Agora com um novo romance de José Rodrigues dos Santos nas livrarias («A Fórmula de Deus»), deixo aqui o texto que escrevi sobre o anterior («O Codex 632»), cujo protagonista é o mesmo.
Livro: «O Codex 632», de José Rodrigues dos Santos (Gradiva, 550 pp.)
Colombo, uma reportagem
Não é nova a tese de uma nacionalidade portuguesa para o navegador «genovês» Cristóvão Colombo. A novidade é a sua apresentação sob a forma romance. José Rodrigues dos Santos conta uma história fascinante em «O Codex 632», como se fosse uma grande reportagem.
No dia 20 de Maio de 2006 serão comemorados os 500 anos da morte de Cristóvão Colombo. A uns meses da efeméride [texto escrito no início deste ano], nada melhor do que um romance para relançar uma polémica que se arrasta desde há muito, sobretudo nos meios académicos, em relação à verdadeira origem do navegador «genovês», que até é dado por alguns especialistas, imagine-se, como sendo natural da Ucrânia. Por mais que se fale, a verdade é que do homem que ficou com a glória de ter descoberto a América – nem que tenha sido apenas por engano –, nada se sabe ao certo, nem sobre a origem, nem sobre a data de nascimento. Talvez lhe tivessem feito uma festa no dia em que passaram 500 anos sobre aquele em que veio ao mundo (um dia qualquer de 1951, por exemplo, cinco séculos depois do ano em que nasceu, a fazer fé em «provas» como o famoso Documento Asseretto – em 1904, um jornal académico italiano noticiou que um coronel genovês, chamado Ugo Asseretto, encontrou uma acta notarial de 25 de Agosto de 1479 que regista a partida de Colombo para Lisboa no dia seguinte, e nela ele, Colombo, declarou ter «etatis annorum viginti septem vel circa», ou seja declarou ter então 27 anos). Assim comemora-se a morte, coisa que a mim sempre me fez confusão – veja-se a febre das comemorações dos 100 anos da morte de Eça, ainda não há muito tempo…
A história de Cristóvão Colombo parece ter muito que se lhe diga. E esmiuçando os inúmeros documentos que existem sobre ele o que mais se pode é desconfiar das suas origens genovesas. Tudo parece levar a que o famoso navegar tenha sido, como se costuma dizer, um português de gema, lá do meio dos alentejos, a quem as voltas da vida tenham obrigado a esconder as suas origens a partir de uma certa altura. E depois muito parece ter sido construído para preencher esse passado tão minuciosamente dissimulado, pelo menos para a História.
O romance de José Rodrigues dos Santos pode ler-se como uma «grande reportagem», o trabalho de um jornalista experiente e prestigiado, que ao mesmo tempo domina as técnicas mais elementares da narrativa. A saga do investigador que em «O Codex 632» investiga a investigação do velho investigador que morreu no Brasil não é mais do que uma viagem pelo mundo fascinante dos documentos e das histórias relacionadas com Cristóvão Colombo. Um mundo de dúvidas, mistérios, contradições, falsificações e o mais que se possa imaginar, tudo coisas capazes de lançarem a confusão a cada passo.
Quanto à escrita, a de «O Codex 632» não é de forma nenhuma elaborada (por exemplo, logo a abrir, a filha que ignora «olimpicamente» a irritação do pai). Percebe-se que José Rodrigues dos Santos pensou mais na descrição da segunda investigação sobre a primeira do que no texto propriamente dito, embora lá de vez em quando alguma elaboração surja (ainda que não muito feliz e acabe por cair num tom repetitivo, por exemplo com a descrição de paisagens a meias com o estado do tempo: «as nuvens altas ameaçavam cobrir o sol, emergindo com vagar, como um manto longínquo…», ou «as águas tranquilas do Mediterrâneo brilhavam, cristalinas, sob o reflexos encandeantes do sol matinal…»; isto para não referir o ridículo em que cai quando se arma em Henry Miller para apimentar os enrolanços entre o protagonista e uma suposta estudante sueca do Erasmus). Mas a história é óptima, o assunto também, e lê-se de um fôlego, apesar do tamanho. Acaba por ser uma escrita muito colada à jornalística, o que em mais de 500 páginas não deve ser fácil de conseguir. Tirando algumas descrições, diz-se apenas o essencial.
E do que se diz, do que se conta, vai ficando a certeza de que Colombo era mesmo português. Porque muitos dos documentos foram ao longo dos anos adulterados, de forma a fazer com que Colombo, que nem teria esse nome, ficasse genovês. E isso para, utilizando as palavras do editor genovês que publicou a biografia do almirante escrita pelo filho espanhol («Vida del Almirante»), «glória de Génova», nunca para glória, por exemplo, da vila alentejana de Cuba. Com tanta falsificação, seria difícil que José Rodrigues dos Santos escapasse ao vício: ele próprio acaba por adulterar um documento (todos os que cita existem mesmo), precisamente o «Codex 632» para resolver a história. «Uma habilidade para dar consistência narrativa», como confessou numa entrevista; mas a ele desculpa-se.
Algo irritante é a sucessão de erros gramaticais do tipo «eles conseguiram iram», em vez do óbvio «eles conseguiram ir» (este exemplo é inventado, mas existem várias construções do género ao longo do livro). Contudo, «O Codex 632» lê-se bem, com fascínio, chegando por vezes a ser tocante (no caso da história pessoal do investigador); e tem passagens extremamente divertidas, como um diálogo que em Tomar o protagonista mantém com um estranho cavaleiro que parece saído de outros tempos.
Livro: «O Codex 632», de José Rodrigues dos Santos (Gradiva, 550 pp.)
Colombo, uma reportagem
Não é nova a tese de uma nacionalidade portuguesa para o navegador «genovês» Cristóvão Colombo. A novidade é a sua apresentação sob a forma romance. José Rodrigues dos Santos conta uma história fascinante em «O Codex 632», como se fosse uma grande reportagem.
No dia 20 de Maio de 2006 serão comemorados os 500 anos da morte de Cristóvão Colombo. A uns meses da efeméride [texto escrito no início deste ano], nada melhor do que um romance para relançar uma polémica que se arrasta desde há muito, sobretudo nos meios académicos, em relação à verdadeira origem do navegador «genovês», que até é dado por alguns especialistas, imagine-se, como sendo natural da Ucrânia. Por mais que se fale, a verdade é que do homem que ficou com a glória de ter descoberto a América – nem que tenha sido apenas por engano –, nada se sabe ao certo, nem sobre a origem, nem sobre a data de nascimento. Talvez lhe tivessem feito uma festa no dia em que passaram 500 anos sobre aquele em que veio ao mundo (um dia qualquer de 1951, por exemplo, cinco séculos depois do ano em que nasceu, a fazer fé em «provas» como o famoso Documento Asseretto – em 1904, um jornal académico italiano noticiou que um coronel genovês, chamado Ugo Asseretto, encontrou uma acta notarial de 25 de Agosto de 1479 que regista a partida de Colombo para Lisboa no dia seguinte, e nela ele, Colombo, declarou ter «etatis annorum viginti septem vel circa», ou seja declarou ter então 27 anos). Assim comemora-se a morte, coisa que a mim sempre me fez confusão – veja-se a febre das comemorações dos 100 anos da morte de Eça, ainda não há muito tempo…
A história de Cristóvão Colombo parece ter muito que se lhe diga. E esmiuçando os inúmeros documentos que existem sobre ele o que mais se pode é desconfiar das suas origens genovesas. Tudo parece levar a que o famoso navegar tenha sido, como se costuma dizer, um português de gema, lá do meio dos alentejos, a quem as voltas da vida tenham obrigado a esconder as suas origens a partir de uma certa altura. E depois muito parece ter sido construído para preencher esse passado tão minuciosamente dissimulado, pelo menos para a História.
O romance de José Rodrigues dos Santos pode ler-se como uma «grande reportagem», o trabalho de um jornalista experiente e prestigiado, que ao mesmo tempo domina as técnicas mais elementares da narrativa. A saga do investigador que em «O Codex 632» investiga a investigação do velho investigador que morreu no Brasil não é mais do que uma viagem pelo mundo fascinante dos documentos e das histórias relacionadas com Cristóvão Colombo. Um mundo de dúvidas, mistérios, contradições, falsificações e o mais que se possa imaginar, tudo coisas capazes de lançarem a confusão a cada passo.
Quanto à escrita, a de «O Codex 632» não é de forma nenhuma elaborada (por exemplo, logo a abrir, a filha que ignora «olimpicamente» a irritação do pai). Percebe-se que José Rodrigues dos Santos pensou mais na descrição da segunda investigação sobre a primeira do que no texto propriamente dito, embora lá de vez em quando alguma elaboração surja (ainda que não muito feliz e acabe por cair num tom repetitivo, por exemplo com a descrição de paisagens a meias com o estado do tempo: «as nuvens altas ameaçavam cobrir o sol, emergindo com vagar, como um manto longínquo…», ou «as águas tranquilas do Mediterrâneo brilhavam, cristalinas, sob o reflexos encandeantes do sol matinal…»; isto para não referir o ridículo em que cai quando se arma em Henry Miller para apimentar os enrolanços entre o protagonista e uma suposta estudante sueca do Erasmus). Mas a história é óptima, o assunto também, e lê-se de um fôlego, apesar do tamanho. Acaba por ser uma escrita muito colada à jornalística, o que em mais de 500 páginas não deve ser fácil de conseguir. Tirando algumas descrições, diz-se apenas o essencial.
E do que se diz, do que se conta, vai ficando a certeza de que Colombo era mesmo português. Porque muitos dos documentos foram ao longo dos anos adulterados, de forma a fazer com que Colombo, que nem teria esse nome, ficasse genovês. E isso para, utilizando as palavras do editor genovês que publicou a biografia do almirante escrita pelo filho espanhol («Vida del Almirante»), «glória de Génova», nunca para glória, por exemplo, da vila alentejana de Cuba. Com tanta falsificação, seria difícil que José Rodrigues dos Santos escapasse ao vício: ele próprio acaba por adulterar um documento (todos os que cita existem mesmo), precisamente o «Codex 632» para resolver a história. «Uma habilidade para dar consistência narrativa», como confessou numa entrevista; mas a ele desculpa-se.
Algo irritante é a sucessão de erros gramaticais do tipo «eles conseguiram iram», em vez do óbvio «eles conseguiram ir» (este exemplo é inventado, mas existem várias construções do género ao longo do livro). Contudo, «O Codex 632» lê-se bem, com fascínio, chegando por vezes a ser tocante (no caso da história pessoal do investigador); e tem passagens extremamente divertidas, como um diálogo que em Tomar o protagonista mantém com um estranho cavaleiro que parece saído de outros tempos.
1 comentário:
Já nem posso ouvir falar sobre isto. Passei muitas horas ao computador a bater textos do meu pai, que defende a tese de que Colombo é português. No fundo, defende a tese do Mascarenhas Barreto. Só que há dez anos não havia assim tanta gente a defender esta tese.
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