Primeira de uma série de crónicas do Luís Graça, depois da promessa feita aqui (pelo começo, deduz-se que a escreveu depois dos quarenta).
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Os melhores momentos da minha vida
Dizem que a vida começa aos quarenta.
Seja.
Assim, não há melhor altura para fazer um balanço. Ora, balanço que se preze implica a existência de um top-ten. Em qualquer coisa da vida, sem discriminações.
Comecemos pelo princípio: nasci. Não, definitivamente, este não poderá ser considerado um momento alto, já que houve uma manifesta má-vontade da minha parte em ocupar o meu lugar no mundo. Pelas oito horas e trinta minutos do Dia das Bruxas do ano de 1962, em Lisboa, em plena Avenida da República, recusei-me a nascer às boas. Foi de cesariana.
Recapitulemos: será que consegui escrever dez poemas aceitáveis ao longo destes 40 anos de vida? Acho que sim. Então, dá-me ideia de que a minha existência está justificada.
Sem mais delongas, assim de repente, utilizando um critério totalmente afectivo, ao correr da pena, passo a reproduzir o top-ten dos melhores momentos da minha vida, por ordem (quase) cronológica.
1) PATRÍCIA. Eu tinha seis anos e andava no Externato de Santa Maria Maior, na primeira classe. E apaixonei-me pela Patrícia, que era uma loirinha de franja, com rosto de anjo. O erotismo supremo, para mim, seria dar-lhe um beijinho na face. Nunca aconteceu. Fomos à nossa vida. Cerca de 20 anos mais tarde, na sala de espera do dentista, deslumbrei-me com uma loura fenomenal que aguardava a vez de ser atendida. «A menina Patrícia pode entrar.» A menina Patrícia entrou antes de mim. Perguntei à empregada, com quem tinha confiança, onde morava a menina Patrícia. E era bem perto da minha casa e do externato. Ou seja, a menina Patrícia era mesmo a Patrícia. Ela saiu da sala e eu fui chamado. Gostaria de ter podido dizer: «É só um momento, que reencontrei a primeira paixão da minha vida.» Mas não se deve fazer esperar um dentista, sob pena de o irritar. Perdi outra vez a Patrícia. Mas tenho lá fotos em casa, de uma festa de Natal.
2) O HERÓI DO 1º 16. Escola Preparatória Eugénio dos Santos. A rasar o 25 de Abril. Crosse inter-turmas dentro da escola. O professor ensinou-nos a respirar em corrida e depois o percurso foi assinalado. A rapaziada misturada por séries, com apuramento dos três primeiros para a final. Fiquei em terceiro da minha série, eu que era um simulacro de naco de gente. O professor da outra turma: «Onde é que está o herói do 1º 16?» Era eu. O ego inchou-me.
3) LICEU CAMÕES. O dia em que acabaram as aulas no Verão de 1977, no Liceu Camões. Acabei o terceiro ano do curso geral dos liceus (antigo quinto, ex-nono, sei lá como se diz hoje) e assisti à reunião de turma em que se davam as notas. A outra turma, com os nossos professores, estava com uma hora de atraso. Eu e dois colegas fomos a um café e vimos na TV o hóquei do Sporting sagrar-se campeão europeu (Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento) diante do Villanueva. No regresso, ocupámos os respectivos lugares na sala da nossa turma e o sol estava a bater de lado nos seios de uma menina muito bonita. Via-se tudo aos quadradinhos, por baixo da camisa de renda.
4) ADEUS, APARELHO. Em 1981, após uma dezena anos de correcção com aparelho de ortodôncia (dos dez aos dezoito), resolvi dar descanso à boca. E o Dr. Bação Leal: «Há moura na costa.» Não havia. Nem na costa nem ao largo, mas sabia bem ter outra vez uma boca ao natural.
5) ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO. Sábado de manhã. Quase Verão de 1982. Eu e dois colegas de turma da faculdade tínhamos decidido ir jogar futebol «à pendura». Estávamos no relvado da entrada a fazer flexões como aquecimento quando chegou uma colega de outra turma, a Paula. Vinha com uma saia curta, uma T-shirt branca e o sorriso que me ficou colado ao cérebro. O sol invadiu-me o coração e acampou durante imenso tempo.
6) LOS ANGELES, 1984. Carlos Lopes na televisão a correr para a vitória na maratona e o Kiko aos saltos em minha casa: «Já está! Já ninguém o agarra!» E eu: «Ó Kiko, olha os vizinhos. Faz pouco barulho». Na rua, os primeiros carros começavam a apitar.
7) VENDA DO PINHEIRO. Um dia qualquer, em cima do Monte Atalaia, a olhar cá para baixo, ao lado do Henrique, o vento a bater-nos na cara, sozinhos, entre Deus e os homens. Não havia «Big Brother». Havia amizade e ninguém era expulso do Paraíso. Os pássaros sorriam enquanto voavam. Nos dias extraordinários, via-se o Palácio da Pena, em Sintra.
8) RIMINI. Julho de 1995. Uma rapariga estilo Martini, camisa de alças, longos cabelos louros, patins em linha, mochila, passou a sorrir mesmo à nossa frente (eu e o Carlos). Não percebemos bem se a cena era real ou saída de um filme. Dez minutos antes tínhamos estado a visitar o Arco de Augusto.
9) ILHAS CIES. Setembro de 1995. Estou sentado num rochedo, ao lado do farol mais alto dessas maravilhosas ilhas galegas. Acabei de ler um conto de Frank Ronan e uma gaivota veio dividir comigo um bocadillo de atum. O mar estava tão azul que Deus mandou parar a imagem.
10) SELECÇÃO NACIONAL. O décimo melhor momento é composto por todos aqueles que me esqueci de referir agora. São muitos e eram importantíssimos. Uma selecção nacional das pequenas alegrias: a antologia «DN-Jovem», a chegada no Manteigas/ Penhas Douradas, o ténis de mesa do Inatel, a escrita, um pôr-do-sol no Guincho...
Dizem que a vida começa aos quarenta.
Seja.
Assim, não há melhor altura para fazer um balanço. Ora, balanço que se preze implica a existência de um top-ten. Em qualquer coisa da vida, sem discriminações.
Comecemos pelo princípio: nasci. Não, definitivamente, este não poderá ser considerado um momento alto, já que houve uma manifesta má-vontade da minha parte em ocupar o meu lugar no mundo. Pelas oito horas e trinta minutos do Dia das Bruxas do ano de 1962, em Lisboa, em plena Avenida da República, recusei-me a nascer às boas. Foi de cesariana.
Recapitulemos: será que consegui escrever dez poemas aceitáveis ao longo destes 40 anos de vida? Acho que sim. Então, dá-me ideia de que a minha existência está justificada.
Sem mais delongas, assim de repente, utilizando um critério totalmente afectivo, ao correr da pena, passo a reproduzir o top-ten dos melhores momentos da minha vida, por ordem (quase) cronológica.
1) PATRÍCIA. Eu tinha seis anos e andava no Externato de Santa Maria Maior, na primeira classe. E apaixonei-me pela Patrícia, que era uma loirinha de franja, com rosto de anjo. O erotismo supremo, para mim, seria dar-lhe um beijinho na face. Nunca aconteceu. Fomos à nossa vida. Cerca de 20 anos mais tarde, na sala de espera do dentista, deslumbrei-me com uma loura fenomenal que aguardava a vez de ser atendida. «A menina Patrícia pode entrar.» A menina Patrícia entrou antes de mim. Perguntei à empregada, com quem tinha confiança, onde morava a menina Patrícia. E era bem perto da minha casa e do externato. Ou seja, a menina Patrícia era mesmo a Patrícia. Ela saiu da sala e eu fui chamado. Gostaria de ter podido dizer: «É só um momento, que reencontrei a primeira paixão da minha vida.» Mas não se deve fazer esperar um dentista, sob pena de o irritar. Perdi outra vez a Patrícia. Mas tenho lá fotos em casa, de uma festa de Natal.
2) O HERÓI DO 1º 16. Escola Preparatória Eugénio dos Santos. A rasar o 25 de Abril. Crosse inter-turmas dentro da escola. O professor ensinou-nos a respirar em corrida e depois o percurso foi assinalado. A rapaziada misturada por séries, com apuramento dos três primeiros para a final. Fiquei em terceiro da minha série, eu que era um simulacro de naco de gente. O professor da outra turma: «Onde é que está o herói do 1º 16?» Era eu. O ego inchou-me.
3) LICEU CAMÕES. O dia em que acabaram as aulas no Verão de 1977, no Liceu Camões. Acabei o terceiro ano do curso geral dos liceus (antigo quinto, ex-nono, sei lá como se diz hoje) e assisti à reunião de turma em que se davam as notas. A outra turma, com os nossos professores, estava com uma hora de atraso. Eu e dois colegas fomos a um café e vimos na TV o hóquei do Sporting sagrar-se campeão europeu (Ramalhete, Rendeiro, Sobrinho, Chana e Livramento) diante do Villanueva. No regresso, ocupámos os respectivos lugares na sala da nossa turma e o sol estava a bater de lado nos seios de uma menina muito bonita. Via-se tudo aos quadradinhos, por baixo da camisa de renda.
4) ADEUS, APARELHO. Em 1981, após uma dezena anos de correcção com aparelho de ortodôncia (dos dez aos dezoito), resolvi dar descanso à boca. E o Dr. Bação Leal: «Há moura na costa.» Não havia. Nem na costa nem ao largo, mas sabia bem ter outra vez uma boca ao natural.
5) ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO. Sábado de manhã. Quase Verão de 1982. Eu e dois colegas de turma da faculdade tínhamos decidido ir jogar futebol «à pendura». Estávamos no relvado da entrada a fazer flexões como aquecimento quando chegou uma colega de outra turma, a Paula. Vinha com uma saia curta, uma T-shirt branca e o sorriso que me ficou colado ao cérebro. O sol invadiu-me o coração e acampou durante imenso tempo.
6) LOS ANGELES, 1984. Carlos Lopes na televisão a correr para a vitória na maratona e o Kiko aos saltos em minha casa: «Já está! Já ninguém o agarra!» E eu: «Ó Kiko, olha os vizinhos. Faz pouco barulho». Na rua, os primeiros carros começavam a apitar.
7) VENDA DO PINHEIRO. Um dia qualquer, em cima do Monte Atalaia, a olhar cá para baixo, ao lado do Henrique, o vento a bater-nos na cara, sozinhos, entre Deus e os homens. Não havia «Big Brother». Havia amizade e ninguém era expulso do Paraíso. Os pássaros sorriam enquanto voavam. Nos dias extraordinários, via-se o Palácio da Pena, em Sintra.
8) RIMINI. Julho de 1995. Uma rapariga estilo Martini, camisa de alças, longos cabelos louros, patins em linha, mochila, passou a sorrir mesmo à nossa frente (eu e o Carlos). Não percebemos bem se a cena era real ou saída de um filme. Dez minutos antes tínhamos estado a visitar o Arco de Augusto.
9) ILHAS CIES. Setembro de 1995. Estou sentado num rochedo, ao lado do farol mais alto dessas maravilhosas ilhas galegas. Acabei de ler um conto de Frank Ronan e uma gaivota veio dividir comigo um bocadillo de atum. O mar estava tão azul que Deus mandou parar a imagem.
10) SELECÇÃO NACIONAL. O décimo melhor momento é composto por todos aqueles que me esqueci de referir agora. São muitos e eram importantíssimos. Uma selecção nacional das pequenas alegrias: a antologia «DN-Jovem», a chegada no Manteigas/ Penhas Douradas, o ténis de mesa do Inatel, a escrita, um pôr-do-sol no Guincho...
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NOTA DO AUTOR: será que este texto faz algum sentido?
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4 comentários:
Olá,
O Blogue dos Manteigas passou por aqui :)
Um abraços de Manteigas, Serra da Estrela :)
http://bloteigas.blogspot.com/
Vou visitar certamente.
Abraço,
António
Que bom ler o Luís.
Grande abraço para Manteigas.
Lá cheguei ao final da Manteigas-Penhas Doiradas (2ª edição), com 1 hora e 36 minutos e à frente da primeira menina.
Não pedia mais nada.
Aquilo estava a andar um bocado à roda, quando cheguei. Com um cubito de marmelada lá fiquei fino.
Tinham roubado os abastecimentos líquidos e cheguei um bocado desidratado.
Molhei só a cabeça nos primeiros abastecimentos, em vez de beber água.
Ganda burro!
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