quinta-feira, 13 de agosto de 2009

As capas dos livros (6)

Do romance «O Medo Longe de Ti», de 2003 (edição Temas e Debates).
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Agarrei um dos ferros da ponte, agarrei-o com firmeza, com a mão esquerda, talvez a procurar alguma coisa que justificasse o facto de não me virar, alguma coisa que me prendesse. Como é que eu poderia virar-me depois de estar agarrado ao ferro? Naquele momento, já tinha esperanças até numa desculpa assim, que haveria de funcionar. Eu, que tinha olhado fixamente para ti durante longos minutos, no jantar de boas-vindas, antes de me aproximar para te perguntar o nome e tantas outras coisas. Eu, que te tinha olhado com tanta força, nas escadas, ao encontrar-te pela primeira vez. E agora estava ali, na ponte onde os dois rios se uniam, sem me virar para ti, só porque tinha medo de, ao virar-me, não te encontrar a sorrir. Que faria eu se não estivesses a sorrir? Se estivesses parada a olhar-me, e se calhar já a perder a paciência com as minhas coisas? Tu, parada, talvez até de braços cruzados e a bater o pé direito, e com alguns dos gnomos maus de um lado para o outro, a conterem risinhos sarcásticos sabe-se lá com que sacrifícios, a dobrarem-se para ver se aguentavam aquele divertimento em surdina. E lá atrás, já bem no escuro das primeiras árvores, no sopé da colina da Universität, uma bruxa das más a desaparecer enquanto podia, toda manhosa, como se fosse dali para bem longe toda descansadinha da vida por ter cumprido mais um serviço. Como se regressasse ao cercado.
Sim, eu agarrava-me a um dos ferros da ponte, com quantas forças tinha, com as duas mãos. De repente, dei por mim já com as duas mãos no ferro, como se me preparasse para saltar para junto dos peixes. Já nem sabia o que podias pensar, se é que não te tinhas ido mesmo embora, depois de duas perguntas sem resposta minha. «Por que é que não olhas para mim?», «Por que é que não olhas para mim?» E eu, parvo, não olhava. Mas espreitava, conseguia espreitar, por me ter virado um pouco ao agarrar o ferro da ponte também com a mão direita. Só que não te via bem, nem sequer via um dos gnomos maus, tão-pouco uma bruxa capaz de acompanhá-lo em maldade. Não conseguia vislumbrar-te um sorriso, uma lágrima, um olhar de desdém, nada, porque tu já não estavas no mesmo lugar.
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