esses qualificativos. Mas a personagem, pela sua maneira de ser, exigia-mo. Tanto que a deixei falar. Mas isso de o tempo fazer abrandar creio que não acaba por ser mau de todo. Sem isso o ser humano morreria angustiado pelo seu próprio rancor.
O facto de a personagem se chamar Rosa tem algo a ver com o seu nome ser também Rosa?
Não, claro que não. Parece-se com outra Rosa que conheço, não comigo. Eu não tenho o valor da Rosa, nem a fé profunda numa causa política.
Para terminar... Fale-me daquele romance que disse talvez vir a escrever, das pessoas que nunca concretizam os seus amores. Também foi procurada por algumas assim, para lhes dar voz?
São sempre os protagonistas que me sussurram ao ouvido, pedindo-me que conte as suas historias. Nunca consegui sentar-me e decidir contar uma história com um tema em abstracto, só através das personagens que me falaram e solicitaram tomar corpo de papel. Creio que se trata de uma das melhores maneiras de fazer literatura, porque vai até ao mais fundo do ser humano, e porque na verdade todas as histórias do mundo têm um ponto de vista antropocêntrico. Nem podía ser de outra maneira. Quanto a novas coisas, não sei se alguma vez escreverei um romance em que o tema central sejan os amores não materializados, digamos assim, mas estes aparecen em muitas historias − que já escrevi e que escreverei. Acho que reflectem muito bem a natureza humana. É no amor que se mede o valor e também a cobardia, ele é a balança onde se pesam os nossos instintos e as nossas prioridades. Agora estou a escrever um história sobre a saudade e a neurose de uma vida «afogante». Mas isso já não é assunto para esta entrevista.
Do ruído desta coisa toda que começou com os grandes portugueses, o que mais me tem pasmado tem a ver com o Salazar e com as opiniões absolutamente antagónicas que desperta. Acho que nunca vou entender como isto é possível, mas também não estou a pensar fazer nenhum esforço especial para o conseguir. Tenho bem claro o lugar que um criminoso como Salazar deve ter em qualquer iniciativa que pretenda distinguir (no bom sentido) as pessoas notáveis da nossa História.
Para que se possa reflectir sobre o regime deste grande criminoso português (num concurso sobre os grandes criminosos portugueses, aí sim, Salazar haveria de distinguir-se), deixo a seguir um texto que escrevi acerca de um romance de uma jovem escritora espanhola (da Galiza) e uma entrevista que fiz com ela. O romance chama-se «Resistência» (Publicações Dom Quixote, 259 pp.) e a autora Rosa Aneiros. Uma última nota: na entrevista, Rosa Aneiros fala de Álvaro Cunhal; também não me parece que haja lugar para ele nos grandes portugueses – os extremos tocam-se.
*****
Texto sobre o romance «Resistência» [escrito em meados de 2004]
Por cá, resiste-se
«Resistência» é um extraordinário romance que acompanha várias histórias de amor, numa das quais se luta quase até à morte contra a ditadura criminosa de Salazar e de Caetano, e contra o destino. Escreveu-o uma jornalista galega.
É o Portugal pequenino, enjaulado e sem futuro do Estado Novo que se mostra em «Resistência», mesmo que o romance avance até épocas bem mais próximas, já muito depois da revolução de Abril de 1974. O país que agora vai ficando esquecido, para o bem e para o mal. Talvez possa parecer estranho esta história ter sido escrito por uma pessoa de outro país, mas se calhar acaba por ser o mais natural. A vergonha da ditadura de Oliveira Salazar e de Marcello Caetano, dois criminosos a quem em Portugal ainda muita gente se refere como doutor Salazar e professor Marcello Caetano, tem andado muito afastada da nossa literatura, pelo menos dos seus actores mais destacados. À semelhança do que tem acontecido noutras áreas, como se o importante fosse mesmo esquecer, ou fazer de conta que afinal tudo não passou de um pesadelo. Por cá resiste-se, resiste-se a falar, a escrever, a filmar, a representar.
Rosa Aneiros (n. 1976, Galiza), jornalista de profissão, aventura-se no romance, com um intenso trabalho de documentação que incluiu entrevistas com Álvaro Cunhal, depois de escrever contos e um livro juvenil. Acompanha quatro histórias de amor, todas elas marcadas de forma trágica. A de Rui Rodrigues, um rico industrial fixado em Coimbra, e da galega Inês; a de Leonor, mãe de Rui Rodrigues, e do «seu homem» que «marchara para o Brasil»; a de Isaura, analfabeta, uma mulher só, e do operário vidreiro António Gonçalves; e a de Filipa, filha do industrial, e de Dinis, fruto da união sempre mantida em segredo entre Isaura e António. Filipa e Dinis conhecem-se muito novos, ainda adolescentes, em São Pedro de Moel. Mal se vêem, começa a sua história, quase secreta, interrompida tantas vezes, pela necessidade de esconderem o namoro entre a filha de um industrial e de um operário, pela guerra colonial, pela prisão da ditadura. É para Peniche que Dinis acaba por ir, feito um farrapo. Já está ligado ao Partido Comunista, e Filipa ligar-se-á a seguir à prisão, ela que o levou a aprender ler, ela que lhe permitiu a descoberta de tantas coisas, nos livros, nela própria.
Dinis sai da prisão com o 25 de Abril. Filipa está no Brasil, julgando-o morto. Vinte anos mais tarde, em 1994, Filipa visita Peniche, visita um museu inaugurado pela câmara municipal em 1984. «- Tivemos a alma da resistência entre estes muros durante 40 anos.» Filipa está no mesmo local onde visitou Dinis uma única vez, uma visão fugaz de Dinis quase irreconhecível. «Bateram-lhe nos olhos então mais textos, uma dúzia deles com uma caligrafia infantil extremamente familiar. Era indiscutivelmente Dinis.» É o mesmo ano do início do livro... «Naquele dia de Verão de 1994, Dinis estava sentado, no alto de uma falésia em São Pedro de Moel, como tantas outras tardes. Tinha a cana de pesca lançada ao mar e o anzol brincava por entre as ondas atlânticas num jogo de sedução mortal.» E o mesmo do fim, com Filipa. «Entrou no carro e partiu de Peniche tão confusa como apressada. Tomou a estrada que ligava à A8 e acelerou tanto quanto o veículo permitiu.» Tinha «uma sentença», escrita por Dinis, entre tantas coisas... «Aguarda-me, Filipa, aguarda-me. Eu aguardar-te-ei sempre.»
*****
Entrevista com Rosa Aneiros [feita em meados de 2004]
Procurada pelas personagens
Na antiga prisão de Peniche, a jovem escritora galega Rosa Aneiros deu de caras com os contos do primeiro preso que de lá saiu depois do 25 de Abril. Chamava-se Dinis Miranda esse preso, e com os seus escritos como que lhe pedia que fosse contada uma história como a do romance «Resistência». A quantos portugueses não o teria já feito até então? Talvez tenha pedido a muitos, mas a literatura de cá do sítio nunca prestou especial atenção aos tempos da ditadura da Salazar e de Marcello Caetano. Nem interessa agora estar a remoer nas razões para ter sido assim. Olhemos antes para o que escreve em terras da Galiza uma jovem que afirma serem as personagens a procutrá-la. Por exemplo, Dinis, uma das principais de «Resistência».
Como surgiu a ideia de escrever «Resistência»?
Há dois verões, passei férias nos lugares em que decorre o romance: Marinha Grande, São Pedro de Moel, Coimbra, Leiria, Nazaré e, finalmente, Peniche. Marcou-me muito, especialmente o Pinhal do Rei, essa imensa extensão de pinheiro bravo que um rei mandou cultivar e que viria a fornecer a madeira para a construção das naus das expedições portuguesas pelo mundo. E as fábricas do vidro. E aquele Atlântico aberto em canal. E Peniche, onde descobri um museu no qual, entre outras salas, reconstruíram a parte do cárcere para presos políticos. Aí estiveram durante décadas e décadas os presos da ditadura primeiro de Salazar e depois de Marcello Caetano. Foi reabilitada a sala do parlatório, onde os presos comunicavam com os seus familiares, reconstruídas as celas, a biblioteca onde tinham os livros e também várias salas com documentação retirada aos presos e folhas com apontamentos da PIDE sobre os mesmos. Umas cartas que o preso Dinis Miranda escreveu da prisão às suas filhas chamaram-me muitíssimo a atenção. Eram uns contos ilustrados, lindos, que a PIDE não deixou sair das paredes do cárcere por haver a hipótese de conterem mensagens clandestinas. A partir daí, decidi construir uma história de ficção, mas que respeitasse o máximo possível a verdade das pessoas que viveram essa situação penosa. Foi um sábio conselho que me deu o senhor Álvaro Cunhal e que eu quis seguir à letra. Tudo foi sendo retirado de um fio narrativo e a construção das personagens e das situações veio um pouco solta... Precisei de muita documentação, tanto escrita como de pessoas que viveram as situações que em «Resistência» se relatam.
...
Creio que escrever uma história sobre Portugal não foi uma decisão livre e voluntária. Diria mais que Portugal me escolheu a mim. Houve algumas personagens que me chegaram à cabeça e decidiram que queriam - mais, exigiam - contar-me a sua história. Eu dei-lhe corpo de romance.
A ditadura de Franco, que andou muito a par da portuguesa, embora tenha terminado de maneira bem diferente, poderia ter-lhe inspirado um romance como «Resistência»?
Sim, claro que sim. Poderia dar para uma história como «Resistência», mas não igual. Apesar de terem sido ditaduras coexistentes no mesmo momento histórico, as suas condições foram diferentes, as derrotas dos ditadores também e, sobretudo, a transição para a democracia foi bem diferente. Aqui é costume dizer que o ditador morreu na cama e isso é algo que a juventude, de certa maneira, atira à cara da geração anterior. Não o derrubaram, morreu de velho. Um das coisas que mais me chamou a atenção em Portugal foi, precisamente, a existência de um museu que recorda as vítimas da ditadura, os presos políticos e todas as pessoas que sofreram por expressarem as suas ideias. Em Espanha não existiu essa fase. Colocou-se terra em cima de tudo o que foi o franquismo, e por não existir não existe nem um reconhecimento às vítimas caídas durante a guerra ou durante a ditadura. Não se fala disso. As associações pela recuperação da memória histórica que pretendem recuperar os cadáveres dos «paseados» têm problemas para serem reconhecidas em muitas comunidades e não lhes permitirem a exumação de corpos soterrados em valas comuns. Não existem museus, e quase não se trata do assunto nas escolas. Colocou-se um manto sobre ele para não reavivar feridas e, não obstante, os mortos estão aí, na mente dos perdedores. Há duas Espanhas que não se encontraram ainda. Isto é bem diferente de Portugal. Além do mais, aqui existem muitas, muitíssimos, romances − ocorre-me particularmente «O lápis do carpinteiro», de Manuel Rivas − que falam sobre as vítimas da guerra civil espanhola. Apetecia-me mudar de cenário, sobretudo pelo desafio que supunha chegar-me, outra história, outra gente, outro espaço.
Isso de existirem em Espanha muitos romances sobre a guerra civil... A Portugal têm chegado alguns, o que referiu, ou «Soldados de Salamina», ou até a obra de Cela, por exemplo «A família de Pascual Duarte», editado há muitos anos e depois reeditado em clube de livro, ou a «Mazurca...», embora não retratem directamente a guerra. Acontece o mesmo sobre os tempos posteriores?
Sobre a guerra civil existem muitos romances, e também sobre o duro tempo do pós-guerra e do exílio. Falando do conflito em si, além do já citado de Manuel Rivas ou de «Soldados de Salamina» há muitos outros relacionados também com o «romanticismo e idealismo», por exemplo, dos brigadistas internacionais, visto por autores de fora como Hemingway, mas nem só romances, também fotos (a famosa de Frank Kappa) e muitos filmes, «O sonho de Carol», «A língua das borboletas», «Terra e liberdade»... Do pós-guerra também temos muitos trabalhos artísticos, creio que por ter sido um período muito duro e negro da história de Espanha, com muitas vinganças nos primeiros anos, fome, obscurantismo religioso... «Vento ferido» ou «Os mortos daquele Verão», de Carlos Casares, e vários relatos de Méndez Ferrín são as primeiras que se me vêm à cabeça, mas existem muitas outras, sem centrar-se exclusivamente no tema da guerra, que descrevem a Espanha desta época. É curioso, mas em muitas obras, mesmo actuais, aparece alguma personagem ou algum assunto que menciona a guerra. Continua a ser um assunto muito vivo, tanto criativamente como memoristicamente falando.
Perguntei-lhe isto porque a ficção de Portugal explora pouco a ditadura de Salazar e Caetano, ou os tempos em que se deram os acontecimentos que lhe puseram termo, que talvez marquem na história portuguesa o mesmo que os tempos da guerra civil marcam em Espanha, salvaguardadas as devidas diferenças. Inclusive, nas comemorações oficiais deste ano perdeu-se o «R» de revolução, falando-se em evolução, embora tenha de se dar o desconto de o ministro responsável por tal aberração não conseguir pronunciar os «érres». Isto mostra, no fundo, que por cá todos parecem de acordo com o fim da ditadura, divergindo no entanto sobre o caminho que depois se seguiu. Há quem diga que Abril não se cumpriu, há quem diga que sim; talvez se possa também falar de dois países, num dos quais vive claramente, por exemplo, o seu herói Dinis, na data mais avançada do livro, em 1994. Como são as duas Espanhas de que falou?
A transição política espanhola foi vista como modelar, por ter sido pacífica e aparentemente conciliadora. Não obstante, deixou assuntos por resolver que a longo prazo se agudizarão. Existe actualmente tal idolatria política do que foi aquele tempo que, por exemplo, para falarmos de possíveis reformas constitucionais existem grandes problemas e censuras, porque certos sectores tomam a Constituição de 1978 como um texto sagrado e intocável. Em Espanha, estamos a viver um momento, suponho que também marcado pelos resultados eleitorais do passado dia catorze de Março, em que se estão removendo muitas coisas que durante os oito anos do intransigente e intolerante José María Aznar estavam amordaçadas. É o caso da política externa, dos direitos dos homossexuais, da educação ou das reformas dos Estatutos de Autonomia, para dar apenas alguns exemplos. Creio, no entanto, que as pessoas estão satisfeitas com a forma como decorreu todo o processo da transição. Isso não se questiona demasiado a nível social. O que está a começar a aparecer é o sentimento de necessidade de avançar nos direitos e no poder das autonomias, dar um novo salto e encontrar um equilíbrio entre as diferentes nações que constituem o Estado espanhol, aceitando a pluralidade cultural e linguística dos múltiplos bocadinhos que constituem este puzzle espanhol. Mas, se bem que com a transição exista um contentamento mais ou menos generalizado, não é assim com o reconhecimento das vítimas. Para não criar tensões, para não avivar a dor, optou-se por colocar um manto de terra em cima dos anos da ditadura. Isto explica que a única homenagem que se lhes fez no parlamento espanhol fosse há menos de um ano − e para isso com a ausência do Partido Popular −, que não se permita em muitos lugares a exumação de cadáveres ou que não haja reconhecimento dos mortos do lado republicano. Muitos líderes do regime franquista são familiares de líderes políticos espanhóis actuais − com extraordinária presença no Partido Popular − e mesmo alguns dirigentes continuam no poder − caso do presidente da Junta da Galiza, Manuel Fraga Iribarne −, pelo que as iniciativas para promover reconhecimentos públicos são logo paralisadas. Há muitas pessoas que estão insatisfeitas com isto, e muito, pelo que suponho que nos próximos anos e com a aparente abertura do novo governo se multiplicarão as iniciativas.
Fale-me do percurso de «Resistência» em Espanha.
O romance está escrita em galego, e não foi traduzido − pelo menos por agora − para castelhano. Assim, devemos cingir-nos apenas à Galiza como âmbito de impacto e difusão. «Resistência» vai na já na terceira edição, com mais de 3.000 exemplares vendidos, e a repercussão a nível social está a ser boa, principalmente devido ao «Prémio Arcebispo Juan de Sanclemente», que deu um impulso importante, por se tratar de uma distinção com prestígio.
Sendo Espanha um país com uma literatura muito rica, isso pode constituir uma dificuldade para um jovem autor, ou pode ser uma oportunidade?
Volto a cingir-me à Galiza. Aí, publicam-se muitas e muito variadas obras, mas creio que ser novo é sempre aliciante. Os temas, a maneira de contar, a frescura e inclusive a imagem fazem com que os jovens autores sejam atractivos para o mercado. Já a consolidação das carreiras é outra coisa, mas as novas vozes no campo literário vão sendo bem recebidas.
E de Portugal, que ecos lhe têm chegado acerca do romance?
Por agora, opiniões soltas, referências, comentários... Mas não tenho dados sobre as vendas. Estou muito contente porque as notícias de leitores, que me chegaram pelo correio, são muito boas. Isso é uma coisa que dá sempre ânimo.
Essa opiniões têm mais, digamos assim, um cunho literário ou um cunho político?
Para dizer a verdade, nem um nem outro. É mais a surpresa por uma autora nova de outro país reparar numa história como a de Portugal no último século. Apesar de a mim não me parecer um assunto extraordinário para um romance. A verdade é que não sei por que surpreende. O vosso passado é admirável e, como costumo dizer, eu não escolhi a história, ela é que me escolheu a mim.
O que conhece da literatura portuguesa?
Pessoa, Lobo Antunes, Saramago, Lídia Jorge, Manuel Jorge Marmelo, José Luís Peixoto, Manuel Tiago (risos), João de Melo... Acho que vocês têm uma literatura extraordinária, que tem um marco tão amplo como o espaço lusófono, que navega de África à América numa só língua. Agrada-me na literatura portuguesa o facto de ser muito pura, muito directa, falando abertamente das vísceras do ser humano. Suponho que isso é muito provocado pelo idioma.
Em relação à história, ou antes, em relação às quatro histórias de amor de «Resistência»... Nenhuma acaba por ser uma história feliz. Qual a razão para tê-las escrito assim?
Essa é uma razão pessoal que não sei explicar. Em geral, todas as histórias e todas as personagens que construo tendem para a melancolia, para a tristeza, talvez porque não acredito na felicidade eterna. Apesar disso, acho que as minhas personagens, no fundo, procuram essa tristeza porque têm consciência de que na luta aberta pelos seus sentimentos não vencem; mas serão sempre coerentes. São elas mesmas que lutam pelas histórias mais arriscadas e nessa batalha de morte não há finais fáceis, não se deixam seduzir pela acomodação. Elas estão preparadas para tudo, e por isso têm derrotas. No fundo, sabem que só podem ser felizes assim.
Fale-me da investigação que fez... O dia-a-dia de São Pedro de Moel nos anos 40, 50 ou 60, por exemplo, as fábricas da Marinha Grande, a guerra colonial portuguesa, a prisão de Peniche... Da sua narrativa, consegue-se como que respirar aqueles ambientes como nós, portugueses, sabemos que eram...
Através da documentação, dos dados, digamos, empíricos, mas também através da literatura, das canções ou de filmes, no caso do 25 de Abril. O que é realmente maravilhoso no ser humano é que a partir de alguns dados objectivos somos capazes de recrear outras cenas, suponho que pelo nosso dom de universalidade, de que, apesar de diferentes países, culturas ou tempos, os sentimentos se regulam pela mesma bússola, instalada no coração. Creio que aí está uma das razões para que «Resistência» toque fundo nos leitores, mostro as personagens abertas e muita gente pode reconhecer-se nelas; e as sensações, por exemplo as de António e Isaura no meio do pinhal, são iguais às de um casal de namorados na Galiza naquela época e com as mesmas condicionantes.
Que ideia lhe ficou de Álvaro Cunhal, das conversas que teve com ele?
Fiquei maravilhada com el. Penso que é, acima de tudo, um cavalheiro, e um cavalheiro com um grande sentido do humor. Estou-lhe muito grata porque às vezes penso que sem ele talvez «Resistência» não chegasse a ter sido escrito. Era a primeira história mais longa que escrevia e não estava segura de que a conseguisse acabar, mas quando passava momentos de dúvida ou de cansaço sempre pensava: se houve pessoas que sentiram na própria carne a dor que eu relatava, como não ia eu ser capaz de escrevê-la comodamente no sofá da minha casa? Álvaro Cunhal sempre esteve presente, do princípio ao fim, e agradecerei sempre o seu conselho. Ele disse-me algo como eu poder inventar o que quisesse mas respeitando sempre as pessoas que viveram os acontecimentos. E essa foi uma máxima que tive sempre presente. Mas o que mais me entusiasmou, sinceramente, foi a humildade de uma pessoa que, apesar de ser um líder político de grande envergadura, tinha um momento para perguntar-me pelo romance ou para enviar-me os seus livros. Acho que o que realmente fala pelas pessoas é a sua humanidade, e o senhor Álvaro Cunhal parece-me uma belíssima pessoa. Estou-lhe muito agradecida.
E em relação a Dinis Miranda?
Não o conheci. Vi os contos que dedicou às filhas, em Peniche. E também a foto dele, como primeiro preso que saiu depois da revolução dos cravos.
Conhece o percurso dele depois da prisão? Foi deputado pelo Partido Comunista, no pós-25 de Abril...
Sei que foi um grande lutador da causa da melhoria das condições de trabalho no mundo rural português, uma realidade que ele viveu muito de perto durante a sua juventude e em relação à qual acabou por fazer reinvidicaçõe de âmbito político. Sei também que integrou a comissão política do Partido Comunista Português entre 1976 e finais dos anos 80 e que morreu em 1991.
Inês, a mãe da principal personagem feminina, é galega. Há alguma razão especial para isso?
É uma homenagem a Inês de Castro, além de que me apetecia estabelecer algum vínculo com a Galiza, algo que parecesse próximo aos leitores do outro lado do Rio Minho.
Como vê a proximidade entre galegos e portugueses do Norte, bem diferente da que existe entre, por exemplo, algarvios e andaluzes? Eu sou algarvio e nunca dei por uma afinidade igual à do Norte Peninsular?
Acho que são muitos os factores, alguns relacionados com questões materiais, como o contrabando na raia seca durante a ditadura ou a emigração de numerosos galegos para Portugal e para o Brasil, e outros aspectos mais culturais. A língua acaba por ser fundamental neste sentido, já que a sua proximidade e as suas regras comuns servem de via de comunicação directa entre os dois povos.
Voltando a «Resistência... Por mais que sofram, por mais que sejam contrariados pelo que os envolve, pares como Isaura e António, ou sobretudo Filipa e Dinis, parecem bafejados pelo destino, por terem encontrado o amor. Ao mesmo tempo, outros, como o Antoninho, por exemplo, por mais coisas que consigam da vida, parecem talhados para uma existência sem história. Acha que é mesmo assim na realidade?
O Antoninho e também o André creio que são duas personagens apenas esboçados, das quais conto poucas coisas, mas deram-me muito que pensar. É curioso... Deles sabemos pouco, quase nada, e no final, especialmente o André, revela-se uma pessoa com uma história própria, que é negada pela autora. Penso que nesta vida há muitas pessoas que consideramos cinzentas, às quais não prestamos atenção, porque passam aparentemente despercebidas, e depois descobre-se que são interessantíssimas, até heróis ou heroínas dentro dos seus círculos particulares. O André é assim. Quanto ao Antoninho, é o homem sem escrúpulos, com os olhos sempre postos em valores que não lhe servem para ser feliz.
Há uma escritora portuguesa que escreveu que «o amor é uma coisa rara, a mais subtil e preciosa essência, difícil de encontrar, e que só aparece a poucos». Isto pode encontrar justificação no seu romance?
Sim e não − esta é uma resposta muito galega. Efectivamente, o amor é uma preciosa essência, mas não estou de acordo com que apareça a poucos. É questão de ser valente. Para amar é preciso ser muito valente, porque significa renunciar a muitas coisas próprias e expor-se diante de outra pessoa, coisa que nunca é cómoda nem fácil. Se as circunstâncias externas são também adversas, então o amor complica-se mais, e por isso é questão de valentia, de atrever-se a amar. Daí haver muitas pessoas que carregam amantes na cabeça com os quais nunca concretizaram uma história, por medo, por comodidade ou por preguiça. São essas histórias sem concretização que talvez me venham a dar um romance.
Rosa, a mulher de um preso político, refere-se a Marcello Caetano como «o grande cabrão», «o grande filho da puta», coisa que tem verosimilhança. O curioso é que não se encontra muito estes termos nas personagens da ficção portuguesa, quando se referem aos dois ditadores do Estado Novo. Parece haver uma certa contenção... Inclusive, em Portugal há pessoas que se referem aos dois, mesmo não concordando com o que foi o seu regime, como «doutor Salazar» e «professor Marcello Caetano», o que me parece despropositado. Acha que há uma tendência para se relativizar a actuação de alguns ditadores, com o passar do tempo?
Acho que sim. Sempre relativizamos as coisas. Eu creio que uma das vantagens que tive para escrever «Resistência» foi a distância, o que me permitiu ter menos prejuízos. A velhice também influi, fazendo com que os idosos nos pareçam ter uma áurea de ternura, apesar das mil barbaridades que tenham feito antes, e isso acontece também com os ditadores. De todos modos, devo confessar que se não fosse por Rosa ser uma personagem exaltada, que vivia cada instante como se fosse o último, totalmente embriagada com a causa política anti-ditatorial, não teria escrito esses qualificativos. Mas a personagem, pela sua maneira de ser, exigia-mo. Tanto que a deixei falar. Mas isso de o tempo fazer abrandar creio que não acaba por ser mau de todo. Sem isso o ser humano morreria angustiado pelo seu próprio rancor.
O facto de a personagem se chamar Rosa tem algo a ver com o seu nome ser também Rosa?
Não, claro que não. Parece-se com outra Rosa que conheço, não comigo. Eu não tenho o valor da Rosa, nem a fé profunda numa causa política.
Para terminar... Fale-me daquele romance que disse talvez vir a escrever, das pessoas que nunca concretizam os seus amores. Também foi procurada por algumas assim, para lhes dar voz?
São sempre os protagonistas que me sussurram ao ouvido, pedindo-me que conte as suas historias. Nunca consegui sentar-me e decidir contar uma história com um tema em abstracto, só através das personagens que me falaram e solicitaram tomar corpo de papel. Creio que se trata de uma das melhores maneiras de fazer literatura, porque vai até ao mais fundo do ser humano, e porque na verdade todas as histórias do mundo têm um ponto de vista antropocêntrico. Nem podía ser de outra maneira. Quanto a novas coisas, não sei se alguma vez escreverei um romance em que o tema central sejan os amores não materializados, digamos assim, mas estes aparecen em muitas historias − que já escrevi e que escreverei. Acho que reflectem muito bem a natureza humana. É no amor que se mede o valor e também a cobardia, ele é a balança onde se pesam os nossos instintos e as nossas prioridades. Agora estou a escrever um história sobre a saudade e a neurose de uma vida «afogante». Mas isso já não é assunto para esta entrevista.
quarta-feira, 1 de novembro de 2006
A coragem
Bayern – 0, Sporting – 0. Ricardo, Caneira, Polga e Custódio na equipa inicial; ao menos pode dizer-se que Paulo Bento teve coragem (eu não me atreveria a fazer entrar uma equipa para um jogo contra o Bayern de Munique com aqueles quatro artistas; enfim, nem contra o Beira Mar).
Textos sobre livros - 6
Um romance fabuloso que me ofereceram no Natal de 2003. O texto é do início de 2004.
Livro: «Bebendo o Mar», de Xavier Queipo (Deriva Editores, 198 pp.)
Ensaio para a cegueira
Francis, um galego que vive na Califórnia, compromete-se a traduzir o último romance de um português a quem, «com toda a certeza», vão atribuir o Prémio Nobel de Literatura. Trata-se de «um tal Saramago». Francis acaba de saber que ficará cego em seis meses.
Há poucos anos, um crítico escreveu sobre o primeiro livro de Saramago, apresentando as frases inicias, que «depois de um começo assim não há livro que se aguente». «Bebendo o Mar», do galego Xavier Queipo, trazido para Portugal pela «jovem» Deriva Editores, começa da seguinte forma. «Conheceram-se no cinema. Numa sala enorme, dessas que já quase não existem. Era a reposição de ‘Apocalipse Now’, a emocionante parábola de Coppola, baseada no ‘Coração das Trevas’ de Conrad. Na cena dos helicópteros avançando sobre os vietcongs ao som de Wagner, a sala encheu-se de luz e explosões de napalm. Foi ao primeiro olhar, quando as sombras deram lugar à luz. Foi então que ela disse, automática e sinceramente, com aquela segurança estóica das mulheres que se sabem fazedoras de sonhos:/ - Deixa-me dar-te a mão. Sinto um não sei quê desconfortável./ Está bem. Não te preocupes. Vou ficar aqui até ao fim do filme - respondeu Francis com uma segurança recém adquirida.»
Foi assim o meu primeiro contacto com o escritor galego (n. Santiago de Compostela, 1959). Não pensei naquele começo, se um livro depois dele se «aguentaria» ou não, o que recordo apenas é que avancei pela leitura como se estivesse a ouvir o próprio autor a contar a história de Francis. Não posso fazer maior elogio. A leitura de «Bebendo o Mar» como que me envolveu num ambiente mágico, um ambiente do qual a pouco e pouco começava a ficar com pena de ter de vir a sair mais cedo ou mais tarde, assim que lesse a última frase. E sempre a pensar que naquele autor eu confiava, assim, a contar as coisas daquela maneira, tranquilamente, com fluência, como se escrever para ele não fosse - não seja - muito diferente de respirar; assim, pensava eu, ele há-de segurar até ao fim o ambiente de magia.
Francis, o tradutor galego que conhece Rose no cinema quando inesperadamente ela lhe pede para darem as mãos, mergulha na obra de Saramago para traduzir «Ensaio Sobre a Cegueira», então o último romance do «tal» escritor português muito falado para o Prémio Nobel de Literatura. Tinha acabado de descobrir, depois de um exame médico de rotina, um problema nos olhos. «Daqui a seis meses estará completamente cego. Sem cura. É a única coisa que lhe posso dizer. Sem cura conhecida.» São as palavras do médico, que fazem Francis pensar numa «condenação pura, de gume de navalha de barbeiro, de dissecação e rotura, de relâmpago frio». E a «parábola» de Saramago para traduzir, uma «parábola milenarista de desestruturação da sociedade e de ausência de esperanças». E Francis com esperanças, a princípio, «as dúvidas sobre o diagnóstico, reforçadas, obviamente, pela ausência de um quadro sintomático sério e pelo receio de acreditar nos médicos como xamãs de uma cultura alheia e reacionária, e sobretudo no que se diz, linguagem mágica e hermética, afastada da realidade». E depois a realidade, os sintomas, a tradução do «ensaio» de Saramago... «Fumou um cigarro, olhando a praia. As ondas. O mar imenso. Os chafarizes das baleias de bossas erguendo-se imponentes a duas marcas da costa. Os surfistas. O sol brincando atrás de umas nuvens improváveis com aquele tempo, com aquele calor abafante, com aquele vento. Umas nuvens irreais, de miragem ou de maremoto interno. As ondas.» É uma praia da Califórnia, é outro mar que não aquele que banha a Galiza. Mas Francis ainda conseguirá ver também o da sua terra natal. Mais do que isso, bem mais.
Livro: «Bebendo o Mar», de Xavier Queipo (Deriva Editores, 198 pp.)
Ensaio para a cegueira
Francis, um galego que vive na Califórnia, compromete-se a traduzir o último romance de um português a quem, «com toda a certeza», vão atribuir o Prémio Nobel de Literatura. Trata-se de «um tal Saramago». Francis acaba de saber que ficará cego em seis meses.
Há poucos anos, um crítico escreveu sobre o primeiro livro de Saramago, apresentando as frases inicias, que «depois de um começo assim não há livro que se aguente». «Bebendo o Mar», do galego Xavier Queipo, trazido para Portugal pela «jovem» Deriva Editores, começa da seguinte forma. «Conheceram-se no cinema. Numa sala enorme, dessas que já quase não existem. Era a reposição de ‘Apocalipse Now’, a emocionante parábola de Coppola, baseada no ‘Coração das Trevas’ de Conrad. Na cena dos helicópteros avançando sobre os vietcongs ao som de Wagner, a sala encheu-se de luz e explosões de napalm. Foi ao primeiro olhar, quando as sombras deram lugar à luz. Foi então que ela disse, automática e sinceramente, com aquela segurança estóica das mulheres que se sabem fazedoras de sonhos:/ - Deixa-me dar-te a mão. Sinto um não sei quê desconfortável./ Está bem. Não te preocupes. Vou ficar aqui até ao fim do filme - respondeu Francis com uma segurança recém adquirida.»
Foi assim o meu primeiro contacto com o escritor galego (n. Santiago de Compostela, 1959). Não pensei naquele começo, se um livro depois dele se «aguentaria» ou não, o que recordo apenas é que avancei pela leitura como se estivesse a ouvir o próprio autor a contar a história de Francis. Não posso fazer maior elogio. A leitura de «Bebendo o Mar» como que me envolveu num ambiente mágico, um ambiente do qual a pouco e pouco começava a ficar com pena de ter de vir a sair mais cedo ou mais tarde, assim que lesse a última frase. E sempre a pensar que naquele autor eu confiava, assim, a contar as coisas daquela maneira, tranquilamente, com fluência, como se escrever para ele não fosse - não seja - muito diferente de respirar; assim, pensava eu, ele há-de segurar até ao fim o ambiente de magia.
Francis, o tradutor galego que conhece Rose no cinema quando inesperadamente ela lhe pede para darem as mãos, mergulha na obra de Saramago para traduzir «Ensaio Sobre a Cegueira», então o último romance do «tal» escritor português muito falado para o Prémio Nobel de Literatura. Tinha acabado de descobrir, depois de um exame médico de rotina, um problema nos olhos. «Daqui a seis meses estará completamente cego. Sem cura. É a única coisa que lhe posso dizer. Sem cura conhecida.» São as palavras do médico, que fazem Francis pensar numa «condenação pura, de gume de navalha de barbeiro, de dissecação e rotura, de relâmpago frio». E a «parábola» de Saramago para traduzir, uma «parábola milenarista de desestruturação da sociedade e de ausência de esperanças». E Francis com esperanças, a princípio, «as dúvidas sobre o diagnóstico, reforçadas, obviamente, pela ausência de um quadro sintomático sério e pelo receio de acreditar nos médicos como xamãs de uma cultura alheia e reacionária, e sobretudo no que se diz, linguagem mágica e hermética, afastada da realidade». E depois a realidade, os sintomas, a tradução do «ensaio» de Saramago... «Fumou um cigarro, olhando a praia. As ondas. O mar imenso. Os chafarizes das baleias de bossas erguendo-se imponentes a duas marcas da costa. Os surfistas. O sol brincando atrás de umas nuvens improváveis com aquele tempo, com aquele calor abafante, com aquele vento. Umas nuvens irreais, de miragem ou de maremoto interno. As ondas.» É uma praia da Califórnia, é outro mar que não aquele que banha a Galiza. Mas Francis ainda conseguirá ver também o da sua terra natal. Mais do que isso, bem mais.
sábado, 28 de outubro de 2006
O ingénuo
Não vi com muita atenção o Beira-Mar – 3, Sporting – 3 (Alecsandro, Yannick e Liedson), e não vi porque estava num jantar com colegas de trabalho. Mas deu para perceber que mais uma vez algumas das embirrações de Paulo Bento acabaram por trazer dissabores à equipa. No jogo de Aveiro, de início apenas dois dos quatro jogadores-problema (o triste Ricardo e o quase inclassificável Polga, com Caneira e Custódio a descansarem para o Bayern, contra o qual são bem capazes de arranjar confusão). Os golos que a equipa sofreu não lembram a ninguém (num deles, Ricardo, como sempre à maluca, chegou a atirar-se para dentro da baliza bem antes de a bola entrar, enquanto Polga andava aos papéis, como se não percebesse para que é que tinha sido posto a jogar). E no fim Paulo Bento (de quem tenho boa impressão como treinador, apesar da incompreensível insistência nos quatro jogadores-problema que não têm nem de longe valor para integrar o plantel de uma equipa como a do Sporting), Paulo Bento, dizia, meteu-se a fazer de Fernando Santos, dizendo na conferência de imprensa que os jogadores tinham sido ingénuos. Fez mal, porque não foi isso que aconteceu. Ele é que foi ingénuo ao ter ido falar aos jornalistas num tom que facilmente se confunde com o que utilizaria numa ida ao psicólogo, e mais ingénuo ainda foi por insistir em fazer o Sporting entrar em campo com um guarda-redes que em cada jogo que faz pode enterrar uma equipa (ou até uma selecção) e com um defesa – Polga – que julga muito bom mas que na verdade devia tentar outro desporto, bem diferente do futebol (ténis, xadrez, halterofilia…). Espero que Paulo Bento tire ensinamentos deste jogo com o Beira-Mar, perca esta estranha ingenuidade e cresça um pouco como treinador e até como líder de uma equipa do topo. Uma última nota: apesar de estarem do outro lado, não pude deixar de sentir alguma emoção com as presenças de Inácio no banco do Beira-Mar e de Jardel no ataque dessa equipa, no caso na parte final do jogo; ao ver Inácio de pé junto ao banco durante quase todo o jogo e a movimentação de Jardel no lance em que Ricardo deu o frango do segundo golo do Beira-Mar, lembrei-me dos últimos dois campeonatos conquistados pelo Sporting – bons tempos, bons mesmo muito bons!
segunda-feira, 23 de outubro de 2006
Textos sobre livros - 5
Agora com um novo romance de José Rodrigues dos Santos nas livrarias («A Fórmula de Deus»), deixo aqui o texto que escrevi sobre o anterior («O Codex 632»), cujo protagonista é o mesmo.
Livro: «O Codex 632», de José Rodrigues dos Santos (Gradiva, 550 pp.)
Colombo, uma reportagem
Não é nova a tese de uma nacionalidade portuguesa para o navegador «genovês» Cristóvão Colombo. A novidade é a sua apresentação sob a forma romance. José Rodrigues dos Santos conta uma história fascinante em «O Codex 632», como se fosse uma grande reportagem.
No dia 20 de Maio de 2006 serão comemorados os 500 anos da morte de Cristóvão Colombo. A uns meses da efeméride [texto escrito no início deste ano], nada melhor do que um romance para relançar uma polémica que se arrasta desde há muito, sobretudo nos meios académicos, em relação à verdadeira origem do navegador «genovês», que até é dado por alguns especialistas, imagine-se, como sendo natural da Ucrânia. Por mais que se fale, a verdade é que do homem que ficou com a glória de ter descoberto a América – nem que tenha sido apenas por engano –, nada se sabe ao certo, nem sobre a origem, nem sobre a data de nascimento. Talvez lhe tivessem feito uma festa no dia em que passaram 500 anos sobre aquele em que veio ao mundo (um dia qualquer de 1951, por exemplo, cinco séculos depois do ano em que nasceu, a fazer fé em «provas» como o famoso Documento Asseretto – em 1904, um jornal académico italiano noticiou que um coronel genovês, chamado Ugo Asseretto, encontrou uma acta notarial de 25 de Agosto de 1479 que regista a partida de Colombo para Lisboa no dia seguinte, e nela ele, Colombo, declarou ter «etatis annorum viginti septem vel circa», ou seja declarou ter então 27 anos). Assim comemora-se a morte, coisa que a mim sempre me fez confusão – veja-se a febre das comemorações dos 100 anos da morte de Eça, ainda não há muito tempo…
A história de Cristóvão Colombo parece ter muito que se lhe diga. E esmiuçando os inúmeros documentos que existem sobre ele o que mais se pode é desconfiar das suas origens genovesas. Tudo parece levar a que o famoso navegar tenha sido, como se costuma dizer, um português de gema, lá do meio dos alentejos, a quem as voltas da vida tenham obrigado a esconder as suas origens a partir de uma certa altura. E depois muito parece ter sido construído para preencher esse passado tão minuciosamente dissimulado, pelo menos para a História.
O romance de José Rodrigues dos Santos pode ler-se como uma «grande reportagem», o trabalho de um jornalista experiente e prestigiado, que ao mesmo tempo domina as técnicas mais elementares da narrativa. A saga do investigador que em «O Codex 632» investiga a investigação do velho investigador que morreu no Brasil não é mais do que uma viagem pelo mundo fascinante dos documentos e das histórias relacionadas com Cristóvão Colombo. Um mundo de dúvidas, mistérios, contradições, falsificações e o mais que se possa imaginar, tudo coisas capazes de lançarem a confusão a cada passo.
Quanto à escrita, a de «O Codex 632» não é de forma nenhuma elaborada (por exemplo, logo a abrir, a filha que ignora «olimpicamente» a irritação do pai). Percebe-se que José Rodrigues dos Santos pensou mais na descrição da segunda investigação sobre a primeira do que no texto propriamente dito, embora lá de vez em quando alguma elaboração surja (ainda que não muito feliz e acabe por cair num tom repetitivo, por exemplo com a descrição de paisagens a meias com o estado do tempo: «as nuvens altas ameaçavam cobrir o sol, emergindo com vagar, como um manto longínquo…», ou «as águas tranquilas do Mediterrâneo brilhavam, cristalinas, sob o reflexos encandeantes do sol matinal…»; isto para não referir o ridículo em que cai quando se arma em Henry Miller para apimentar os enrolanços entre o protagonista e uma suposta estudante sueca do Erasmus). Mas a história é óptima, o assunto também, e lê-se de um fôlego, apesar do tamanho. Acaba por ser uma escrita muito colada à jornalística, o que em mais de 500 páginas não deve ser fácil de conseguir. Tirando algumas descrições, diz-se apenas o essencial.
E do que se diz, do que se conta, vai ficando a certeza de que Colombo era mesmo português. Porque muitos dos documentos foram ao longo dos anos adulterados, de forma a fazer com que Colombo, que nem teria esse nome, ficasse genovês. E isso para, utilizando as palavras do editor genovês que publicou a biografia do almirante escrita pelo filho espanhol («Vida del Almirante»), «glória de Génova», nunca para glória, por exemplo, da vila alentejana de Cuba. Com tanta falsificação, seria difícil que José Rodrigues dos Santos escapasse ao vício: ele próprio acaba por adulterar um documento (todos os que cita existem mesmo), precisamente o «Codex 632» para resolver a história. «Uma habilidade para dar consistência narrativa», como confessou numa entrevista; mas a ele desculpa-se.
Algo irritante é a sucessão de erros gramaticais do tipo «eles conseguiram iram», em vez do óbvio «eles conseguiram ir» (este exemplo é inventado, mas existem várias construções do género ao longo do livro). Contudo, «O Codex 632» lê-se bem, com fascínio, chegando por vezes a ser tocante (no caso da história pessoal do investigador); e tem passagens extremamente divertidas, como um diálogo que em Tomar o protagonista mantém com um estranho cavaleiro que parece saído de outros tempos.
Livro: «O Codex 632», de José Rodrigues dos Santos (Gradiva, 550 pp.)
Colombo, uma reportagem
Não é nova a tese de uma nacionalidade portuguesa para o navegador «genovês» Cristóvão Colombo. A novidade é a sua apresentação sob a forma romance. José Rodrigues dos Santos conta uma história fascinante em «O Codex 632», como se fosse uma grande reportagem.
No dia 20 de Maio de 2006 serão comemorados os 500 anos da morte de Cristóvão Colombo. A uns meses da efeméride [texto escrito no início deste ano], nada melhor do que um romance para relançar uma polémica que se arrasta desde há muito, sobretudo nos meios académicos, em relação à verdadeira origem do navegador «genovês», que até é dado por alguns especialistas, imagine-se, como sendo natural da Ucrânia. Por mais que se fale, a verdade é que do homem que ficou com a glória de ter descoberto a América – nem que tenha sido apenas por engano –, nada se sabe ao certo, nem sobre a origem, nem sobre a data de nascimento. Talvez lhe tivessem feito uma festa no dia em que passaram 500 anos sobre aquele em que veio ao mundo (um dia qualquer de 1951, por exemplo, cinco séculos depois do ano em que nasceu, a fazer fé em «provas» como o famoso Documento Asseretto – em 1904, um jornal académico italiano noticiou que um coronel genovês, chamado Ugo Asseretto, encontrou uma acta notarial de 25 de Agosto de 1479 que regista a partida de Colombo para Lisboa no dia seguinte, e nela ele, Colombo, declarou ter «etatis annorum viginti septem vel circa», ou seja declarou ter então 27 anos). Assim comemora-se a morte, coisa que a mim sempre me fez confusão – veja-se a febre das comemorações dos 100 anos da morte de Eça, ainda não há muito tempo…
A história de Cristóvão Colombo parece ter muito que se lhe diga. E esmiuçando os inúmeros documentos que existem sobre ele o que mais se pode é desconfiar das suas origens genovesas. Tudo parece levar a que o famoso navegar tenha sido, como se costuma dizer, um português de gema, lá do meio dos alentejos, a quem as voltas da vida tenham obrigado a esconder as suas origens a partir de uma certa altura. E depois muito parece ter sido construído para preencher esse passado tão minuciosamente dissimulado, pelo menos para a História.
O romance de José Rodrigues dos Santos pode ler-se como uma «grande reportagem», o trabalho de um jornalista experiente e prestigiado, que ao mesmo tempo domina as técnicas mais elementares da narrativa. A saga do investigador que em «O Codex 632» investiga a investigação do velho investigador que morreu no Brasil não é mais do que uma viagem pelo mundo fascinante dos documentos e das histórias relacionadas com Cristóvão Colombo. Um mundo de dúvidas, mistérios, contradições, falsificações e o mais que se possa imaginar, tudo coisas capazes de lançarem a confusão a cada passo.
Quanto à escrita, a de «O Codex 632» não é de forma nenhuma elaborada (por exemplo, logo a abrir, a filha que ignora «olimpicamente» a irritação do pai). Percebe-se que José Rodrigues dos Santos pensou mais na descrição da segunda investigação sobre a primeira do que no texto propriamente dito, embora lá de vez em quando alguma elaboração surja (ainda que não muito feliz e acabe por cair num tom repetitivo, por exemplo com a descrição de paisagens a meias com o estado do tempo: «as nuvens altas ameaçavam cobrir o sol, emergindo com vagar, como um manto longínquo…», ou «as águas tranquilas do Mediterrâneo brilhavam, cristalinas, sob o reflexos encandeantes do sol matinal…»; isto para não referir o ridículo em que cai quando se arma em Henry Miller para apimentar os enrolanços entre o protagonista e uma suposta estudante sueca do Erasmus). Mas a história é óptima, o assunto também, e lê-se de um fôlego, apesar do tamanho. Acaba por ser uma escrita muito colada à jornalística, o que em mais de 500 páginas não deve ser fácil de conseguir. Tirando algumas descrições, diz-se apenas o essencial.
E do que se diz, do que se conta, vai ficando a certeza de que Colombo era mesmo português. Porque muitos dos documentos foram ao longo dos anos adulterados, de forma a fazer com que Colombo, que nem teria esse nome, ficasse genovês. E isso para, utilizando as palavras do editor genovês que publicou a biografia do almirante escrita pelo filho espanhol («Vida del Almirante»), «glória de Génova», nunca para glória, por exemplo, da vila alentejana de Cuba. Com tanta falsificação, seria difícil que José Rodrigues dos Santos escapasse ao vício: ele próprio acaba por adulterar um documento (todos os que cita existem mesmo), precisamente o «Codex 632» para resolver a história. «Uma habilidade para dar consistência narrativa», como confessou numa entrevista; mas a ele desculpa-se.
Algo irritante é a sucessão de erros gramaticais do tipo «eles conseguiram iram», em vez do óbvio «eles conseguiram ir» (este exemplo é inventado, mas existem várias construções do género ao longo do livro). Contudo, «O Codex 632» lê-se bem, com fascínio, chegando por vezes a ser tocante (no caso da história pessoal do investigador); e tem passagens extremamente divertidas, como um diálogo que em Tomar o protagonista mantém com um estranho cavaleiro que parece saído de outros tempos.
domingo, 22 de outubro de 2006
Os quatro medíocres
Sporting – 1 (Yannick), Porto – 1. Para um adepto do Sporting, é muito triste ver fugir uma vitória que aparentemente era fácil. O Sporting costuma começar os jogos com três jogadores medíocres (Paulo Bento insiste em Ricardo, Polga e Caneira e não há meio de mudar), mas agora com a recuperação de Custódio de uma lesão a conta subiu para quatro. Neste jogo, o capitão (???) Custódio fez a habitual figura de espectador (com a agravante de estar dentro do campo a ocupar um lugar em que poderia estar um jogador já não digo muito bom mas pelo menos assim-assim, nem que fosse algum dos juniores que Paulo Bento de vez em quando põe a treinar com a equipa principal). E depois o golo do empate do Porto… Polga fez que não era nada com ele, Caneira encolheu-se e com os braços ainda fez uns gestos tipo não me chateiem e Ricardo, o incomparável Ricardo dos frangos cirúrgicos para tramarem o Sporting, lá arranjou maneira de passar a bola a um jogador do Porto que só teve de fazer o golo. Sendo assim, nada a fazer. E creio que poderão surgir mais dissabores destes, como não me canso de referir; Paulo Bento, muito provavelmente, vai continuar a apostar nestes quatro jogadores absolutamente medíocres.
quinta-feira, 19 de outubro de 2006
A derrota com o Bayern
Sporting – 0, Bayern – 1. Talvez pudesse ter sido outro o resultado, mas este também não é de estranhar para quem viu o jogo. Pode parecer pela equipa inicial que Paulo Bento não teve medo da equipa alemã, mas teve um bocadinho. E por isso não dominou o jogo logo de início, como tinha condições para fazer com as soluções que tem no plantel. Custou-me ver Caneira a queimar um lugar a defesa direito, ou seja, a equipa a atacar jogou com menos um e as coisas só ficaram equilibradas na segunda parte, quando o autor do golo foi expulso (ainda Caneira… abriu a sessão da asneira logo no início do jogo com um penalty que o árbitro não viu, ou fez que não viu, ou se calhar decidiu não marcar porque depois de agarrado o avançado do Bayern atirou-se para o chão). Também me custou ouvir um comentador classificar a actuação de Polga como «imperial», Polga esse que mesmo assim ia marcando um golo (ao menos uma vez na vida enquanto jogador do Sporting…); quase que se repetia o que aconteceu com o Inter, com os craques a não conseguirem marcar e os azelhas, sem saberem bem como, a conseguirem, e quanto àquilo do «imperial», só se for por causa de alguma ligação com a cerveja, talvez chegada à memória do comentador de forma rebuscada pelo facto de estar a ver jogar uma equipa de Munique. O golo do Bayern, marcado pelo jogador dos dois frangos de Ricardo contra a Alemanha no último mundial, enfim, desta vez não foi tão escandaloso, mas pedia-se mais atenção num remate de tão longe, que permite dar um passo e só depois atirar-se para defender; agora assim a atirar-se à maluca… Por vezes é um problema aquilo do «torcer para que Ricardo não dê barraca», porque torcer, isso com ele nem sempre resulta. O Sporting, calmamente (porque Ricardo sempre defende alguns remates e se a defesa estiver segura pode nem se notar durante uma série de jogos), devia começar a preparar um guarda-redes jovem para daqui a uns meses entrar na equipa, isto no caso de ter algum em condições nos juniores, ou então contratar um de jeito. Uma última nota, sobre aquilo de haver uma defesa segura à frente de Ricardo… Aí o Sporting tem graves problemas: para a direita há um excelente jogador (Abel, que contra o Bayern tinha dado muito jeito) e um mediano (Miguel Garcia); para o centro há Tonel (cumpre, e além disso é muito inteligente a jogar e marca golos); para a esquerda há Ronny (muito bom) e Rodrigo Tello (cumpre e por vezes até consegue desempenhos assinaláveis); só que depois de tudo isto há a questão da insistência de Paulo Bento em Caneira (é um mau jogador) para a direita ou para a esquerda e o recurso (não há mais nenhum, mas se houvesse acho que Paulo Bento continuaria a apostar nele) a Polga, que é um jogador medíocre, talvez ao nível de Luisão, do Benfica; ou seja, o Sporting deveria ter mais dois centrais, um muito bom e outro pelo menos ao nível de Tonel; Miguel Veloso nessa posição já mostrou que dá garantias, mas seria um desperdício tirá-lo do meio campo – além de que se deixasse o meio-campo havia o risco de sair na rifa aos sportinguistas o capitão (?) Custódio.
segunda-feira, 16 de outubro de 2006
Sem comentários
Sem comentários o Estrela da Amadora – 0, Sporting – 1 (Tonel). Foi como se não tivesse havido este jogo no campo do Estoril e o Sporting acabasse por ganhar na secretaria por causa de o Estrela não ter as instalações disponíveis. A verdade é que nada se viu, nem de um lado (Sporting), nem do outro (Estrela, coisa que aliás era esperada). Uma nota apenas para um momento perto dos setenta minutos: Paulo Bento resolveu fazer entrar dois dos suplentes (Caneira e Custódio); quando entra na equipa um jogador tremendamente limitado já dá que pensar, mas logo dois ao mesmo tempo…
sábado, 14 de outubro de 2006
Fidel Pinho
O ministro da Economia, Manuel Pinho, anunciou o fim da crise em Portugal; foi ontem, de modo que tudo deve ter mesmo melhorado de um dia para o outro. Lembro-me de que há poucos anos, em Cuba, através de um diploma do governo, foi decretada a alegria em toda a ilha a partir do dia da sua publicação (e o diploma obrigava toda a gente a ficar alegre, senão…)
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
sábado, 7 de outubro de 2006
O futebol e os seus mistérios
O futebol tem muitos mistérios. Um dos que mais me intrigam é o dos jogadores que a vários níveis têm grandes limitações (ou pior do que isso) mas que conseguem época após época manter-se no topo. Vou juntar aqui alguns, com várias adaptações para conseguir formar uma equipa de onze. Vejamos então? Ricardo; Ricardo Rocha, Polga, Luisão e Caneira; Custódio, Quaresma, Sá Pinto e Luís Boa Morte; Pauleta e Peter Crouch. Até onde chegaria esta equipa? Quanto ao treinador? Obviamente, José Peseiro, embora Fernando Santos não envergonhasse.
quinta-feira, 5 de outubro de 2006
Textos sobre livros - 4
Mais um texto sobre um livro. Desta vez, sobre o belíssimo romance «El-Rei no Porto», de Fernando Venâncio (saiu no suplemento «Mil Folhas», do jornal «Público», em meados de Setembro de 2001).
Livro: «El-Rei no Porto», de Fernando Venâncio (Edições Asa, 171 pp.)
Portugal cortado ao meio
O segundo romance de Fernando Venâncio tem Santa Maria da Feira como capital política de uma jovem monarquia, o Reino de Portugal. Nas terras do sul fica a república do costume, mais pequena, mas a do costume.
Não tem sido fértil a ficção portuguesa na exploração de cenários de grandes convulsões sociais ou políticas. Talvez porque a própria pacatez do nosso país não leve a que se pense muito no tema. Daí alguma surpresa quando se entra na leitura de «El-Rei no Porto», o segundo romance de Fernando Venâncio, que conta uma história de amor num Portugal que acaba por dividir-se em dois países. A ideia não era nova, o autor já a tinha anunciado aos quatro ventos em 1988, numa crónica publicada no «Jornal de Letras». Aí, oferecia-a a quem a quisesse aproveitar, não para fazer uma revolução, mas para escrever um livro, ou fazer um filme ou uma série de televisão. «Mas ninguém reagiu» – lamenta-se numa nota final a «El-Rei no Porto». Acrescentando depois: «Doze anos não bastaram para que alguém chamasse seu a tamanho tesouro...»
Admite-se a Fernando Venâncio a expressão «tamanho tesouro», porque de facto a trama de um romance que corte Portugal ao meio é sem dúvida uma boa ideia, muito boa mesmo, embora talvez não deva ser levada muito a sério fora da ficção. Quanto à sua concretização, ainda na ficção, já se vê, que é o que para aqui interessa, isso será outra história. E difícil, bem difícil, o que por certo explica o facto de ninguém se ter metido em aventuras depois da crónica de 1988. Lá teve assim o próprio Fernando Venâncio de arregaçar as mangas e pôr mãos à obra noutras circunstâncias, por certo bem diferentes das que lhe permitiram chegar à ideia.
E então apareceu o romance que corta Portugal ao meio, arranjando uma monarquia a norte e uma república a sul. O Reino de Portugal, com o coração no Porto e a capital política em Santa Maria da Feira, e Portugal, ainda e sempre com tudo concentrado em Lisboa. A trama passa-se no século XXI, presume-se que nos primeiros anos. O narrador é Ricardo Gralho, um jornalista desportivo de Lisboa que tem no Porto a sua namorada, a jovem Márcia. Ricardo conta a certa altura: «A 10 de Abril, na noite das eleições, foi o terror. Matilde Laborim ganhava por 54% dos votos. Só que nove décimos deles vinham de a sul do Mondego. Os 46% que Rodrigo Penhas reuniu, couberam-lhe praticamente só na metade norte. Tudo graças a uma formidável mobilização no Sul, e a uma suficiente, mas ainda hoje inexplicada, falta de comparência a Norte.» Talvez não tenha sido inocente essa falta de comparência, capaz de deixar o nortenho Rodrigo Penhas fora do palácio de Belém. Os autarcas do norte, um verdadeiro poder, não pareciam muito afeitos à ideia de um presidente a mandar neles, mesmo que enviado do Porto para Lisboa. Um rei feito apenas à sua medida haveria de servi-los melhor.
Quando a nova presidente visita o Porto, na véspera de um Boavista – Sporting ainda para o campeonato do país unido, a cidade do derrotado Rodrigo recebe-a com «os rostos fechados, as figas à socapa, e por isso tão decepcionantes...» Chamam-lhe «a Moura». O mal-estar não é mais do que o prenúncio da guerra, que não tardará a rebentar. «As imagens precipitam-se, amontoam-se, repetem-se, estão lá todos, a RTP, a CNN, outros vão chegando. Por Madrid, por Rabat. Há uma guerra, outra guerra, na Europa? Poça, há uma guerra no meu país. Os americanos e a SIC arranjaram cada um seu helicóptero...»
Conta ainda Ricardo Gralho: «A coisa estragou-se, se bem percebi, numa saída da auto-estrada, junto a Pombal, quando os tanques do Norte ensaiavam um envolvimento, um romper das linhas, onde é que a gente já ouviu tais termos. Uma coluna dos nossos tentou fazer-lhes alto, diz-se que a bem, 'numa tentativa de chamar à razão o inimigo', estamos a tornar-nos eloquentes. Foi pior. Fomos mal percebidos. Alguém do outro lado fez fogo, talvez por pânico, com a razão à deriva. Eram seis e quarenta da tarde, estava eu a tentar falar à Márcia, de cinco em cinco minutos, contra toda a sanidade.»
Percebe-se na narrativa do protagonista a segurança de Fernando Venâncio, não apenas na condução da trama, revelando factos muito antes do que o leitor poderia sequer esperar – sem que com isso quebre o interesse pela história –, mas sobretudo na maneira como vai tendo mão nas próprias palavras. Fica-se com a ideia, não poucas vezes, de que a insistência numa certa coloquialidade na narrativa de Ricardo, mais linha menos linha, conduzirá a atropelos irremediáveis. Mas não, o jornalista desportivo lá avança pelo livro, a toda a hora descobrindo maneira de se livrar de algum embaraço.
Já com Márcia, Ricardo não parece ter tanta sorte. Nem o telemóvel nem o e-mail lhe valem. As suas dúvidas são as do leitor, que inevitavelmente torce por ele. Ricardo procura a sua amada, e o livro até parece prometer melhor leitura se ele a encontrar. O jornalista vai ao novo reino do norte através de Espanha, como toda a gente, como se torna uso nas viagens de sul para norte e de norte para sul. Mas de Márcia nem sinal. No Reino de Portugal, Rodrigo Penhas é mesmo feito Dom Rodrigo, chegando ao trono. E Márcia, a namorada portuense de Ricardo Gralho? Até onde chegará ela? Descobre-se isso a meio de «El-Rei no Porto», sem que nada apele a que se pare por aí a leitura. Mas a desilusão dessa descoberta, a grande desilusão de Ricardo, não há-de derrotar tão cedo a esperança de que o amor talvez possa triunfar. Afinal, ainda faltará muito livro nessa altura. E os dois países terão de entender-se. Ironicamente, será o futebol o pretexto para o primeiro reencontro entre o norte e o sul.
Livro: «El-Rei no Porto», de Fernando Venâncio (Edições Asa, 171 pp.)
Portugal cortado ao meio
O segundo romance de Fernando Venâncio tem Santa Maria da Feira como capital política de uma jovem monarquia, o Reino de Portugal. Nas terras do sul fica a república do costume, mais pequena, mas a do costume.
Não tem sido fértil a ficção portuguesa na exploração de cenários de grandes convulsões sociais ou políticas. Talvez porque a própria pacatez do nosso país não leve a que se pense muito no tema. Daí alguma surpresa quando se entra na leitura de «El-Rei no Porto», o segundo romance de Fernando Venâncio, que conta uma história de amor num Portugal que acaba por dividir-se em dois países. A ideia não era nova, o autor já a tinha anunciado aos quatro ventos em 1988, numa crónica publicada no «Jornal de Letras». Aí, oferecia-a a quem a quisesse aproveitar, não para fazer uma revolução, mas para escrever um livro, ou fazer um filme ou uma série de televisão. «Mas ninguém reagiu» – lamenta-se numa nota final a «El-Rei no Porto». Acrescentando depois: «Doze anos não bastaram para que alguém chamasse seu a tamanho tesouro...»
Admite-se a Fernando Venâncio a expressão «tamanho tesouro», porque de facto a trama de um romance que corte Portugal ao meio é sem dúvida uma boa ideia, muito boa mesmo, embora talvez não deva ser levada muito a sério fora da ficção. Quanto à sua concretização, ainda na ficção, já se vê, que é o que para aqui interessa, isso será outra história. E difícil, bem difícil, o que por certo explica o facto de ninguém se ter metido em aventuras depois da crónica de 1988. Lá teve assim o próprio Fernando Venâncio de arregaçar as mangas e pôr mãos à obra noutras circunstâncias, por certo bem diferentes das que lhe permitiram chegar à ideia.
E então apareceu o romance que corta Portugal ao meio, arranjando uma monarquia a norte e uma república a sul. O Reino de Portugal, com o coração no Porto e a capital política em Santa Maria da Feira, e Portugal, ainda e sempre com tudo concentrado em Lisboa. A trama passa-se no século XXI, presume-se que nos primeiros anos. O narrador é Ricardo Gralho, um jornalista desportivo de Lisboa que tem no Porto a sua namorada, a jovem Márcia. Ricardo conta a certa altura: «A 10 de Abril, na noite das eleições, foi o terror. Matilde Laborim ganhava por 54% dos votos. Só que nove décimos deles vinham de a sul do Mondego. Os 46% que Rodrigo Penhas reuniu, couberam-lhe praticamente só na metade norte. Tudo graças a uma formidável mobilização no Sul, e a uma suficiente, mas ainda hoje inexplicada, falta de comparência a Norte.» Talvez não tenha sido inocente essa falta de comparência, capaz de deixar o nortenho Rodrigo Penhas fora do palácio de Belém. Os autarcas do norte, um verdadeiro poder, não pareciam muito afeitos à ideia de um presidente a mandar neles, mesmo que enviado do Porto para Lisboa. Um rei feito apenas à sua medida haveria de servi-los melhor.
Quando a nova presidente visita o Porto, na véspera de um Boavista – Sporting ainda para o campeonato do país unido, a cidade do derrotado Rodrigo recebe-a com «os rostos fechados, as figas à socapa, e por isso tão decepcionantes...» Chamam-lhe «a Moura». O mal-estar não é mais do que o prenúncio da guerra, que não tardará a rebentar. «As imagens precipitam-se, amontoam-se, repetem-se, estão lá todos, a RTP, a CNN, outros vão chegando. Por Madrid, por Rabat. Há uma guerra, outra guerra, na Europa? Poça, há uma guerra no meu país. Os americanos e a SIC arranjaram cada um seu helicóptero...»
Conta ainda Ricardo Gralho: «A coisa estragou-se, se bem percebi, numa saída da auto-estrada, junto a Pombal, quando os tanques do Norte ensaiavam um envolvimento, um romper das linhas, onde é que a gente já ouviu tais termos. Uma coluna dos nossos tentou fazer-lhes alto, diz-se que a bem, 'numa tentativa de chamar à razão o inimigo', estamos a tornar-nos eloquentes. Foi pior. Fomos mal percebidos. Alguém do outro lado fez fogo, talvez por pânico, com a razão à deriva. Eram seis e quarenta da tarde, estava eu a tentar falar à Márcia, de cinco em cinco minutos, contra toda a sanidade.»
Percebe-se na narrativa do protagonista a segurança de Fernando Venâncio, não apenas na condução da trama, revelando factos muito antes do que o leitor poderia sequer esperar – sem que com isso quebre o interesse pela história –, mas sobretudo na maneira como vai tendo mão nas próprias palavras. Fica-se com a ideia, não poucas vezes, de que a insistência numa certa coloquialidade na narrativa de Ricardo, mais linha menos linha, conduzirá a atropelos irremediáveis. Mas não, o jornalista desportivo lá avança pelo livro, a toda a hora descobrindo maneira de se livrar de algum embaraço.
Já com Márcia, Ricardo não parece ter tanta sorte. Nem o telemóvel nem o e-mail lhe valem. As suas dúvidas são as do leitor, que inevitavelmente torce por ele. Ricardo procura a sua amada, e o livro até parece prometer melhor leitura se ele a encontrar. O jornalista vai ao novo reino do norte através de Espanha, como toda a gente, como se torna uso nas viagens de sul para norte e de norte para sul. Mas de Márcia nem sinal. No Reino de Portugal, Rodrigo Penhas é mesmo feito Dom Rodrigo, chegando ao trono. E Márcia, a namorada portuense de Ricardo Gralho? Até onde chegará ela? Descobre-se isso a meio de «El-Rei no Porto», sem que nada apele a que se pare por aí a leitura. Mas a desilusão dessa descoberta, a grande desilusão de Ricardo, não há-de derrotar tão cedo a esperança de que o amor talvez possa triunfar. Afinal, ainda faltará muito livro nessa altura. E os dois países terão de entender-se. Ironicamente, será o futebol o pretexto para o primeiro reencontro entre o norte e o sul.
quarta-feira, 4 de outubro de 2006
O topo
Sporting – 2 (Nani, Liedson), Leiria – 0. De novo no topo da classificação, depois da segunda derrota do Porto, à boa maneira de Jesualdo, com o Arsenal, desta vez o de cá. Nada a dizer da equipa do Sporting (não adianta insistir nos problemas de Caneira e de Polga, até porque os outros jogadores disfarçam-nos bem, e além disso o árbitro deste jogo não ligou a uma entrada à maluca de Polga sobre um jogador do Leiria que poderia ter dado grande penalidade). Outra coisa: com a confirmação de Miguel Veloso, parece estar fora de hipótese o regresso do assustador Custódio à equipa; isso, é claro, só pode deixar os adeptos descansados.
Motorista de família
Já vem atrasado, mas só agora copiei do blog onde escreve um amigo meu. Chama-se «Portugal Descrente» e está aqui. É o despacho do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral, publicado no Diário da República de 12 de Julho de 2006 (reproduzido no blog a 16). Reza (ou antes, diz, já que se trata de uma publicação de um estado laico) assim: «Louvor n.º 532/ 2006 – Louvo José Lopes Cardoso, motorista do meu Gabinete, especialmente encarregado do apoio automóvel à minha família directa, pelas suas excepcionais qualidades humanas, além de uma excelente educação, elevada competência profissional, capacidade de condução segura, pontualidade, aprumo pessoal e absoluta discrição. Senti-me sempre muito tranquilo por saber que estavam nas suas mãos os membros da minha família mais próxima que, por uma razão ou por outra, precisavam dos seus serviços, de que sempre muito gostaram./ 30 de Junho de 2006. – O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Diogo Pinto de Freitas do Amaral.»
Comenta logo a seguir o meu amigo (que assina CA): «Agora que o ministro Freitas do Amaral se foi embora, fica-se a saber por um despacho de louvor publicado no DR que tinha ao seu serviço, pago pelo Estado, um motorista para prestar apoio à ‘família directa’ e que por sinal gostava dos serviços do dito!!! E depois ainda querem que acreditemos em tudo isto!!!»
Comenta logo a seguir o meu amigo (que assina CA): «Agora que o ministro Freitas do Amaral se foi embora, fica-se a saber por um despacho de louvor publicado no DR que tinha ao seu serviço, pago pelo Estado, um motorista para prestar apoio à ‘família directa’ e que por sinal gostava dos serviços do dito!!! E depois ainda querem que acreditemos em tudo isto!!!»
quarta-feira, 27 de setembro de 2006
Lá na Rússia
Spartak de Moscovo – 1, Sporting – 1 (Nani). Talvez pudesse ter sido melhor, mas também não está mal. Umas notas, do Sporting e não só. Não gostei de o décimo nono jogador (o que ficou de fora) ter sido Ronny, de quem Caneira está a anos-luz. Miguel Veloso mais uma vez confirmou-se como central, o problema é que Polga confirmou-se como central inamovível da equipa. Fora do Sporting, vi com espanto Peter Crouch, do Liverpool, marcar um golo em pontapé de bicicleta; um mistério... Ouvi sem espanto, no rádio do carro, Fernando Santos dizer doze vezes «na realidade» na curtíssima intervenção que fez logo a seguir à derrota com o Manchester United (ainda antes da intervenção na sala da comunicação social – aí deve ter dito umas cento e vinte). Ouvi no mesmo rádio que Luisão deu um tremenda descompostura a Karagounis durante o jogo; achei piada ser o jogador medíocre a repreender o jogador com talento. Quanto ao Porto, o problema é que o adversário chamava-se Arsenal; se fosse Naval…
Textos sobre livros - 3
Há dias li uma crítica arrasadora sobre o último romance de José António Saraiva, «As Herdeiras de Adriano Gentil» (Oficina do Livro). Saiu no suplemento «Mil Folhas», do jornal «Público». Eu tenho o livro em causa comigo; li as primeiras páginas e desisti, porque não aguentei mais do que essas primeiras páginas (umas cinco). De qualquer forma, como gostei do primeiro romance de Saraiva, «O Último Verão na Ria Formosa», aqui fica o texto que escrevi sobre ele (curiosamente, para o mesmo suplemento do «Público») no Verão de 2001.
Livro: «O Último Verão na Ria Formosa», de José António Saraiva (Publicações Dom Quixote, 260 pp.)
Labirinto de emoções
Muito mais do que na investigação da morte de um jovem, a trama do primeiro romance de José António Saraiva assenta numa teia obscura, insondável. Como quase todas as que têm a ver com as relações humanas.
Vá lá perceber-se por quê, nunca faltaram no mundo defensores da literatura como feudo de um grupo muito restrito. Defensores sempre atentos a invasões, e prontos para combatê-las até à última letra da última palavra. Actores, políticos, publicitários, mas sobretudo jornalistas (se calhar porque habitualmente escrevem), estão invariavelmente na calha para serem zurzidos se se meterem em aventuras literárias. Isto tudo, imagine-se, quando a própria literatura, vivendo muito dos chamados escritores-escritores, tem conhecido também grandes momentos à custa de invasões, seja de médicos, seja de advogados, seja de políticos, seja até, e tantas, tantas vezes, de jornalistas.
Parece ser este último caso o de José António Saraiva, director de um jornal, autor do romance «O Último Verão na Ria Formosa», um indiscutível bom momento. Sem ter história de relevo na ficção, decidiu escrever um romance e, sacrilégio maior, poderão dizer certos puristas, publicá-lo. Pois em boa hora o fez, presenteando um público vasto (até porque é uma figura bastante conhecida) com uma obra bem meritória.
O romance logo logo talvez não desperte a atenção. Ao percorrer-se as primeiras páginas, numa leitura transversal, pode chocar-nos com a sua estrutura, quase a lembrar um diário, e mais ainda com o tempo presente de boa parte do texto. Em manuais de escrita criativa, por vezes, vê-se defender que o uso do presente na literatura costuma ser associado a escritores menores. Talvez não seja uma ideia para levar muito a sério, até pelos inúmeros casos de grandes obras escritas no presente. Por esta também.
«O Último Verão na Ria Formosa» lê-se de um fôlego. Ao fim de poucas páginas, percebe-se o despropósito dos óbices iniciais, precisamente por redundarem, eles mesmo, em fonte de prazer para a leitura. Afinal, em última análise, é isso que interessa ao leitor de ficção: o prazer retirado da leitura. Também se lê «O Último Verão na Ria Formosa» com um sentimento de pena, porque à medida que as páginas avançam toma-se consciência de que em poucas horas sairemos de uma grande história. E que talvez nos mantenhamos a pensar nas personagens e no seu mundo ainda tão recente, de há vinte e cinco, trinta anos [a contar de 2001]. Tão recente, mas tão diferente do dos nossos dias. O Portugal do final do Estado Novo, que exerce o seu fascínio sobretudo porque agora é possível observá-lo de longe, a salvo dos desmandos da ditadura. E o Portugal dos anos imediatamente a seguir ao 25 de Abril.
José António Saraiva conseguiu um romance inteligente e com uma narrativa empolgante. A escrita é simples e com uma pontuação que parece ser apenas a estritamente necessária, confiando mais na disciplina de respiração do leitor do que no uso das vírgulas. Esta frugalidade quase faz lembrar a casa da personagem central. Já a profundidade psicológica chega por vezes a parecer imbatível. Apesar de se tratar de um primeiro romance, «O Último Verão na Ria Formosa» é um romance de alguém que já viveu e que já leu o suficiente para saber aquilo que deve apresentar aos potenciais leitores. E de alguém que já passou pela escrita para televisão (entre 1977 e 1980, chegou a ensiná-la na RTP); nota-se isso página a página, porque todas elas se apresentam como se nos fosse permitido estar a um canto, discretos, à espreita de cada cena.
Jacinto de Jesus é um médico beirão a exercer a actividade em Tavira. Anda pelos quarenta anos e ainda é solteiro. Foi a mãe, viúva e a viver numa aldeia da Beira Baixa, que lhe comprou o pijama que usa na noite em que tudo começa. «Está para se enfiar na cama quando o telefone toca. – Doutor Jacinto de Jesus? - interpela uma voz áspera, enérgica, antes de o médico ter podido dizer alguma coisa. – Sim, é o próprio... – Fala o sargento Faria, da GNR. Houve um acidente aqui na área. Um carro que se meteu na ria.»
No Verão, Jacinto substitui o delegado de saúde local, enquanto este goza férias, de modo que é ele que passa a certidão de óbito de um jovem encontrado morto no interior do carro. Escreve «Afogamento» na certidão, mas há-de começar a ter suspeitas de que não foi isso que aconteceu. Decide então investigar, não por simples curiosidade, mas por reencontrar uma mulher cuja visão numa esplanada de Tavira o deixara fascinado. «Um grito agudo soa na noite como um uivo e Mariana Mendes lança-se nos braços de Jacinto. – Desculpe – diz ela ao fim de alguns momentos, sem olhar para o médico. – É o meu filho – explica numa voz rouca, arrastada, endireitando-se lentamente e procurando recuperar a compostura. Então ele reconhece-a.»
Não tardará a que a história se embrenhe por um labirinto de emoções, com todos os seus mistérios. Muito mais do que na investigação de uma morte, seguindo modelos banais do romance policial, «O Último Verão na Ria Formosa» assenta numa teia obscura, insondável, como quase todas as que têm a ver com as relações humanas. A investigação nunca passa de um conjunto de suposições, que como se irá descobrindo não são apenas as do médico Jacinto de Jesus...
«O Último Verão na Ria Formosa» é a primeira experiência de José António Saraiva na literatura de ficção. Numa entrevista, questionado sobre o seu futuro como escritor, disse que depois do primeiro romance não contava meter-se a fazer outro. Haverá por certo muita gente a lamentar.
Nota de agora: o que eu escrevi no último parágrafo perdeu entretanto a vaidade; José António Saraiva, como se sabe, já escreveu mais dois romances e inclusive disse numa entrevista ao jornal que então dirigia que tinha esperanças de vir a ganhar o Prémio Nobel da Literatura.
domingo, 24 de setembro de 2006
Passagem pelas Aves
Desportivo das Aves – 0, Sporting – 2 (Alecsandro e Tonel). Desta vez um jogo tranquilo. Dos dez jogadores de campo que entraram de início (Miguel Garcia, Polga, Miguel Veloso e Ronny; João Moutinho; Yannick, Nani e Tello; Alecsandro e Liedson), tirando Polga (é difícil descrever tanta falta de jeito), todos dão garantias de que sabem jogar à bola, obviamente uns mais do que outros, mas a verdade é que dão. Dois dos que entraram na segunda parte (Romagnoli e Tonel), a mesma coisa. Fica o lamento pela insistência de Paulo Bento em Caneira (substituiu Ronny na segunda parte), mas já parece que é sina do Sporting. Resta o imprevisível Ricardo, que teve pouco que fazer mas que numa das vezes arranjou uma confusão das que só ele sabe.
Uma nota para o jogo do Porto com o Beira-Mar, em que o verdadeiro acontecimento foi a presença de Jardel. Mesmo estando na moda questionar o comportamento dos árbitros, o que eu questiono é o de um dos defesas centrais do Beira Mar, de nome Alcaraz (uma espécie de Polga de Aveiro); refiro-me ao segundo golo do Porto, e que depois de uma tentativa de alívio (ou atraso para o guarda-redes, nem percebi), e tendo um jogador do Porto conseguido desviar a bola para a baliza, lentamente, o mesmo Alcaraz pulou por cima do seu companheiro guarda-redes, foi atrás da bola, também lentamente, como que só a acompanhar a sua trajectória, e não fez nada para evitar o golo. A sério que não percebi. E se a bola tivesse parado em cima da linha de baliza? Teria Alcaraz tentado mais um alívio à maluca e feito a bola entrar?
Uma nota para o jogo do Porto com o Beira-Mar, em que o verdadeiro acontecimento foi a presença de Jardel. Mesmo estando na moda questionar o comportamento dos árbitros, o que eu questiono é o de um dos defesas centrais do Beira Mar, de nome Alcaraz (uma espécie de Polga de Aveiro); refiro-me ao segundo golo do Porto, e que depois de uma tentativa de alívio (ou atraso para o guarda-redes, nem percebi), e tendo um jogador do Porto conseguido desviar a bola para a baliza, lentamente, o mesmo Alcaraz pulou por cima do seu companheiro guarda-redes, foi atrás da bola, também lentamente, como que só a acompanhar a sua trajectória, e não fez nada para evitar o golo. A sério que não percebi. E se a bola tivesse parado em cima da linha de baliza? Teria Alcaraz tentado mais um alívio à maluca e feito a bola entrar?
quarta-feira, 20 de setembro de 2006
Um comentário
O post do «Grrr…», ali em baixo, teve um comentário, a que já respondi. Como acho que é importante, trago-o agora para aqui, que sempre é um lugar mais visível (de qualquer forma, pode ser lido também no blog «O Leão da Estrela». Eu concordo em boa parte com a análise que é feita no comentário. Não é muito normal ver opiniões de sportinguistas que não alinhem sempre pela cartilha dos dirigentes, e isso é tão mais estranho quanto o facto de o clube nos últimos anos não ter tido muita sorte com a gente que lhe tem saído ao caminho – talvez agora as coisas a esse nível até estejam menos mal, mas mesmo assim de vez em quando ainda dá para os adeptos se arrepiarem.
A segunda parte do primeiro parágrafo é praticamente uma cópia do que respondi ao comentário. Quanto ao comentário, é o seguinte:
«A ideia de pedir a repetição do jogo Sporting-Paços de Ferreira, que é defendida pelos juristas da SAD do Sporting, é mais um episódio destinado a entrar no anedotário bem recheado do grande pântano em que vive o futebol português, à semelhança do célebre luto sportinguista decretado há uns anos pelo ex-presidente Dias da Cunha./ Infelizmente, nos últimos 25 anos, a história do futebol português está resumida a títulos do FC Porto, entremeados com títulos do Benfica enquanto andava por lá Fernando Martins, o grande amigo de Pinto da Costa em Lisboa./ Para o Sporting, que investiu como ninguém em grandes equipas e em grandes treinadores, ficaram três campeonatos e umas taças sobrantes, conquistados em anos de crise e distracção dos controladores. Nos anos 90, o Sporting ganhou uma Taça de Portugal e uma Supertaça porque tinha mesmo uma grande equipa, o mesmo acontecendo quando foi campeão em 2000 e 2002, falhando muito ingloriamente um tri-campeonato porque o Boavista de Valentim Loureiro se meteu na luta, presumivelmente por ‘determinação’ do tal ‘sistema’, vencendo a Liga de 2001. Quem não se lembra do anti-jogo e do jogo violento que levou o Boavista ao título? Quem não se lembra da protecção dos árbitros a esse tipo de jogo?/ Apesar do jejum de títulos, é curioso verificar as tentativas do Sporting para abraçar os métodos nortenhos, ao ponto de o ‘namoro’ incluir trocas de jogadores com o FC Porto e transferências de quadros técnicos. É também curioso lembrar o silêncio do Sporting quando a classificação da equipa no campeonato indicava o cumprimento dos objectivos.../ O mesmo silêncio, afinal, que se verificou antes do último Nacional-Sporting, e mesmo depois dele. O árbitro Paulo Paraty nunca poderia ser o escolhido e a sua nomeação deveria ter sido recusada ou aceite sob protesto, mais a mais por se tratar de um dos homens do ‘apito dourado’. Mas ele acabou por dar a vitória ao Sporting e o clube assobiou para o ar e para os lados. Também a nomeação de João Ferreira deveria ter sido chumbada antes do jogo com o Paços de Ferreira, nomeadamente por anteriores graves prejuízos que esse árbitro já provocou ao Sporting./ O ‘sistema’ mafioso que domina o futebol português é tão requintado que, em apenas dois jogos, conseguiu arrumar com a legitimidade de quaisquer críticas do Sporting. Numa jornada, o ‘sistema’ deu três pontos na Madeira, ante o silêncio cúmplice do clube. Noutra, logo a seguir, tratou de retirar os mesmos três pontos. Enquanto isso, o FC Porto faz o seu caminho sem arbitragens polémicas, repete excelentes inícios de campeonato em termos de facturação de pontos e, como noutros anos, ganha balanço para mais um título.../ Neste quadro, a argumentação que a administradora da SAD Rita Figueira e outros juristas do Sporting estão a reunir deixa de ter sentido, nomeadamente por já ter passado a ideia de que o clube só está contra quando é lesado, calando-se quando é beneficiado. E, deste modo, o Sporting, nesta cruzada, pode ter o apoio dos adeptos e simpatizantes mais ferrenhos, mas não tem seguramente o apoio da opinião pública.»
A segunda parte do primeiro parágrafo é praticamente uma cópia do que respondi ao comentário. Quanto ao comentário, é o seguinte:
«A ideia de pedir a repetição do jogo Sporting-Paços de Ferreira, que é defendida pelos juristas da SAD do Sporting, é mais um episódio destinado a entrar no anedotário bem recheado do grande pântano em que vive o futebol português, à semelhança do célebre luto sportinguista decretado há uns anos pelo ex-presidente Dias da Cunha./ Infelizmente, nos últimos 25 anos, a história do futebol português está resumida a títulos do FC Porto, entremeados com títulos do Benfica enquanto andava por lá Fernando Martins, o grande amigo de Pinto da Costa em Lisboa./ Para o Sporting, que investiu como ninguém em grandes equipas e em grandes treinadores, ficaram três campeonatos e umas taças sobrantes, conquistados em anos de crise e distracção dos controladores. Nos anos 90, o Sporting ganhou uma Taça de Portugal e uma Supertaça porque tinha mesmo uma grande equipa, o mesmo acontecendo quando foi campeão em 2000 e 2002, falhando muito ingloriamente um tri-campeonato porque o Boavista de Valentim Loureiro se meteu na luta, presumivelmente por ‘determinação’ do tal ‘sistema’, vencendo a Liga de 2001. Quem não se lembra do anti-jogo e do jogo violento que levou o Boavista ao título? Quem não se lembra da protecção dos árbitros a esse tipo de jogo?/ Apesar do jejum de títulos, é curioso verificar as tentativas do Sporting para abraçar os métodos nortenhos, ao ponto de o ‘namoro’ incluir trocas de jogadores com o FC Porto e transferências de quadros técnicos. É também curioso lembrar o silêncio do Sporting quando a classificação da equipa no campeonato indicava o cumprimento dos objectivos.../ O mesmo silêncio, afinal, que se verificou antes do último Nacional-Sporting, e mesmo depois dele. O árbitro Paulo Paraty nunca poderia ser o escolhido e a sua nomeação deveria ter sido recusada ou aceite sob protesto, mais a mais por se tratar de um dos homens do ‘apito dourado’. Mas ele acabou por dar a vitória ao Sporting e o clube assobiou para o ar e para os lados. Também a nomeação de João Ferreira deveria ter sido chumbada antes do jogo com o Paços de Ferreira, nomeadamente por anteriores graves prejuízos que esse árbitro já provocou ao Sporting./ O ‘sistema’ mafioso que domina o futebol português é tão requintado que, em apenas dois jogos, conseguiu arrumar com a legitimidade de quaisquer críticas do Sporting. Numa jornada, o ‘sistema’ deu três pontos na Madeira, ante o silêncio cúmplice do clube. Noutra, logo a seguir, tratou de retirar os mesmos três pontos. Enquanto isso, o FC Porto faz o seu caminho sem arbitragens polémicas, repete excelentes inícios de campeonato em termos de facturação de pontos e, como noutros anos, ganha balanço para mais um título.../ Neste quadro, a argumentação que a administradora da SAD Rita Figueira e outros juristas do Sporting estão a reunir deixa de ter sentido, nomeadamente por já ter passado a ideia de que o clube só está contra quando é lesado, calando-se quando é beneficiado. E, deste modo, o Sporting, nesta cruzada, pode ter o apoio dos adeptos e simpatizantes mais ferrenhos, mas não tem seguramente o apoio da opinião pública.»
Subscrever:
Mensagens (Atom)