quinta-feira, 31 de agosto de 2006

Primeiro jogo a sério

Uns dias longe da Internet, que apesar de dizerem que é global não chega a todo o lado, e só agora é que ponho aqui alguma coisa da estreia do Sporting no campeonato (Sporting – 3, Boavista – 2; Nani, Deivid, Deivid). Assisti pela Sport TV, que pelos vistos chega onde não chega a Internet. Confirmei o que pensava: equipa com valor e bem dirigida, mas com os perigos de alguns maus jogadores. No primeiro golo do Boavista viu-se o que é ter Polga a jogar; depois do passe de Custódio (se o Galatasaray o levasse era uma sorte para o Sporting…) para Zé Manuel (Boavista), Polga não teve a mínima capacidade de reacção (fez-me lembrar Luisão com Liedson pela frente na vitória do Sporting no Estádio da Luz na época passada). E Custódio, reforce-se aqui, ainda por cima o capitão (?), também não é jogador para estar na equipa principal, e nem sei se no plantel (mas é o capitão…). Outro equívoco, Caneira, que parece, apesar da falta de à-vontade com a bola, destinado a jogar (quando o treinador percebeu um dos problemas que a equipa estava a ter e o trocou por Ronny, em vez de ir para os balneários foi jogar do lado direito, saindo Abel – que estava jogar mal mas será o dono do lugar durante a época). Na frente, Bueno voltou a não conseguir nada. Fora isto, a equipa até se aguenta, mas é preciso cuidado porque «isto» já é um bocado. E eu nem falei em Ricardo, porque agora é um herói nacional; fiz que não vi o frango no segundo golo do Boavista, a falta de jeito no primeiro e a saída manhosa num lance que só não deu o empate a Fary porque depois a bola lhe foi bater numa perna – aliás, Ricardo já tinha regressado aos bons (?) velhos tempos no mundial, no jogo para o terceiro e quarto lugares, com dois frangos de encher o olho aos alemães (e a nós de nos encher os olhos de lágrimas).

terça-feira, 22 de agosto de 2006

A apresentação do Sporting

Sporting – 0, Inter de Milão – 0, ontem à noite, na apresentação oficial da equipa. Acho que as coisas podem correr bem esta época. A equipa em geral é boa e parece controlada pelo treinador, Paulo bento. Mas não consegui deixar de assustar-me quando percebi que no onze inicial apareciam Miguel Garcia, Polga, Caneira, Custódio e Paredes ao mesmo tempo e Bueno; Claro que em vez de Miguel Garcia jogará Abel, o problema está em Polga (que de certeza vai jogar e arranjar problemas ao longo da época), em Caneira (que pode jogar em vez de Ronny, o que será perfeitamente incompreensível), na junção de Custódio e Paredes – em vez de um deles (provavelmente Custódio) ser substituído por Nani ou por Romagnoli – e em Bueno (a escolha natural seria Yannick). Quanto a Ricardo, é torcer para que não dê barraca, agora que depois da polémica idiota com Vítor Baía parece ter ganho em Alvalade um estatuto semelhante ao que Sá Pinto conseguiu após ter ido ao estádio nacional dar uns murros a Artur Jorge por não tê-lo convocado para a selecção (aconteceu em plena década de 1990, não foi no século XVIII).
A propósito de Inter de Milão… Imagine-se que o seu treinador, Roberto Mancini, se demitia. Imagine-se ainda que em Milão conheciam Jesualdo Ferreira e o convidavam para novo treinador do Inter. Será que ele abandonava o Porto ainda antes de sexta-feira, sem o campeonato ter começado, como fez com o Boavista?

sábado, 19 de agosto de 2006

O futuro

Depois daquela coisa do naming right (já não é só na gestão esta idiotice do inglês, é também no futebol, sobretudo naquele que já foi invadido pelos gestores) que deu em «Caixa Futebol Campus» para denominação do centro de estágios do futebol do Benfica, o que virá depois? Os estádios, claro (ou, no caso, o estádio do Benfica). E por que não os jogadores? Talvez não para já, mas para daqui a uns anos… Imagine-se uma equipa do Benfica, por exemplo uma que por estes dias é bem possível que apareça num qualquer estádio de futebol: Moretto; Nelson, Luisão, Anderson e Léo; Simão, Petit, Katsuranis e Rui Costa; Nuno Gomes e Mantorras. E se fosse assim? Moretto Multiopticas; Nelson Securitas, Luisão Margarida Rebelo Pinto®, Anderson Calçado Guimarães e Léo Páginas Amarelas; Simão Hidroprojecto, Petit Royal Canin, Katsuranis Construtora do Tâmega e Rui Costa Farinha Amparo; Nuno Gomes EPUL Empresa Pública de Urbanização de Lisboa e Mantorras EDP. Também pode dar para o treinador. Mas que instituição alinharia com Fernando Santos numa operação destas?

terça-feira, 15 de agosto de 2006

As aberturas

Um blog chamado «Porque», de André Moura e Cunha. Livros, sobretudo livros, e muitas aberturas de romances, convidando à descoberta (ou redescoberta) de vários autores, mais e menos conhecidos (sobretudo mais). Encontrei lá algumas aberturas de livros que em diversas alturas da minha vida me fascinaram, e «dei por falta» de outras que talvez acabe por ir colocando aqui. Para já, fico-me por alguns inícios muito pessoais, copiados dos meus livros (e que o mais certo é aspirarem apenas a estar por aqui no «Floresta do Sul»).
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(início do primeiro conto de «Quando o Presidente da República Visitou Monchique por Mera Curiosidade», 1996)
O século ainda ia novo mas a vida, que às idades não parecia ligar muito, já andava outra vez agitada por Lisboa. Ele era milagres de Santo António dia sim dia não, ele era as pessoas a falarem do anjo que alguém tinha avistado no alto da torre da igreja de Nossa Senhora da Graça, ele era ainda outras criaturas, talvez mandadas por Deus e observadas por quem jurava a pés juntos que não eram foliões mascarados. E o bispo inquisidor, enquanto tão grandes maravilhas eram relatadas, lá se ia entretendo a mandar queimar hereges e judeus, uns por coisas vistas, outros porque, bem vistas as coisas, não haveria no reino deles necessidade.
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(início da novela «Os Abençoados Fiéis do Senhor S. Romão», 1997)
Severino Castanho, quase todos os dias, vai visitar Catarina. Mas pára antes de lhe tocar e fica a olhá-la demoradamente, como ela também olha para ele. Os dois sem se mexerem. É um amor à distância possível, porque as velhas mais não permitem. As velhas, aquelas velhas que vestem um negro por destoar, como quem rouba penas aos melros, acentuam assim o luto. Há muito que se foram os homens da casa, ou porque Deus os chamou, ou então porque a bruxa da Corte da Pomba lhes traçou os destinos. Neste ponto divergem as opiniões, pois o caso ficou por explicar. E isso porque nunca ninguém percebeu como é que o pai e o irmão de Catarina, que sempre tiveram fama de bons caçadores, foram logo acertar na cabeça um do outro. Não faltou por aí quem dissesse que Deus quis defender os animais e guiou os tiros para tão trágicos destinos. Mas também houve opiniões de que quem se assanhou foi a bruxa da Corte da Pomba. Com uns caçadores de disparar tão barulhento, ela ter-se-á logo lembrado de fazer o que os outros disseram que foi Deus que fez, e dessa maneira descansou a tropa que tem ao serviço. A tropa de morcegos que de dia precisa de dormir para recuperar das canseiras nocturnas que apanha a trabalhar para a patroa.
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(início do romance «Até Acabar com o Diabo», 1998)
Dizem que há pessoas que não fazem falta nenhuma ao mundo, que costuma haver pelo menos uma pessoa dessas em cada terra. E quando não há, dizem também, logo o destino se encarrega de a fazer chegar, por uma razão qualquer, ou até sem razão nenhuma. O Diabo era uma dessas pessoas, é o que quase toda a gente pensa, e se não fosse o mau-cheiro que lhe começou a sair da boca algumas horas depois de o burro ter entrado no café do Compadre Sabiniano, se não fosse por isso, nem teria valido a pena perderem tempo a enterrá-lo.
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(início do conto que dá o título ao livro «O Velho que Esperava por D. Sebastião», 1999)
Um velho que contava histórias de encantamentos e avisava as pessoas do regresso de D. Sebastião numa manhã de nevoeiro tinha-me ensinado a fórmula para sonhar com a mulher que haveria de casar comigo. Dois ou três anos antes. Bastava contar nove estrelas durante nove noites seguidas e dormir, à espera do primeiro sonho. O velho, sempre que o tempo estava de feição, ia logo bem cedo para um miradouro de onde se conseguia avistar o mar nos dias de Sol, lá longe, a mais de vinte quilómetros. D. Sebastião haveria de surgir de repente do manto cinzento de nevoeiro, talvez montado num cavalo, ou numa serpente gigante, ou então numa máquina desconhecida. E eu ia muitas vezes junto, não tanto para ver se assistia à chegada do rei, que para mim tinha sido um sujeito um bocado para o parvo, mas na ânsia de ouvir as coisas dos encantamentos. Foi numa dessas esperas de loucura que o velho me contou acerca do poder das estrelas.
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(início do romance «Os Sonhos e Outras Perigosas Embirrações», 2000)
Às vezes, carinho, consigo ver-te no mar. As ondas costumam ser pequeninas, quase imperceptíveis, e por isso só te mexes quando os barcos se aproximam. Alguns, de certeza, são apenas a minha imaginação a fazer ondular o teu cabelo caído pelo rosto, mas há muitos que passam por ti como se nem sequer existisses. Esses são bem reais e a velha Luzia dos Engreneiros, do alto da rocha onde pesca ao fim da tarde, não se cansa de os amaldiçoar.
- Deve ser porque lhe espantam os peixes.
- Ou então, amigo, é mesmo por ruindade.
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(início do romance «O Medo Longe de Ti», 2003)
Há dezoito anos, talvez dezanove, fugi. Quase sem dar por isso, dia após dia, fui-me habituando a ter-te apenas na imaginação, às vezes até a ser capaz de sentir o cheiro a flores silvestres da tua presença ou de responder ao teu sorriso dos pequenos traços no rosto. Depois de abandonar a Universität, acabei por me ver de novo envolvido nas minhas histórias, sempre com bruxas em redor, com gnomos, com pistoleiros, com mágicos, até com animais que falavam. E nem todos apareceram como meus amigos. Nunca escrevi sobre ti, por mais forte que fosse a sensação de que estavas perto, mesmo que apenas num lugar da minha imaginação. E se agora o faço, passados todos estes anos, não é porque tenha vencido uma barreira imensa, é pela revelação que acabo de ter. Quero que saibas que nem por um dia esqueci o tempo que passámos juntos, que nem por um dia deixei de arrepender-me de não ter lutado para que esse tempo continuasse, e que nunca hei-de perdoar-me por não ter esperado até que descesse o último passageiro do comboio-ladrão. Naquela manhã, há dezoito ou dezanove anos...
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(início de um dos contos do livro «O Amor por entre os Dedos», 2006)
A Lua estava cheia, tão grande e tão brilhante que iluminava a multidão que enchia a praça central de Cerzedos. Pelo menos era isso que Kate jurava a pés juntos, ao telemóvel para Lisboa. Sentia-se nervosa, não porque do outro lado estivesse um ministro - e estava -, mas porque não conseguia deixar de pensar no que poderia acontecer se o macaco se perdesse pelo caminho. O cão tinha-a acordado de manhã, cedo, muito cedo. Tinha surgido de repente, depois de um encontrão com a cabeça na porta do quarto. O jovem escritor de Santo Estêvão achava-lhe graça, gostava dele, ria de cada diabrura que o via fazer. Naquele momento, no exacto momento em que o cão saltou para a cama, Kate julgou ouvir o jovem escritor, o som de um sorriso, apenas isso, mas foi algo que logo se desvaneceu.
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Os primeiros quatro livros foram editados pela Pergaminho, os dois seguintes pela Temas e Debates e este último («O Amor por entre os Dedos») pela Ambar, a minha editora actual.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

Ouvi dizer

Ouvi dizer que Paulo Bento vai percebendo que tem uma boa solução para o lado esquerdo da defesa do Sporting (o brasileiro Ronny) e já testa Caneira no centro em vez de Polga, fazendo dupla com Tonel (ainda gostava de saber por que é que Caneira tem de ter lugar na equipa principal, quando podia muito bem ter ido para as reservas do Valência a custo zero). De qualquer forma, meter Caneira no lugar de Polga é passar de um problema para outro problema. Talvez fosse de começar já a testar se Miguel Veloso poderá ser uma solução, em vez de perder tempo a fazer experiências para ver qual é o menos mau de dois maus jogadores.
A propósito de maus jogadores que vão conseguindo estar na mó de cima, o primeiro troféu perdido esta época pelo Chelsea de José Mourinho em Inglaterra (Community Shield, derrota 1-2 com o Liverpool): o golo decisivo foi marcado, ainda estou para perceber como, pelo super-tosco gigante Peter Crouch (José Mourinho, assim como o capitão do Chelsea, John Terry – que não é propriamente um génio da bola –, e o italiano que faz de segundo guarda-redes do Chelsea – idem idem – devem estar a morrer de vergonha).

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Os golos de Jardel nunca foram imortalizados numa canção

Pode ver-se aqui, num blog escrito a amarelo e com fundo preto que só fala de assuntos do Beira-Mar; é a referência aos dois primeiros golos de Mário Jardel no seu segundo regresso a Portugal (Beira-Mar – 2, Penafiel – 0), depois de todos os problemas por que passou desde o atribulado segundo ano no Sporting (e numa manhã desse atribulado segundo ano, eu cheguei a ouvir o Jardel ao telefone, porque a pessoa com quem ele falava, vá lá saber-se por quê, de repente colocou-o em voz alta; foi nessa manhã que me convenci de que as coisas estavam mesmo más; eu já receava que estivessem, por aquilo a que assistia na comunicação social, mas ao ouvir um bocado da conversa convenci-me mesmo; e só ouvi um bocado, enquanto não tive tempo de me afastar para a minha secretária).
Alguns meses antes, em finais de 2002, ainda Lazlo Boloni (que nos tempos de jogador do Steaua de Bucareste era por cá conhecido por Ladislao, o nome romeno, em vez do húngaro Lazlo) andava às aranhas no Sporting e ninguém imaginava que pudesse ser campeão. Mas acabaria por ser, e graças aos golos de Jardel, que começou a jogar à quarta jornada, gordo como agora, e marcou logo um golo de penalty. Foi Jardel que salvou Boloni, e foi um outro Jardel, atolado em problemas, que na época seguinte tramou o mesmo Boloni. Mas na primeira época de Jardel no Sporting, em meados de Novembro, com o campeonato na décima primeira jornada e Jardel (tinha começado à quarta, repito) já com doze golos, eu escrevi isto para ler na abertura de um programa desportivo de uma rádio (numa colaboração que mantive para as épocas de 2000/ 2001 e 2001/ 2002)…
Os golos de Jardel nunca foram imortalizados numa canção. Imortalizado, isso sim, foi o modo de Jardel se movimentar na grande área, ou pelo menos um dos modos, numa canção de Rui Veloso que tem um verso que fala em «voar como o Jardel sobre os centrais». Claro que esse verso é de uma canção de um artista muito ligado ao Porto, uma canção que inclusivamente fez parte da banda sonora de um filme cuja acção se passa na cidade, abordando temas como o trabalho infantil ou a vida nos bairros degradados.
Agora, com Jardel no Sporting, não faz muito sentido a imagem utilizada por Rui Veloso, principalmente pela paixão que ele transmite na canção, e até por alguma pronúncia. O que está na canção é a referência a uma figura incontornável da cidade do Porto até há uns meses. Mesmo tendo saído do clube, Jardel mantinha-se como uma figura incontornável da cidade. Só que com a nova época futebolística, com o regresso a Portugal para vestir a camisola de um rival de Lisboa, já não faz muito sentido. Do que pode falar-se no Porto, isso sim, é do fantasma de Jardel, voando ou não seja lá sobre que centrais, até sobre os do Futebol Clube do Porto.
Durante algum tempo, eu não apreciava a maneira de Jardel jogar. Por vezes, até achava que ele conseguia marcar tantos golos porque passava os jogos na grande área a viver do caudal atacante do Futebol Clube do Porto. Eu não era capaz de apresentar uma razão, não gostava e pronto. Se calhar, a verdadeira razão era ele não estar no meu clube, o Sporting. Sei de quem, por exemplo, não gostava de Jardel por achar que ele andava sempre muito direito. Andar direito até nem é mau, só que o Jardel, dizia essa pessoa, o Jardel andava excessivamente direito, como se tivesse engolido um garfo.
Eu não, eu não tinha razões. Com o tempo, fui-me habituando a admirar Jardel. Por alguns dos golos que o via marcar, ao Braga e ao Farense, por exemplo, um a cada, de fora da área, sem deixar cair a bola no chão. Um ao Campomaiorense, passando a perna que remata por detrás da outra. Os golos no estádio de S. Ciro, frente ao Milão, um golo em Munique, outro em Madrid. Fui-me habituando a admirá-lo por ele marcar sempre, ou quase sempre.
No Sporting, logo à chegada de Jardel, eu dizia que sem jogadores que lhe passassem a bola em condições, sem esses ele não marcaria muitos golos. Mas o que é certo é que ele agora marca ainda mais do que antes, e o que é curioso é que o faz sem ter jogadores como tinha nos anteriores clubes. Jardel agora tem atrás de si uma equipa totalmente esfrangalhada, incapaz de armar uma jogada de jeito, tirando os rasgos de génio de João Pinto e um ou outro de um génio em estado puro chamado Pedro Barbosa nos minutos em que o equivocado Boloni o deixa jogar. Mesmo debilitado fisicamente, mesmo com peso a mais, segundo dizem, Jardel marca que se farta. E até voa sobre os centrais.

O título genérico da colaboração era «Pontapé de Saída». E o título desta crónica em particular era, obviamente, «Os golos de Jardel nunca foram imortalizados numa canção».

Já agora...

Já agora, os resultados anteriores do Sporting nesta época, para ter isto completo (lá mais para a frente pode dar jeito).
Sporting – 6, Real Massamá (era bom que fosse o Real Madrid) – 1; primeiro jogo de treino, em Alcochete (Yannick, João Moutinho, Miguel Garcia, João Moutinho, Deivid, Douala).
Benfica – 0, Sporting – 3 (Yannick, quase a passe de Rui Costa; Katsuranis, de longe; e de novo Yannick); primeiro jogo do Torneio do Guadiana.
Coruña – 0, Sporting – 1 (Deivid, num raro momento em que despertou); vitória no Torneio do Guadiana.
Braga – 1, Sporting – 1 (Carlos Martins); na apresentação do Braga.

Ouvi dizer

Ouvi dizer que nos institutos públicos em relação aos quais se anunciou que iam ser extintos, as respectivas pessoas continuam «ocupadas» com os respectivos processos de extinção, além de continuarem «ocupadas», em cada um dos institutos, com a preparação do orçamento para 2007, que assim manda a lei que seja feito por esta altura (e se a lei não for cumprida serão responsabilizadas, pelo menos as que fazem figura de dirigentes). Também ouvi dizer que muitas dessas pessoas têm sugerido aparecerem no trabalho apenas um dia ou dois por semana, para irem vendo como é que param as coisas («param as coisas» parece-me uma boa expressão), mas sem grandes resultados; é mesmo necessário a presença a tempo inteiro, para não dar maus exemplos à sociedade.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Mais uma vez, boa noite

Huelva – 0, Sporting – 3 (Farnerud, Ronny, Liedson), como ontem, a altas horas da noite; e o Sporting conquistou o Torneio Colombino, em Huelva. No Porto, os jogadores não quiseram jantar com o treinador.

Boa noite

Sevilha – 2, Sporting – 4 (João Moutinho, Liedson, Liedson, Yannick), já altas horas da noite, enquanto no Porto parece que anda tudo desvairado.
PS – Na equipa do Sporting do post abaixo (O Sporting»), não percebo por quê, esqueci-me do Nani; talvez possa jogar em vez de Romagnoli (talvez... enfim, quase de certeza).

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Ainda José Peseiro

A propósito da referência a José Peseiro no post anterior, deixo aqui um trabalho publicado na revista que dirijo («Pessoal»), em Novembro do ano passado, sobre o treinador que durante mais de uma época tinha estado no Sporting. A «Pessoal» é uma revista mensal da área da gestão, dedicando uma atenção especial à gestão das pessoas nas organizações. O trabalho levou como título global «A liderança de José Peseiro no Sporting».
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Primeiro, um texto de enquadramento escrito pelo jornalista Humberto Simões e intitulado «Chefe mas pouco».
Chefe mas pouco [Texto de Novembro de 2005]
»»» Depois de iniciar a segunda época ao serviço do Sporting, José Peseiro saiu à sétima jornada. O ex-técnico leonino alegou falta de condições. Foi um reinado pautado por alguns casos de indisciplina. Falta de liderança? Também.
»»» Quando José Peseiro foi contratado para treinador da equipa principal do Sporting, no início da época de 2004/ 2005, muitos adeptos leoninos mostraram-se agradados; como acontece em tantos outros clubes portugueses, viam num técnico relativamente jovem uma possibilidade de ter sido encontrado um novo José Mourinho. A temporada até nem começou bem – a equipa verde e branca chegou a ter oito pontos de atraso para o líder, o Benfica –, mas depois os leões acabaram por aproximar-se da liderança, sendo considerados pela maioria da crítica como a formação da Superliga que melhor futebol praticava em Portugal.
Todavia, o Sporting nunca chegou a atingir o lugar cimeiro. Sempre que essa oportunidade surgia, a equipa não conseguia vencer. Acusava em demasia o facto de puder saltar para o topo da tabela. E acabou por falhar em todos – mesmo todos – os momentos mais importantes e decisivos da temporada. Veja-se os jogos frente ao Benfica, na Taça de Portugal e na penúltima jornada do campeonato, e ao CSKA de Moscovo, na final da Taça UEFA.
Quanto aos jogos com o Benfica, se por um lado a eliminação da Taça de Portugal surgiu numa partida electrizante, só decidida após a marcação de grandes penalidades, já o encontro relativo à Superliga foi muito diferente. O Sporting não podia perder por uma bola a zero e acabou por cair vergado exactamente perante esse mesmo resultado. Peseiro alterou a habitual táctica, preferindo uma toada de contenção e esperar pelos erros do adversário, explorando o contra-ataque. Acabaria por revelar-se uma má opção. Mas será que se o treinador sportinguista fosse à Luz jogar de igual para igual venceria a partida? Não se sabe, mas provavelmente nesta altura não estaria a ser relembrado como o técnico que foi jogar para o empate. Com algumas cautelas.
Como um mal nunca vem só, quatro dias depois, os leões perderam a final da Taça UEFA, na sua própria casa. Mesmo depois de estar a vencer por 1-0, a equipa de Peseiro não conseguiu gerir a vantagem na segunda parte, acabando por sofrer três golos. Dias depois, frente ao Nacional da Madeira, na despedida do campeonato, em casa, mais uma derrota, humilhante e com actos de indisciplina à mistura.
Principais problemas
No reinado de José Peseiro em Alvalade, o treinador falhou em dois factores fundamentais: motivação e liderança. O ex-técnico leonino nunca adoptou um discurso incisivo, que motivasse jogadores e massa associativa. Sempre muito «redondo» quando os resultados eram negativos, aparecia nas conferências de imprensa numa toada mais de pedido de desculpas. As suas palavras nunca foram demasiado fortes para mexer com o grupo de trabalho. E quase sempre surgia a frase: «Estamos a passar por um mau momento…» Por outro lado, sempre que surgiram problemas com jogadores (ver caixa1, a seguir), nunca se notou pulso firme em relação às mediadas tomadas. E alguns atletas até foram reincidentes.
No entanto, será demasiado injusto colocar todas as culpas em cima de José Peseiro. O ex-treinador do Sporting pagou também a falta de liderança da direcção leonina. Já esta época, e depois da saída de Carlos Freitas – que fazia a ligação entre a sociedade anónima desportiva (SAD) e o plantel –, ninguém apareceu a dar a cara nos momentos difíceis. Pior, na derrota humilhante em Paços de Ferreira, Paulo de Andrade e Rui Meireles, administradores da SAD, abandonaram o estádio antes de a partida terminar. Peseiro ficou órfão e acabaria por cair. Naturalmente.
Factores de liderança
Manuel Sérgio, que foi professor de José Peseiro, afirmou que,possivelmente, o seu antigo aluno falhou na liderança. «Nunca o vi treinar, mas por aquilo que me diziam havia jogadores que lhe faltavam ao respeito,e isso matou-o. Se um técnico é insultado por algum elemento do plantel,nessa altura os outros também lhe perdem o respeito.» Já Carlos Manuel,que há alguns anos orientou a formação de Alvalade, salienta que «numa equipa de futebol o que se diz que é falta de liderança do treinador pode não o ser. Há também a liderança que é feita da parte de cima.» Continua: «Se nãohouver liderança da direcção, não há nenhum treinador que consiga resistir, eisso reflecte-se no próprio subconsciente dos jogadores. A estrutura tem grande relevo e, se calhar, foi isso que aconteceu no Sporting.»
Cada treinador tem a sua forma de liderar. Manuel Sérgio refere que «é necessário ter força psicológica, prestígio junto dos jogadores, ser corajoso e, ao mesmo tempo, é necessário que os atletas olhem para um treinador e lhe reconheçam valor. E para isso nem é preciso já ter um nome. Mourinho não o tinha e impôs-se. Mas ele para a profissão é um génio.» E acrescenta: «Hoje em dia, o treino é globalmente mais humano do que físico. O treinador deve ser inteligente e ter uma certa cultura, porque nada acontece por acaso.» Por último, este professor universitário assinala um dos factores mais importantes: a motivação. «E não basta saber motivar apenas os jogadores, há que fazê-lo também com os dirigentes e o público.»
Carlos Manuel, que presentemente se encontra desempregado, aponta como qualidades fundamentais para um técnico ter o grupo de trabalho na mão, a confiança, a qualidade do seu trabalho, a frontalidade, a personalidade, o orgulho e a comunicação. «Esta última talvez seja uma das mais importantes. A partir daí, pode-se desenvolver outras características adjacentes. Cada um é líder. Agora uns conseguem transmitir essa liderança com uma personalidade mais forte e mais vincada», termina.
CAIXA1 - Actos de indisciplina
- Decorria a primeira volta da época 2004/ 2005 e o Sporting deslocou-se a Setúbal para enfrentar o Vitória local. No início da segunda parte, José Peseiro resolveu substituir Tinga e o jogador fez questão de demonstrar o seu descontentamento. O atleta brasileiro foi multado pela direcção leonina mas integrou a convocatória seguinte. Foi a primeira situação em que um elemento do grupo de trabalho chocou com o técnico. Tinga viria a ser transferido para o Internacional de Porto Alegre, do Brasil, na reabertura do mercado de transferências, em Janeiro. Um ano e meio depois de chegar a Alvalade.
- A época natalícia de 2004 também foi madrasta para José Peseiro. Já vem sendo hábito os jogadores brasileiros que jogam em Portugal irem passar o Natal em família, no seu país. Também vulgar é o facto de esses atletas se atrasarem, chagando bem mais tarde do que o estipulado pelos clubes. Liedson foi o exemplo mais gritante no plantel leonino. O «levezinho» aterrou em Lisboa alguns dias depois do previsto e foi castigado pela direcção do Sporting. Em vésperas de um
derby lisboeta, mesmo assim Peseiro fez alinhar o avançado de início, e este até viria a marcar os dois golos da vitória (2-1) frente ao Benfica. Sem dúvida, um facto importante para esta opção não ter outras repercussões.
- No FC Porto – Sporting da época passada, em pleno Estádio do Dragão, os verde e brancos foram copiosamente derrotados por 3-0. Pior do que o desaire foi mais um acto de indisciplina de um jogador leonino. Fábio Rochemback não gostou de ser substituído e brindou José Peseiro com um «vai tomar no c...»; as câmaras da televisão mostraram perfeitamente os movimentos dos lábios do internacional brasileiro, mas o assunto foi desvalorizado internamente.
- O final da época transacta foi tudo menos pacífico no covil do leão. Na última jornada, Anderson Polga recusou-se a jogar contra o Nacional da Madeira. O jogador ficou chateado por, alguns dias antes, não ter jogado a final da Taça UEFA frente ao CSKA de Moscovo e alegou que não tinha condições psicológicas para iniciar essa partida. O Sporting acabaria por perder por 4-2 e não conseguir o apuramento directo para a Liga dos Campeões.
- A temporada de 2005/ 2006 parecia calma mas, alguns dias antes do início da Liga, Anderson Polga voltou a desentender-se com Peseiro, desta vez durante um treino. A derrota com a Udinese e o consequente afastamento da Liga dos Campeões deixou um ambiente tenso. A ousadia do brasileiro custou-lhe o afastamento da convocatória na primeira jornada. Todavia, o Sporting bateu o Belenenses (2-1).
- Já este ano, Liedson voltou a «desenterrar» a expressão celebrizada por Rochemback, no Estádio do Dragão. O Sporting recebia e vencia o Vitória de Setúbal (1-0). Com um elemento a mais, Peseiro decidiu trocar o goleador pelo defesa Beto. Esta alteração valeu ao técnico mais um «Vai tomar no c...» do avançado e algumas centenas de lenços brancos agitados nas bancadas. O jogo terminaria com a diferença mínima.
- Sexta-feira. Com os plantéis com muitas baixas, devido aos compromissos das selecções nacionais, Beto e Custódio resolvem animar um treino do Sporting. Depois de uma discussão sobre um fora-de-jogo, o central deu um soco no companheiro. Custódio ainda ameaçou abandonar o clube, houve várias reuniões entre os atletas e a direcção mas a verdade é que ambos jogaram na jornada seguinte, na derrota (1-0) frente à Académica de Coimbra. Beto, inclusive, ostentou a braçadeira de capitão de equipa.
CAIXA2 - Sete pecados mortais
14 de Maio de 2005: Benfica – Sporting
Com a derrota em casa do Benfica (1-0), os leões ficam definitivamente afastados da luta pelo título.
18 de Maio de 2005: Sporting – CSKA de Moscovo
A jogar em casa, a equipa verde e branca não conseguiu segurar a vantagem de um golo, acabando por sofrer três.
23 de Agosto de 2005: Udinese – Sporting
Após a derrota (0-1) em Alvalade, um novo desaire (3-2) custa aos leões apresença na Liga dos Campeões.
19 de Setembro de 2005: Nacional – Sporting
Com três vitórias em outros tantos jogos na Liga Portuguesa, a derrota (2-1) naMadeira quebrou a boa campanha leonina.
29 de Setembro de 2005: Sporting – Halmstads
A estreia na Taça UEFA até tinha começado bem com a vitória (2-1) naSuécia, frente a uma equipa bem modesta. Na segunda mão, em sua própria casa, os leões acabaram por ser eliminados.
02 de Outubro de 2005: Paços de Ferreira – Sporting
Esta deslocação ao Norte era a possibilidade de a equipa de Alvalade dar umpontapé na crise. Perdeu por 3-0.
16 de Outubro de 2005: Sporting – Académica
Num clima de enorme tensão, a formação leonina ressentiu-se e sofreu mais uma derrota caseira (0-1). E podiam ter sido mais.
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Um outro texto, desta vez de Jorge Araújo, managing partner da Team Work Consultores (foi treinador profissional de basquetebol durante quase quatro décadas, várias vezes campeão nacional; foi seleccionador nacional e considerado várias vezes «treinador do ano»; tem vários livros publicados, sobre temas ligados à liderança e à direcção de equipas).
O trabalho de José Peseiro visto por Jorge Araújo [Texto de Novembro de 2005]
A análise ao trabalho de um líder, seja ele quem for, deve ser o mais objectiva possível. Não é propriamente um assunto onde ajude muito especular ou opinar. No caso concreto, para o qual solicitam a minha opinião, devo limitar-me aos factos. Quais os objectivos que o líder em análise apontou e que resultados obteve? Sobre estas questões, não existem margem para dúvidas. É por demais evidente a respectiva desproporção em termos negativos. No alto rendimento não é justificação afirmar «jogámos bem, mas perdemos». Há objectivos que se alcançam, ou não, por via dos resultados que se obtêm. Para além disso, cumpre ao líder de uma equipa de alto rendimento ter uma visão inspiradora e mobilizadora, capaz de envolver no sonho colectivo todos aqueles que trabalham consigo. Lembram-se de José Mourinho quando chegou ao Futebol Clube do Porto? «Para o ano seremos campeões!» Contra tudo e todos, foi diferente, foi audaz e ambicioso. E aí fez desde logo a diferença. A um líder pertence apontar objectivos mensuráveis e, como dizem os norte-americanos, ter achievement quanto baste, que aponte para objectivos que em si mesmo representem uma enorme ambição, obviamente possível de ser concretizada. Mas não só.
A um líder pertence a responsabilidade de, por via das suas intervenções, conseguir alterar atitudes e comportamentos daqueles que consigo trabalham, complementando objectivos individuais e colectivos, gerindo ambições e expectativas, fomentando trabalho em equipa e identificação colectiva. Conseguindo que a sua autoridade seja mais reconhecida do que imposta. Será que no que podemos perceber do exterior relativamente à equipa profissional de futebol do Sporting é possível detectar que tais sinais existem? Poucos, mesmo muito poucos. Ser competente, hoje em dia, seja para treinadores, seja para gestores de empresas, requer competências que transcendem largamente o âmbito meramente técnico. A área comportamental mostra-se hoje com uma transcendente importância em tudo o que à liderança diga respeito. Ora, muito dos problemas que transparecem para o exterior da realidade leonina têm acima de tudo a ver com questões de comportamentos e atitudes. Elucidativo, portanto.
Mas gostaria, igualmente, de deixar bem claro que tal não significa, em definitivo, qualquer avaliação definitiva ao treinador em questão. Tão só que, perante aquelas circunstâncias e aquele contexto, ele não foi capaz de encontrar as soluções necessárias para os problemas com que se deparou. O que nos transporta para uma outra área muito importante também. A da cultura das organizações e suas respectivas influências, em termos de potenciarem ou (demasiadas vezes) prejudicarem de modo declarado o rendimento possível das equipas de alto rendimento nelas existentes. E veja-se este simples sinal. Na organização a que pertencia o treinador que agora todos acusam e procuram apontar como o «bode expiatório» do que se está a passar é ainda possível que as claques tenham a possibilidade de questionar directamente o treinador acerca dos resultados e exigir-lhe melhores resultados. Está tudo dito.

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Mais um texto, de Arménio Rego, doutorado em Organização e Gestão de Empresas, professor na Universidade de Aveiro (de entre as suas várias áreas de interesse, destaca-se a que diz respeito aos temas da liderança; é autor de vários livros relacionados com as suas áreas de interesse).
Onze reflexões sobre José Peseiro e o trabalho dos treinadores, por Arménio Rego [Texto de Novembro de 2005]
1. As complexas ocorrências que o Sporting tem vindo a experimentar não se compadecem com interpretações simples. Há uma multiplicidade de factores que podem explicar o que foi ocorrendo – mas dificilmente se consegue encontrar a «solução» que «poderia» ter evitado os fracos resultados da equipa. Todavia, há um factor nem sempre considerado, mas cujo papel é determinante: o futebol é, em grande medida, um jogo de soma nula: para que uma equipa vença, a outra tem que perder. Mais prosaicamente, isto significa que nem todos os treinadores brilhantes podem obter os bons resultados.
2. Sobre José Peseiro já foram tecidos os melhores encómios – e já foram elaborados os argumentos mais reprovadores. Esta é uma tendência bastante frequente – o mesmo profissional é alvo de avaliações antagónicas. Por regra, o treinador é considerado excelente quando os resultados são positivos – e considerado menos bom quando os resultados são negativos. Daqui decorre uma interessante embora provocatória «tese»: não é o líder eficaz que gera bons resultados, são os resultados eficazes que induzem os seguidores a considerarem que o líder é eficaz.
3. Não parece também haver dúvidas de que os resultados desportivos de uma equipa de futebol dependem da interacção entre múltiplos factores (designadamente: jogadores, treinador, adeptos, equipa dirigente, adversários). Por conseguinte, a imputação ao treinador da responsabilidade dos resultados é, em certa medida, «romanceada».
4. Pese embora o que foi aduzido, ressalve-se que seria pouco curial considerar que o papel do treinador é escasso. Na verdade, parece mais razoável e sensato supor que ele pode exercer um papel relevante nos resultados da equipa. E um dos mecanismos que mais contribui para que isso aconteça é, precisamente, a expectativa de que o seu papel é fundamental. As reflexões seguintes permitem compreender como isso ocorre.
5. Quando a equipa de um dado treinador começa a revelar fracos resultados, é provável que, progressivamente, lhe sejam atribuídas responsabilidades pelo fracasso. Quando o insucesso se renova, o pessimismo pode tomar conta da equipa. Daí pode decorrer, progressivamente, menor empenhamento e dedicação dos jogadores. E é precisamente por essa razão que a probabilidade de fracos resultados é maior. Ou seja, a fraca expectativa projectada sobre o treinador acaba por resultar em fraco desempenho, de tal modo que «a profecia acaba por transformar-se em realidade»: «Afinal, nós tínhamos razão – ele é realmente fraco treinador».
6. Suponhamos que o novo treinador da equipa é, em termos objectivos (admitindo que tal é possível!), do mesmo calibre de José Peseiro. Admitamos que ambos são igualmente competentes e poderiam alcançar bons resultados. Mas o novo treinador emerge – aos olhos dos jogadores, da equipa dirigente e dos adeptos – como o «salvador» que subtrai a equipa da adversidade e a coloca na senda do sucesso. Os jogadores empenham-se, então. A equipa dirigente faculta as condições de que o novo treinador necessita. E o contágio dos adeptos transmite-se prolixamente aos jogadores, ao treinador, à comunicação social e à equipa dirigente. Os bons resultados começam então a surgir. Em suma: é precisamente porque a expectativa é elevada que os vários agentes respondem com empenhamento e entrega, e que os resultados desportivos melhoram.
7. Como a realidade demonstra à saciedade, o que antes expus não pretende ser uma tendência explicativa segura. O que importa compreender é o seguinte: (a) a eficácia dos treinadores é uma matéria complexa; (b) o desempenho das equipas depende, fortemente, de expectativas e de um «capital desportivo-relacional» que engloba aspectos racionais e irracionais, expectativas e realidades já encontradas, estilos que ora resultam ora fracassam.
8. É interessante verificar que José Peseiro foi considerado, diversas vezes, um excelente treinador. E alcançou alguns bons resultados. Então, quais as razões pelas quais alguns rotundos fracassos ocorreram, designadamente em momentos-chave? A resposta estará seguramente na multiplicidade de factores e de entidades em jogo. Mas, no que concerne ao treinador propriamente dito, aventuro-me numa explicação que alguns dados científicos sugerem: os líderes mais inteligentes, perante situações muito stressantes, têm mais dificuldades no processamento da informação, de tal modo que a sua inteligência é menos útil e/ ou pode mesmo ser contraproducente; por isso, alguma literatura sugere que a inteligência dos líderes pode contribuir para o sucesso em momentos de menos ‘stress’, ao passo que a experiência pode ser mais relevante em momentos de maior ‘stress’.
9. Num debate televisivo recente, um comentador referia: «José Peseiro é um bom treinador – falta saber se o é para o Sporting». Esta tese encerra uma ideia crucial: a liderança eficaz é um processo de influência recíproca, e não o atributo de um treinador. Um líder/ treinador pode ser eficaz numa dada equipa ou num determinado momento de uma equipa – mas poderá não sê-lo noutra equipa, ou na mesma equipa em momentos diferentes.
10. Os líderes/ treinadores são realmente importantes. Mas não podemos menosprezar outros elementos do processo. O que sucede é que é mais fácil (ou apenas possível) mudar o treinador do que modificar a diversidade das situações que envolvem uma equipa. Ademais, é confortável supor que, mudando o líder, conseguimos mudar o rumo dos acontecimentos. Mas a realidade não é necessariamente esta.
11. A liderança de José Peseiro não pode ser interpretada apenas à luz dos comportamentos e das características de José Peseiro. Se queremos compreender o que realmente ocorreu, cabe-nos identificar o resultado da mistura explosiva que abrange ambições, desejos, equívocos, dissonância de estilos, comportamentos das outras equipas, pressões, invejas, relações humanas, valores pessoais, cultura de clube, conflitos de personalidades, acções dos meios de comunicação social, expectativas, medos e emoções. É difícil – mas parece real.

O Sporting

Um post de Carlos Leone (06.08) no «Esplanar» (http://www.esplanar.blogspot.com/), depois do jogo do Sporting em Braga para a apresentação do clube local (1-1). Título: «Espero bem enganar-me». O texto… «O empate de ontem foi justo, e bom para arrefecer o entusiasmo prematuro. O pior é que as coisas vão sendo como esperado: jogar com Deivid é jogar com dez, Polga continua um susto, Paredes não tem ritmo para uma época no futebol europeu numa equipa que queira ganhar, Liedson parece em queda e Bueno não engana, é outro flop. O banco, ou é serviços mínimos ou é muito novo. Se Ronni, Romagnoli e Carlos Martins continuarem assim, por um tempo disfarçam isto. Mas sem um trinco que filtre bem, e o Sporting não o tem (Custódio é demasiado leve para a posição), aquela defesa vai envergonhar muito o clube na Champions.»
Concordo com algumas das observações, mas não estou muito pessimista. Pode ser uma boa época se a equipa se aguentar a jogar certinho. O Benfica pode vir a ser um desastre (Fernando Santos) e no Porto desconfio que aquilo vai dar confusão (por exemplo, a história de não terem um avançado, e a esperança era um tosco holandês de nome dificilmente pronunciável no mundo do futebol). Mas claro que o Sporting tem problemas: Polga é um desastre (quase tão mau como Luisão, e vai ser titular); Tonel tem problemas que disfarçaria com um central de jeito ao lado, mas com Polga nada é garantido). Caneira é uma ameaça, porque Paulo Bento pode metê-lo a jogar no lugar de Ronni, que é um bom jogador; entre Paredes e Custódio pode ser que a escolha recaia sobre Custódio, que ainda por cima foi nomeado capitão, e se isso acontecer as coisas não serão famosas naquele meio-campo; na frente, para jogar ao lado de Liedson provavelmente só Yannick (David tem talento mas dorme a jogar e Bueno traz a marca de ter sido suplente do sofrível Pauleta); já na baliza, Ricardo pode arranjar problemas, mas também pode ser que não arranje. No fundo, o importante é não termos nenhum Peseiro na liderança(?) da equipa nem nenhum Cunha a chatear.
Acho que Paulo Bento vai escolher esta equipa: Ricardo; Abel, Polga, Tonel e Caneira; Paredes, João Moutinho, Carlos Martins e Romagnoli; Liedson e Yannick. A vermelho estão os problemas e a laranja os possíveis problemas. Soluções: Ricardo – torcer para que tudo corra bem; Polga – sem solução; Tonel – torcer para que tudo corra bem; Caneira – torcer para que Paulo Bento opte por Ronni; Paredes – torcer para que Paulo Bento não escolha Custódio, e se isso acontecer torcer para que o próprio Paredes apareça em boa forma, ou para que Paulo Bento o troque por Farnerud (não sei se é assim que se escreve) ou por João Alves e que corra bem. Além disto, torcer para que Douala, quando entrar, faça umas jogadas de jeito.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

PT

O presidente da Portugal Telecom (PT), Henrique Granadeiro, deu ontem uma longa entrevista à SIC – não vi toda, apenas uns excertos nos noticiários, mas deu para perceber que falou de grandes mudanças e também de tecnologia, sendo que aqui a PT faz uma forte aposta. Cabo, voz, dados, cobertura, rede ou clientes empresariais foram expressões que retive num discurso que me pareceu credível. Não consegui foi deixar de pensar que aqui por casa (por acaso, não fica muito longe de um monte alentejano que Henrique Granadeiro tinha, ou ainda tem), aqui por casa quando chove o telefone avaria logo a seguir (portanto no Inverno telefone a tempo inteiro é mentira), a linha não suporta ADSL nem nada parecido e a cobertura de telemóvel (tenho TMN) não existe. Mais, se eu quiser mandar este texto para a PT só por fax, porque para lá não se pode reclamar, por exemplo, através de e-mail.
Isto não faz sentido nenhum. Poderia eventualmente fazer nos tempos de Murteira Nabo à frente da empresa (foi demitido de ministro depois das confusões com a sisa do apartamento para onde se ia mudar – na mesma altura, eu comprei um apartamento em Lisboa e de sisa paguei quase dois mil contos, coisa que até fez com que uma vez, ao saber do valor, uma pessoa me perguntasse se eu tinha comprado algum palacete – e a seguir a ser demitido, Murteira Nabo, em vez de ficar impedido de voltar a exercer cargos públicos, foi nomeado presidente da maior empresa portuguesa, uma empresa com capitais públicos, precisamente a PT, e a ganhar bem mais do que como ministro).

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Se eu fosse escravo…

Numa das primeiras edições de 2004 da revista que dirijo («Pessoal»), publiquei o texto que deixo a seguir (O título é o que está ali em cima, «Se eu fosse escravo…»); fala de uma estranha escravatura nova e foi escrito para uma das secções habituais da revista («RH Ontem» nessa altura, tendo depois mudado para «Pessoal Ontem», designação que ainda se mantém).
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[Entrada] Se eu fosse escravo, o que acontecia é que levantava-me às sete da manhã, tomava «um belo de um pequeno-almoço», isto para adequar a linguagem aos novos tempos, e depois lá ia para o trabalho, no banco de trás do carro, com os jornais da manhã, o portátil e dois ou três telemóveis a distâncias convenientes. As confusões do trânsito, enfim, o motorista que se preocupasse com isso.
»»»
O problema é que não sou escravo, e quanto ao trânsito tenho de ser eu a preocupar-me. Fica assim o telemóvel (um apenas) em descanso, já para não falar dos jornais. Portátil, por enquanto, ainda não se arranjou nada. Mas se eu fosse escravo tudo seria diferente, pelo menos se fosse um «novo escravo», para utilizar a expressão que aparece numa edição da «Pessoal» de 1999. Pedro Martins, consultor, na altura a «percorrer solitariamente o planeta», sempre «com encontro marcado com o desempenho excepcional», não era bem o seu criador, da expressão, entenda-se, mas quase. A entrevistadora (Madalena Avillez) colocava-a no título, no plural, a partir da resposta de Pedro Martins a um comentário seu sobre «a marginalização impiedosa e passiva dos candidatos a emprego», que segundo Viviane Forrester, no livro «O Horror Económico», «o futuro ia trazer». Quase cinco anos depois, e sendo que isso já dá margem suficiente para se dizer que agora estamos mesmo no futuro daquele presente de 1999, o passado de agora, 2004, vejamos a resposta de Pedro Martins, no parágrafo seguinte…
«Hoje em dia falar da gestão das pessoas, de como elas são importantes e devem ser valorizadas, é um tema muito quente, mas que a mim me parece uma grande hipocrisia. Enquanto há uns anos atrás se falava nos processos e na organização do trabalho, e antes nas próprias máquinas, hoje falamos nas vantagens distintivas das pessoas. As pessoas passaram a ter uma importância muito grande, não porque são pessoas, mas porque o resultado das empresas depende mais delas do que da organização e dos instrumentos de trabalho. Nunca foram tão escravizadas como hoje. Dantes havia escravos e senhores. Agora todos são escravos. Ninguém é mais escravo que o presidente de uma grande empresa. Aquela oligarquia antiga em que ele ficava um pouco acima da absorção pelo trabalho, já não existe. Um presidente de uma empresa de elevado desempenho dorme muito pouco e está sempre a trabalhar. Este é o reverso da medalha da valorização das pessoas. Passei os últimos anos a partilhar o meu tempo com essas pessoas. Acho que elas são felizes. Provavelmente não fazem é ninguém feliz ao lado delas.»
Enfim, talvez me tenha precipitado em dizer que o problema é não ser escravo; talvez até já o seja e não tenha nunca dado por isso. Há os escravos mesmos escravos, os de sempre, a que poderemos chamar velhos, e depois os «novos», os presidentes das «grandes empresas», os que antes estavam «um pouco acima da absorção pelo trabalho», e um pouco acima de outras chatices capazes de estragarem por completo a vida de um presidente à boa maneira… Ia escrever portuguesa, mas não vamos a tanto, à boa maneira antiga, sim, talvez seja melhor. Devia ter cuidado com estas opções e assegurar-me do tipo de escravatura que me esperava, ver se incluía motorista (que trás sempre carro incluído), secretária, telemóvel, assessores (e assistentes), cartão de crédito, viagens, package salarial de acordo com isto e mais isto e mais uma data de coisas com a ressalva de não descer do nível tal tal tal… E por aí adiante. Devia assegurar-me se à espreita está a «nova» escravatura ou se, bem pelo contrário, está a do costume, aquele que é pensada e bem repensada nos altos domínios das «oligarquias» do tal nível «um pouco acima da absorção pelo trabalho».
«Grandes empresas» e «novos escravos» fazem-me lembrar de um senhor que era ministro e que depois foi para escravo, dos «novos», já se vê, exactamente na mesma altura em que comprei uma casa e tive de pagar de sisa quase dois mil contos (na altura ainda usávamos contos, escudos e outras coisas daquele presente em que se perspectivava como futuro este presente de agora). O senhor comprou uma casa e achou que não devia pagar a tal sisa, que o seu chefe primeiro-ministro ainda por cima considerava «o imposto mais estúpido do mundo». Talvez só mesmo quem negociou com uma empresa a sério, com as contas bem certas, é que devesse pagar tudo normalmente, como eu. Nunca o senhor ministro. Claro que depois foi apanhado e teve de pagar o imposto, mas se não tivesse sido lá tinha continuado ministro por mais uns anitos, provavelmente até ao dia em que o chefe se demitiu. Enfim, foi para escravo, para a presidência de uma «grande empresa». E a ganhar não sei quantas vezes mais é bem provável que tenha sido feliz. E se calhar até fez muita gente feliz ao seu lado.

O estranho recorde de Fernando Santos

Julgo que consigo perceber o que sentem os benfiquistas por estes dias. Também já senti o mesmo quando Fernando Santos passou pelo Sporting. Por esses tempos, mal ouvi anunciarem o seu nome como que visualizei imediatamente o desastre que haveria de ser a época (2003/ 2004). Claro que o futuro ainda reservava um pesadelo pior (José Peseiro), mas isso estava eu longe de imaginar. O saldo foi o terceiro lugar no campeonato (atrás do Porto e do Benfica), a eliminação em casa logo no primeiro jogo da Taça de Portugal (0-1 com o Setúbal) e a saída à segunda da Taça UEFA (depois de passar os suecos do Malmoe e de um empate em casa dos turcos do Gençlerbirligi, derrota em Portugal por três a zero com esses mesmos turcos de nome esquisito).
Ontem, e a propósito de Fernando Santos, um amigo falou-me de um estranho recorde que o homem detém: é o único treinador que em Portugal conseguiu perder um campeonato tendo o Jardel na equipa (o de 1999/ 2000, quando treinava o Porto e ficou a ver navios perante o Sporting de Augusto Inácio e, assinale-se também, de «Beto» Acosta).
A coisa não é bem assim, mas é como se fosse. Explico… Quando jogou no Porto, Jardel foi campeão durante várias épocas (inclusive na de 1998/ 1999 treinado por Fernando Santos, que então passou por uns tempos a ser conhecido por uma expressão quase a tocar o mau-gosto, nem mais nem menos do que «engenheiro do penta»); até que chegou a tal época de 1999/ 2000 em que Fernando Santos conseguiu o recorde referido por aquele meu amigo. Depois Jardel sairia para a Turquia, regressando a Portugal para jogar no Sporting (2001/ 2002), sendo campeão com Lazlo Boloni. E é a seguir que vem a tal falha (embora sem importância) das contas do meu amigo. Na época seguinte, de novo com Lazlo Boloni a treinar o Sporting, Jardel não foi campeão; acredito que teria sido (mesmo com o efeito José Mourinho no Porto), se não tivesse havido a enorme confusão de que muita gente se recorda, que o levou a fazer cerca de metade dos jogos e muitos deles incompletos. Ou seja, nessa época foi como se Jardel não tivesse estado por cá.
O mais provável é que o recorde de Fernando Santos só seja verdadeiramente igualado no final da época que agora começa, quando o Beira Mar de Augusto Inácio e de Jardel não conseguir ser campeão (curiosamente, Augusto Inácio é o treinador que pelo Sporting «ajudou» Fernando Santos a chegar ao estranho recorde).

Os frutos e a cor da terra

Por falar em José Carlos Barros (post «Isto promete», logo abaixo), deixo a seguir o texto que sobre ele escrevi há cerca de um ano para a revista «Pessoal» (secção «Stress? Relax»), intitulado precisamente «Os frutos e a cor da terra».
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[Entrada] Um homem do mundo, mais do que da sua terra natal, ou do que da terra onde vive. José Carlos Barros, um arquitecto paisagista que ainda não há muito tempo era director do Parque Natural da Ria Formosa, fala do seu percurso profissional e dos hobbies que não dispensa, nem que seja lá de tempos a tempos. E fala da Casa de Cacela, onde acorda com as aves pousadas nas árvores do jardim e vê os frutos a crescer e a terra a mudar de cor ao longo do ano. Trabalho ou hobby, fica-se na dúvida, mas esclarecê-la nem é o mais importante.

José Carlos Barros, transmontano de Boticas, estudou arquitectura paisagista em terras do sul, em Évora, e vive ainda mais a sul, no Algarve, tocando o mar, em Cacela. «Nasci em Trás-os-Montes. Vivi no Alentejo. Vivo no Algarve, onde tenho a minha vida. Mas sou, sobretudo, do mundo, de uma parte do mundo da qual a ruralidade não desapareceu, onde ainda sabemos o nome das árvores e vemos os frutos a crescer. É daí que eu sou.»
Profissionalmente ligado ao ordenamento do território e à conservação da natureza, José Carlos Barros pertence aos quadros da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, tendo nos últimos anos sido director do Parque Natural da Ria Formosa e da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Classifica estas experiências como «as mais fascinantes e simultaneamente as mais constrangedoras». O fascínio, esse justifica-o com «os desafios colocados à gestão de espaços de elevadíssimo valor natural, ao desenvolvimento de acções de conservação da natureza, à gestão na perspectiva da compatibilização entre conservação de valores e recursos naturais e aproveitamento económico desses mesmos recursos»; já aos constrangimentos associa a ideia de que «gerir parques naturais, em Portugal – e sobretudo no caso da Ria Formosa, como resultado das pressões permanentes de alteração do uso do solo –, é uma espécie de missão impossível», em grande parte devido à «falta de pragmatismo que se verifica ao nível da decisão política». Explicando melhor… «Ficamo-nos quase sempre pelas meias tintas, ou alterando o discurso conforme as circunstâncias. E no intervalo destas indecisões e indefinições vale tudo. O que não é bom para a conservação da natureza, mas também não é bom para os verdadeiros empresários, que nunca conhecem as regras com clareza. Assim, mais do que gerir conflitos, dirigir um parque natural é, na maior parte das vezes, gerir indefinições.»
A estes constrangimentos, porém, já José Carlos Barros estava habituado, devido à passagem de dois anos pelos meios governamentais, em Lisboa, trabalhando com o secretário de Estado-adjunto da ministra do Ambiente. «Trabalhar junto do poder dá-nos a ilusão de poder. Digo ilusão porque na realidade a maior parte dos processos que implicam mudança acabam por ser lentos, tropeçam em teias burocráticas, encontram resistências administrativas muitas vezes difíceis de compreender.» Mesmo assim, a experiência terá sido gratificante, pelo menos por duas razões, em primeiro lugar por ter trabalhado com pessoas fabulosas – «e as pessoas são sempre o que maisfica» –, depois porque «apesar de tudo foi possível dar passos decisivos em matéria ambiental, nomeadamente com o programa ‘Litoral’, que em finais dos anos 90 colocou a gestão da orla costeira nas prioridades de intervenção do ministério, algo que nos anos mais recentes, infelizmente, não tem merecido a atenção e os esforços de actuação política que justificava e continua a exigir».

»»» Isso dos hobbies
E o que diria este homem do ambiente se lhe pedissem para revelar os seus hobbies? Talvez não fosse difícil acertar se se apostasse na natureza… «Se tivesse que escolher uma única coisa, diria que era a pesca às trutas. Embora actualmente só vá à pesca uma ou duas vezes por ano. Mas quando vou, geralmente, são quatro dias a dormir numa pequena casa de montanha sem electricidade nem água canalizada, sem linhas telefónicas nem rede de telemóvel. Com amigos. É muito mais do que pescar: é estar no rio. Em rios de montanha, perdidos do mundo, onde o contacto com a natureza é ainda uma realidade. Rios cavados no fundo dos vales, paisagens belíssimas, o silêncio dos montes, o voo das aves, os ruídos dos animais que se escondem nas margens. E as árvores: os amieiros, os freixos, os negrilhos, os carvalhos, as tílias, os vidoeiros. E a água: a água límpida das nascentes, a água do degelo das altas cumeadas. Os rios Beça, Mente, Rabaçal…»
Quanto a coisas mais próximas de casa, o mar, a praia e a ria… «Vivo a menos de dois quilómetros do mar, e a menos de dois quilómetros da Ria Formosa. Gosto imenso da praia, sobretudo no Inverno. E da ria, de estarna ria; quando chegar o Outono, é certo que lá estarei, a andar de kayak com a minha filha.»
Confissões de quem pela década de 1980 podia ser encontrado quase todas as semanas, às terças-feiras, nas páginas do suplemento «DN Jovem», do «Diário de Notícias», com poemas que invariavelmente eram premiados. «Com a literatura tenho uma relação estranha, porque não sou escritor, porque não levo muito a sério o que escrevo, mas simultaneamente porque não posso deixar de levar a sério o que escrevo… Escrever, mesmo não sendo escritor, não é um hobby. Nem sei… talvez acabe por escrever por todas estas contradições.» José Carlos Barros escreve sobretudo poesia, tendo alguns livros publicados, «quase sem circulação comercial». «Como concorri a prémios literários e ganhei, resultou que me publicassem alguns livros. Mas parece-me que de um modo geral os exemplares impressos ficaram mais em depósitos húmidos, nas caves das autarquias, por exemplo, do que transitando por aí. De resto, não gosto de escrever. Não saberia muito bem explicar por que escrevo. Porque também não sinto que não possa passar sem escrever. Eu não poderia passar era sem estar com os amigos, sem ir com eles à pesca uma vez por ano, sem nos encontrarmos por acaso e julgarmos que a felicidade é também isso: encontrarmo-nos e podermos estar juntos durante algum tempo a falar mal do mundo em geral, e da literatura e da política em particular.»
Ainda José Carlos Barros e a poesia… «Escrevo essencialmente poesia, sim, porque não exige disciplina. Posso escrever uns dez poemas numa noite e depois estar seis meses sem esboçar uma estrofe. Ou mais. Embora esta coisa dos blogs tenha alterado a regra. Mas passava bem sem a escrita. Penso que é para esse lado que durmo melhor.» Quanto a publicação em livros que sejam capazes de escapar aos «depósitos húmidos», a coisa parece difícil… José Carlos Barros tem muita coisa preparada, mas até agora ainda não mandou a nenhum editor. «E não é de supor que eles venham por aí abaixo de rota batida bater-me à porta e perguntar, ansiosos, se podem espreitar as minhas gavetas. O silêncio com o silêncio se paga. É assim, e parece-me bem: eu distancio-me do mundo, é justo que o mundo faça os possíveis por se distanciar de mim.»
Ficam então em resguardo algumas das mais belas palavras do autor da letra do futuro hino do Algarve, uma letra onde cada cantinho da região encontra lugar, e onde o futuro da própria região também tem lugar reservado. Apesar de tudo o que lhe tem acontecido. «A devastação maior que o Algarve sofreu» – diz José Carlos Barros – «nem é bem ambiental; é, antes de mais, cultural. Como se tivéssemos perdido a memória. O mais veio por acréscimo deste esquecimento. É certo que a construção sem regras assolou o litoral e foi caminhando, por vezes impune, barrocal adentro. Não sou de grandes optimismos, mas acredito que não há sístole sem diástole, acção sem reacção. Claro que muitas coisas se perderam irreversivelmente. Mas há muitos algarvios que não se conformam, e os sinais positivos começam a surgir. A impunidade começa a ser vigiada. Aprendemos com os erros. Claro que tudo leva o seu tempo; mais depressa adoecemos do que encontramos a cura. Mas sinto que vivo numa terra fantástica, numa terra com futuro.» Talvez seja também por isso que José Carlos Barros decidiu aceitar o desafio de participar mais activamente na vida política, sendo actualmente candidato – como independente, pela lista do Partido Social Democrata – à vice-presidência da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António.

[Caixa] A Casa de Cacela
O projecto é antigo, mas só há cerca de dois meses [declarações feitas há cerca de um ano] foi concretizado. A Casa de Cacela (http://www.casadecacela.com/) é uma unidade de agro-turismo, em Vila Nova de Cacela, entre Tavira e Vila Real de Santo António, no Algarve. É aí que vive José Carlos Barros, «no meio do campo, numa fazenda, a ver crescer as árvores, a ver crescer os frutos» (a propósito de ver crescer as árvores e os frutos, sugere-se uma visita a dois blogs de José Carlos Barros, http://casa-de-cacela.blogspot.com/ e http://presadopadrepedro.blogspot.com/, embora este último esteja agora sem actualizações). Ele próprio apresenta a sua casa… «Eu e a minha mulher é que tratamos disto – eu agora estou de férias, depois logo se vê. Gostaria de conseguir ficar último esteja agora sem actualizações). Ele próprio apresenta a sua casa… «Eu e a minha mulheraqui a tempo inteiro… O projecto é antigo, mas só há cerca de dois meses é que começou a funcionar. Foram precisos três anos para se conseguir o licenciamento; porque foi integralmente concretizado com financiamento próprio e recurso a crédito bancário, sem um cêntimo de apoios no âmbito do sistema de incentivos ‘SIVETUR’, vocacionado também para o apoio ao chamado turismo sustentável, mas que no Algarve tem servido essencialmente para financiar projectos turísticos de grandes grupos económicos. Ou seja, o equilíbrio, mais uma vez, não tem sido conseguido, e continuamos a não saber aproveitar os fundos comunitários para as mudanças de que o Algarve tanto necessita. O meu trabalho, actualmente, divide-se também por aqui – embora a gestão da casa seja feita essencialmente pela minha mulher. No fundo, tratou-se de recuperar as antigas instalações agrícolas e habitacionais e, com este projecto, permitir a continuação das actividades agrícolas que se desenvolviam na propriedade. Porque os agricultores, actualmente, ou são subsídio-dependentes ou ficam à mercê de intermediários: é como se fossem considerados um estorvo. E aqui desejávamos continuar a fazer agricultura. São seis hectares de hortas e pomares, sobretudo de amendoeiras, damasqueiros, ameixeiras, alfarrobeiras e figueiras. No fundo, a concretização do projecto está também ligada ao desejo de viver aqui, um pouco fora do mundo. Acordar com as aves pousadas nas árvores do jardim, ver os frutos a crescer, ver a terra a mudar de cor ao longo do ano.»