Ultimamente, tem-se falado muito na comunicação social de um gestor de topo do Benfica, Domingos Soares de Oliveira. É «acusado» de ser do meu clube, o Sporting. Eu já tinha ouvido falar no assunto, mas nunca liguei muito. Tanto se me dá que ele seja de um ou de outro clube, ou de um terceiro, ou que nem tenha clube. Mas agora, com o que tenho lido e ouvido, lembrei-me de uma coisa… Na revista que dirijo («Pessoal»), publiquei há pouco mais de dois anos (Verão de 2005), um perfil de Domingos Soares de Oliveira. O texto é da jornalista Ana Margarida Pedro, a quem Domingos Soares de Oliveira confessou então ser adepto e sócio do Benfica. A foto com a águia foi tirada pelo fotógrafo João Andrés. Pode ler-se o texto a seguir…
Domingos Soares de Oliveira
Um gestor no ninho da águia
«A minha relação com a informática é inexistente», escreveu resoluto Domingos Soares de Oliveira aos pais, quando o tempo de maiores responsabilidades se aproximou e a questão sobre o que fazer da vida se impôs. Contudo, porque medicina estava fora de questão e os dois anos de direito e físico-química que completara não lhe tinham enchido as medidas, decidiu-se pelo improvável, e da informática acabou mesmo por fazer carreira. De programador e analista de sistemas a gestor e presidente da Comissão Executiva do Benfica, Domingos Soares de Oliveira lá vai seguindo a somar vitórias. Fora e dentro dos estádios.
São Paulo não foi uma opção própria. Nem tão-pouco Paris. À semelhança do que aconteceu a muitas outras famílias, também a de Domingos Soares Oliveira se viu obrigada a sair do país no período revolucionário de 1975, facto que viria a marcar profundamente a sua infância. Depois de três anos passados no Brasil, do liceu completo e da admissão na faculdade, a França tornou-se a sua casa, e foi o local escolhido para concluir os estudos. Sozinho. «Não foi uma opção própria sair do país. Limitei-me a acompanhar os meus pais. Contudo, depois de eles voltarem, eu decidi permanecer em Paris. Fiquei e aproveitei bem a vida parisiense...» A forma como o afirma dá que pensar... «Mas não se pense que aproveitei bem só por causa das festas e das ‘cowboyadas’... Com 21 ou 22 anos há outras formas de aproveitar bastante bem o facto de se estar isolado, isto é, fora da relação paternal, uma vez que se trata de um período de desenvolvimento pessoal extremamente importante.» Tão importante que ainda hoje, já com uma carreira consolidada, este gestor sente os benefícios da decisão tomada quando jovem. «Não me custou absolutamente nada ter-me afastado, bem pelo contrário. Ainda hoje sinto que muitas vezes as pessoas precisam de alguém que assuma a responsabilidade da tomada da decisão, e o facto de se estar sozinho num ambiente que não é aquele onde se nasceu é algo de muito importante, até do ponto de vista da autonomia e da gestão da autonomia que se constrói.»
Ficou e concluiu com sucesso os estudos. Depois de por carta ter esclarecido os pais sobre o quanto a informática estava fora dos seus planos de futuro, Domingos Soares de Oliveira viu-se perante uma escolha reduzida. E optou pelo inesperado. «Honestamente, a informática nunca foi uma vocação. Aliás, foi mais por rejeição de outras alternativas do que propriamente por desejo. Tinha concluído dois anos entre os cursos de direito e de físico-química e sabia que medicina estava absolutamente fora de questão, por isso, tardiamente, enveredei por aquilo que viria a ser a minha carreira.» Por questões mais oportunísticas e menos estrututurais, ou vice-versa, uma vez que no início da década de 1980 muito poucos sabiam exactamente do que se tratava, o que é certo é que Domingos Soares de Oliveira se licenciou em Informática e Gestão de Empresas, corria o ano de 1983, e daí partiu para o mundo das empresas.
Fez a carreira normal de qualquer informático. Depois das diversas candidaturas que apresentara para o estágio profissional integrado na sua licenciatura, entrou numa empresa pertencente ao grupo Paribas e progrediu naturalmente por entre funções de programação e de desenvolvimento, como analista de sistemas. «Não houve qualquer tipo de problema na adaptação, porque me sentia bem preparado, e embora uma pessoa tenha sempre uma expectativa especial em relação ao primeiro emprego, eu diria que, no meu caso, o trabalho ficou aquém daquilo que eu julgava serem as minhas capacidades. Mas reconheço que quando se é novo se sabe fazer algumas coisas mas não fazer tudo, e portanto aquilo que nos vão dando é igualmente uma forma de desempenhar o serviço e um teste ao nosso potencial.»
De regresso a casa
Viria a ser um convite que faria Domingos Soares de Oliveira regressar a Portugal, convite esse que resultaria no seu primeiro grande envolvimento com a vertente dos negócios e as funções de gestão. «Aceitei um convite da Locapor, a primeira empresa de leasing que existiu em Portugal, na qual passei a assegurar a direcção do departamento de informática. Na altura, a gestão foi logo uma experiência muito aliciante, porque do ponto de vista pessoal me ligava a uma vocação de coordenação e de animação de equipas que sempre me agradou muito.»
Apesar de a pouco e pouco a dinâmica da empresa se ter transformado, Domingos Soares de Oliveira nunca equacionou a hipótese de deixar definitivamente a informática para se dedicar totalmente à gestão. Contudo, era por esta última que nutria maior interesse, e ao fim de pouco tempo a preferência acabou por ter os seus efeitos. «Sempre gostei mais da parte de gestão do que propriamente da parte tecnológica, mas não equacionei isso assim. Hoje sei que não sou um tecnólogo e que existe um vasto conjunto de linguagens de programação que já não domino, portanto é natural que vá abandonando a área. Não deixo de prestar atenção ao que se faz, mas desde há algum tempo que a minha carreira é de gestor.»
Á Locapor seguiu-se a Unisys, em 1988. Em causa estava um novo convite, desta feita para ajudar a lançar a Unisoft, uma empresa de software e de serviços, da Unisys, que tinha como accionistas uma série de outras empresas, entre as quais a Compta, a Marconi, a Tranquilidade e a Norma. «Na Unisoft, assumi primeiro funções de chefe de projecto, depois de director de sistemas de informação e finalmente de director-geral, fazendo um percurso de quatro anos até à chefia da empresa, onde me mantive durante mais dois anos. Foi uma experiência interessante, porque tive a oportunidade de acompanhar a criação e de estar envolvido nos trâmites de lançamento da empresa, e isso é realmente o que mais me agrada: criar projectos, dar-lhes corpo e fazer deles concretizações claramente estruturantes.»
Mas nem tudo foi fácil. Impondo-se no mercado como uma das primeiras empresas do sector dos serviços quando as software houses davam os primeiros passos, a Unisys passou por momentos algo complicados... «Foi curioso e ao mesmo tempo angustiante, porque durante uns meses tivemos de inventar trabalho e fingir que trabalhávamos, porque pura e simplesmente não tínhamos clientes. Felizmente, depois surgiram dois ou três projectos marcantes e a partir daí a empresa desenvolveu-se.» Mas não tanto quanto as aspirações de Domingos Soares de Oliveira desejavam. Apesar de pela primeira vez se ter visto inserido no ambiente das multinacionais e de ter no «Power Point» um dos maiores aliados – «porque tinha de apresentar muitos orçamentos, muitas estratégias e muitos resultados» –, a Unisys manteve-se ligada a um conjunto restrito de clientes, que contudo já não satisfaziam plenamente o gestor. «Uma vez que os clientes da Unisys não asseguravam no mercado português a dimensão de que precisávamos, houve que equacionar fazer as coisas de maneira diferente. Como não era possível fazê-lo ali, saí em 1992 para uma nova empresa.»
O Benfica
A nova empresa era a Geslógica, integrada no universo Prológica. Objectivo: criar uma organização que em vez assegurar a parte de equipamentos e hardware tratasse do software e dos serviços. «Aceitei, e fui o primeiro accionista individual.» O projecto foi um sucesso. Iniciando-se no mercado em 1992 com duas dezenas de pessoas, chegou a 1997 com mais de cem colaboradores, altura em que foi comprada pela primeira multinacional europeia de software e serviços, a Cap Gemini. Por volta do ano 2000, eram já seiscentos os funcionários da Geslógica e nem o rumor de um possível processo de fusão com a Ernst & Young abalou o rumo da próspera empresa. «Concluímos a fusão em Portugal sem grandes complicações e em finais de 2001 fui convidado para actuar com o presidente da empresa no mercado espanhol. Isto implicava uma dimensão completamente diferente, de cerca de três mil pessoas, mas mais uma vez aceitei o desafio e em 2002 e 2003 desenvolvi o projecto na dimensão ibérica. Depois, a partir de 2004, e por motivos de ordem vária, extinguiu-se a relação que existia com a Cap Gemini e eu decidi tomar um novo rumo.» Como ao longo dos cerca de vinte anos de empresas já tinha conseguido uma posição em que era difícil existir um próximo passo, e voltar a repetir passos também não era algo que estivesse nas suas intenções, Domingos Soares de Oliveira aceitou um convite que entretanto recebera do presidente do Benfica e em 2004 assumiu o papel de presidente da Comissão Executiva do clube da águia.
Mudança dramática a que foi assumida pelo gestor. Dramática, mas calculada. «O facto de ser um projecto muito diferente da minha carreira no universo da informática e da consultoria correspondia às minhas expectativas em termos de mudança. Contudo, das pessoas que consultei em relação à proposta que me foi feita pelo Benfica, noventa por cento disseram-me para não aceitar...» Escusado será dizer que o futebol no mundo dos negócios não era das coisas mais bem vistas, mas esta foi uma situação que também o clube lisboeta se viu obrigado a ponderar. «Bem vistas as coisas, o Benfica estava a apostar num gestor profissional. E o que é certo é que quando as coisas são suficientemente ponderadas acabam por correr bem. Quando entrei sabia exactamente o que me esperava. Tive zero surpresas, e sinto-me extremamente satisfeito com a experiência. Há muito tempo que não sentia tanto gozo no dia-a-dia.»
Depois de um projecto inicial em que as seis empresas detidas pelo Benfica passaram a ser vistas como um todo em termos de gestão, segue-se mais um grande desafio para o presidente da Comissão Executiva do clube: a fusão entre a Benfica – Sociedade Anónima Desportiva (SAD) e a Benfica Estádio. Mas nada que assuste em demasia Domingos Soares de Oliveira. Conta com o apoio dos cerca de trezentos funcionários da casa e dos cento e quarenta mil sócios (número sempre a mudar, pois a cada dia que passa entram cerca de mil, à conta do inovador sistema do kit «Novo Sócio do Benfica»), sócios seguramente ávidos de repetir a proeza desportiva da época de 2004/ 2005. E por falar nisso, que tal vão os negócios com os campeões nacionais? «Houve reflexos da vitória, não só em termos de motivação de toda a equipa como de impacto do ponto de vista das receitas, as directas, pelo facto de participarmos na Liga dos Campeões, e as indirectas, através da venda de merchandising e de adesão de mais sócios.»
Assim como sofrem os adeptos, de cada vez que a bola bate na trave ou teima em não ultrapassar o guarda-redes, assim sofre igualmente Domingos Soares de Oliveira, adepto e sócio do clube. «Sofro pelo Benfica, mas de maneira diferente do normal torcedor, porque se este fica satisfeito quando a bola entra e insatisfeito quando a bola não entra, eu penso nisso e no quanto fico satisfeito por ver o estádio cheio e muitas camisolas do novo modelo vendidas e insatisfeito com o inverso. É impossível para mim ver um jogo de uma maneira simplesmente apaixonada, sem a perspectiva financeira, até porque uma coisa está associada à outra.» E o que responde a quem ainda levanta a voz para questionar o seu clubismo? «Sou do Benfica, e mesmo que não fosse, depois de cá chegar não há outra hipótese senão vestir a camisola.»
Trocar o futebol por outro desporto, só mesmo pelo golfe, que pratica com amigos, «pelo menos uma vez por semana», em Belas. O resto do tempo divide-o com a família, a mulher e três filhos, cujo clube do coração não nos foi revelado.
1 comentário:
O gestor diz que é do Benfica, outros dizem que não, mas o facto é que a sinceridade é sempre o melhor caminho a seguir nestes casos, até se fica melhor visto...
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