sábado, 13 de setembro de 2008

Uma crónica do Luís Graça (5)

Quinta de uma série de crónicas do Luís Graça. A primeira pode ser lida aqui, a segunda aqui, a terceira aqui e a quarta aqui.
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Setembro chega sempre à traição
Pequim esfumou-se. Os Jogos Olímpicos são passado. Roger Federer ganhou o seu décimo terceiro torneio do Grand Slam, em Nova Iorque. Na RTP2 passa um documentário sobre um dos saltadores suicidas do Empire State Building.
O estômago aperta-se e vou para a rua passear. No Galeto encontro o José Luís Peixoto e fico a colocar a conversa em dia, encostado ao parapeito da esplanada. Como Romeu e Julieta. Ele de t-shirt preta de Raul Seixas, eu de t-shirt branca de Porto Seguro. Ele de tatuagens nos braços, eu de cicatrizes.
Setembro chega sempre à traição, para nos lembrar dos amores que não surgiram em Agosto, dos bichinhos que andam no nosso quarto, emigrados dos livros para baixo dos tapetes cobertos de DVD sortidos, num deslizar de estância de esqui. Sem controlo, com fracturas emocionais.
Agarramos num CD de Dotschy Reinhardt e bolinamos uma crónica a pedido da Comissão de Regatas. Pianamos as teclas. Como nos confessou John Simenon, filho de Georges Simenon, num fim de tarde do Franco-Português, a propósito do autor dos livros do Comissário Maigret. Era assim que o seu pai escrevia um policial num fim-de-semana. A pianar as teclas. Era fácil, barato e dava milhões.
Dotschy vai-nos sussurrando promessas. Na ausência dos seus seios, vamos acariciando as teclas e um discurso mais ou menos coerente vai-se formando à frente dos nossos olhos. Clicamos pela quarta vez no primeiro tema «Gai Rath». É uma massagem para a alma, apesar de não percebermos patavina: «Gai Rath hi da sterni gar dur...»
As cartas começaram a chegar. Vêm da Cornucópia a anunciar Beatriz Batarda. Vêm do Franco-Português. Vêm da Casa Fernando Pessoa.
Juramos fidelidade. Prometemos não faltar. Colocamos as datas e os acontecimentos na agenda, em códigos de duas ou três palavras, com a hora à frente.
Para trás ficou o passeio nocturno de uma hora. Com raide-surpresa à Rua Flores do Lima. O Quarteto está à venda. Há ainda dois cartazes de filmes cá fora. «O Bom Alemão» deixa-nos em testamento o rosto de Cate Blanchett.
Mais abaixo, a Casa de Tomar lembra bolas vermelhas que teimosamente me colocam na mente a falta de aptidão para o snooker. Aqueles jogos à pressa, para não perder o início dos filmes...
O dia, entretanto, nasceu.
(na foto, Dotschy Reinhardt)
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