Um bocadinho do meu livro de histórias «Políticos, Esses Animais».
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Uma vez, ainda nos primeiros tempos, fui mais cedo jantar, por isso demorei-me a fazer o percurso pela rua fora. Para minha grande surpresa, mais uma, cruzei-me com um político conhecido, António Guterres. Nessa altura ele não me parecia o tipo sorridente e bem-falante que acabaria por ser depois como primeiro-ministro. O que eu via na televisão, mesmo sendo a televisão de 1986, era um deputado em permanente guerra com tudo e com todos, quase ameaçando cuspir fogo pela boca a cada três palavras. Era a imagem que eu tinha de Guterres e que facilmente teria quem lhe visse as actuações em S. Bento. Nesse fim de tarde, porém, ao cruzar-me com ele, a caminho do jantar na cantina dos gatos, não me pareceu que fosse capaz de lançar chamas a partir das goelas. Caminhava pela rua fora, com passada curta e pachorrenta, provavelmente na direcção da sede do partido. Ia todo metido consigo próprio, com um sorrisinho mal disfarçado por baixo do bigode que ainda teimava em usar. Fiquei um bocado a pensar no que teria dado origem a tão grande metamorfose, mas depois disse para comigo que as coisas eram mesmo assim e apressei o passo em direcção à cantina, não fosse algum dos gatos ficar-me com o jantar.
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1 comentário:
António:
Lembro-me perfeitamente. Nessa altura, Guterres andava no "bota-a-baixo" que havia de culminar numa luta eleitoral, contra Jorge Sampaio, com intervenções crispadas que me deixaram uma péssima impressão. O objectivo foi alcançado e, passados alguns anos, haveria de se demitir, após umas eleições autárquicas que lhe correram muito mal. Invocando a necessidade de desfazer o pântano, acabou por abdicar. "Ó glória de mandar ou vã cobiça".
Todavia, à fase sorridente já não dei crédito, porque depois do que eu tinha visto, já só podia ser postiça.
Um abraço.
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