(…) Lembras-te? Foi o que disse. E depois, um bocadinho depois, aí é que consegui falar mesmo de forma continuada. Falei muito, disse que não, que talvez a coragem não tivesse voltado, que talvez não fosse falta de coragem a razão do meu silêncio. Talvez até fosse o contrário, talvez a falta de coragem estivesse em dizer que te amava e querer meter-me todo dentro dessa expressão tão pequenina, como se ela me pudesse valer. Mas como fazê-lo de outra maneira que não pelas palavras? Tinha de te dizer que te amava, que te amo, porque não havia, não há, outra expressão, outras palavras, a menos que eu as conseguisse inventar. Mas não conseguia. Não consigo. Ou não queria. Ou não quero. Como eu falava, tanto...
– Penso se não seria preferível não dizer nada. Ficar apenas de mão dada contigo.
Era o que te dizia, que talvez fosse preferível perder-me na cartografia serena e acolhedora que se desenhava nos cantos dos teus lábios quando sorrias. Apenas. Não seria isso, afinal, o amor?
– A sensação de quando se vê o mar pela primeira vez, quando somos pequeninos e alguém nos leva pela mão, e há o medo da areia que nos foge debaixo dos pés…
Sim, era o que te dizia, o meu fascínio pelo mar, que em criança eu via ao longe, do alto da serra, da minha floresta do Sul, o mar, a vinte quilómetros de distância, aonde eu não ia muitas vezes. Era o que te dizia, o que eu falava, todo aquele mar cabia dentro de nós, o mar que por vezes surge também como um reflexo do que trazemos dentro.
– Já nem sei... Tu sabes? O mar que, então, percebemos já conhecer, o mar que mesmo assim nos assusta, mas que ao mesmo tempo nos acalma. Foi dessa forma que te perguntei o nome, talvez não tanto para o saber, mas para o confirmar, nem sei...
Mexeste os lábios. Os pequenos traços que eu já tinha decorado, perto, os pequenos traços no teu rosto, numa agitação breve. Pensei que ias dizer qualquer coisa, mas não, não disseste nada. Falei de novo:
– Foi assim que te perguntei o nome, eu, pequenino outra vez, de frente para o mar, eu, pequenino e sem ninguém, nessa vez, sem ninguém que me segurasse a mão. A minha mãe, ao longe. Eu, pequenino, e a areia a fugir-me debaixo dos pés. Eu, pequenino, com medo de me desequilibrar.
Tu não dizias nada. Largaste a minha mão, e com as duas mãos escondeste o rosto, como se não quisesses que eu te visse a chorar, se chorasses, ou a sorrir, se sorrisses. E eu, atrapalhado, de novo atrapalhado com esse teu gesto, calei-me. Por um segundo pensei que ias desistir, um segundo que me pareceu que poderia demorar quase toda a noite a passar. Olhei para o céu, fiz um olhar de estranheza, sem saber bem por quê. O céu negro, sem uma estrela, sem um rasto da passagem da bruxa dos ciúmes. E o gnomo, na algibeira... Estaria lá? Meti a mão, as duas, as duas ao mesmo tempo na algibeira do lado esquerdo. Era essa. Se não tivesses os dedos a tapar os olhos, irias estranhar tudo aquilo. (…)
– Penso se não seria preferível não dizer nada. Ficar apenas de mão dada contigo.
Era o que te dizia, que talvez fosse preferível perder-me na cartografia serena e acolhedora que se desenhava nos cantos dos teus lábios quando sorrias. Apenas. Não seria isso, afinal, o amor?
– A sensação de quando se vê o mar pela primeira vez, quando somos pequeninos e alguém nos leva pela mão, e há o medo da areia que nos foge debaixo dos pés…
Sim, era o que te dizia, o meu fascínio pelo mar, que em criança eu via ao longe, do alto da serra, da minha floresta do Sul, o mar, a vinte quilómetros de distância, aonde eu não ia muitas vezes. Era o que te dizia, o que eu falava, todo aquele mar cabia dentro de nós, o mar que por vezes surge também como um reflexo do que trazemos dentro.
– Já nem sei... Tu sabes? O mar que, então, percebemos já conhecer, o mar que mesmo assim nos assusta, mas que ao mesmo tempo nos acalma. Foi dessa forma que te perguntei o nome, talvez não tanto para o saber, mas para o confirmar, nem sei...
Mexeste os lábios. Os pequenos traços que eu já tinha decorado, perto, os pequenos traços no teu rosto, numa agitação breve. Pensei que ias dizer qualquer coisa, mas não, não disseste nada. Falei de novo:
– Foi assim que te perguntei o nome, eu, pequenino outra vez, de frente para o mar, eu, pequenino e sem ninguém, nessa vez, sem ninguém que me segurasse a mão. A minha mãe, ao longe. Eu, pequenino, e a areia a fugir-me debaixo dos pés. Eu, pequenino, com medo de me desequilibrar.
Tu não dizias nada. Largaste a minha mão, e com as duas mãos escondeste o rosto, como se não quisesses que eu te visse a chorar, se chorasses, ou a sorrir, se sorrisses. E eu, atrapalhado, de novo atrapalhado com esse teu gesto, calei-me. Por um segundo pensei que ias desistir, um segundo que me pareceu que poderia demorar quase toda a noite a passar. Olhei para o céu, fiz um olhar de estranheza, sem saber bem por quê. O céu negro, sem uma estrela, sem um rasto da passagem da bruxa dos ciúmes. E o gnomo, na algibeira... Estaria lá? Meti a mão, as duas, as duas ao mesmo tempo na algibeira do lado esquerdo. Era essa. Se não tivesses os dedos a tapar os olhos, irias estranhar tudo aquilo. (…)
(excerto do meu romance «O Medo Longe de Ti», ed. Temas e Debates)
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