Quinta crónica sobre blogs da série que fiz mensalmente entre finais de 2003 e meados de 2007. Esta é a crónica de Abril de 2004. Início aqui.
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O que lêem alguns portugueses
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O que lêem alguns portugueses
(Abril de 2004)
O mundo dos blogs, que dá espaço a tantas confissões, também haveria de trazer à luz do dia a informação sobre aquilo que se vai lendo, ou melhor, aquilo que aqueles que o alimentam (esse mundo) vão lendo. Não será propriamente uma originalidade, que isso de mostrar o que se vai lendo já fazem, e desde há muito tempo, jornais, rádios e até, imagine-se, televisões. Vamos então às confissões...
Para abrir, referência a um peso pesado, «Equador». Quinta-feira, 12 de Fevereiro, Manuel Jorge Marmelo (blog «Apenas um pouco tarde»): «Li, finalmente, ‘Equador’ (...) Não tenho muito a dizer, excepto que vivi o livro com prazer, mais rapidamente do que as suas 500 e tal páginas faziam supor. Não sei se MST prestou um serviço à literatura portuguesa, à medida do umbigo do próprio, mas sei que está ali uma boa história, que acumula o predicado de ser bem contada. Discordo, porém, da opinião de uma amiga, segundo a qual MST resistiu à tentação do happy end - a morte pode muito bem ser um happy end.»
Depois, Fernando Assis Pacheco, referência um dia antes, a 11, a cargo de Paulo Moreiras (autor de um dos grandes romances que a literatura portuguesa conseguiu apresentar nos últimos anos, «A Demanda de D. Fuas Bragatela»), no seu blog «O elogio da ginga». Moreiras, especialista na matéria (da ginja, com livro publicado e tudo), escreveu: «Ao regressar a ‘Trabalhos e Paixões de Benito Prada’, de Fernando Assis Pacheco, leitura de outros tempos, voltei a deliciar-me com aquela sátira mordaz e fina de um grande escritor. Agora mais maduro, consigo encontrar nas palavras e nas frases de Assis Pacheco um eco que anteriormente me era esquivo. Para rematar, encontro num belo pedaço de prosa, a ginja de que tanto gosto – ‘... o qual trouxera um outro que falava muito menos e ingurgitava álcoois de todos os sabores, tanto que depois queixou-se por gestos da ginja com mofo e da orquestra antiquada, cuspiu um caroço para longe, pediu mais um cálice...’».
Voltando ao dia 12, uma visita ao «Abrupto», onde há indícios de que Pacheco Pereira lê Kafka e Simone de Beauvoir. «Hoje, há oitenta e nove anos, Kafka queixava-se que as discussões da senhoria com um vizinho não o deixavam escrever. ‘Desespero absoluto! Será que sou perseguido por senhorias que não me deixam trabalhar?’ pergunta Kafka. Simone de Beauvoir, pelo contrário, não tinha que aturar senhorias. Passou este dia, há cinquenta e sete anos, a barafustar contra os costumes americanos. Beauvoir estava em Nova Iorque e irritava-se com as montras preparadas para o Dia de S. Valentim, cheias de coraçõezinhos. Os americanos ‘gastam o tempo’ com isto, anotou irritada. Ainda mais a irritava o costume de cantar ‘Parabéns a você’ nos locais públicos. Estou com ela.»
Ainda no «Abrupto, conselhos de um visitante, a 11 (um post de Francisco de Sousa Fialho): «O Pacheco Pereira chama a atenção para a ‘sensibilidade contemporânea (…), que será muito diferente (ou distante) da sensibilidade de outros tempos’. Talvez o seja. Ou talvez sejam outras coisas que mudaram, mas não a sensibilidade. Ou talvez seja sobre a noção de ‘sensibilidade’ que se alimente o equívoco. Concordo plenamente que há hoje um apetite renovado pelos clássicos, que não é apenas uma moda mas talvez a intuição de que algures se perdeu o fio ou se emaranhou o novelo e que vale a pena recapitular o percurso para destrinçar os nós que entretanto nos confundiram. A este propósito, ainda que aparentemente sem propósito nenhum, recomendo-lhe vivamente um livro recente: ‘Reformation’, de Diarmaid MacCulloch (Penguin Books).»
Ainda na quarta-feira, 11 de Fevereiro, mas já no blog «Meia livraria», que tem uma frase de apresentação de Fernando Pessoa, «Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes.» O assunto, Paulo Coelho. Cláudio, que alimenta o blog, escreve, sob o título «Paulo, o Coelho»: «Gente que lê os livros do Paulo Coelho diz frases como: ‘Hades ler o novo do Paulo Coelho! Comprei o meu na Shell, é espectacular!’ ou ‘Vocêses não gostam de Paulo Coelho é porque não percebem, aquilo tem um segundo sentido. Leiam e hadem ver!’ Alvitro até um postulado: Nem todos os que dizem hades sabem ler, mas todos os que lêm Paulo Coelho dizem hades. Espero que gostem do esotérico pormenor do itálico em Coelho. Tem um segundo sentido.» Como não se diz nada sobre outros itálicos (em «hadem», por exemplo – mas não em «lêm»), aqui neste texto ficou só mesmo o «Coelho» em itálico.
Outro blog, «Bomba inteligente», de Carla Hilário de Almeida Quevedo. Recuo até 8 de Fevereiro: «Já que o Marcelo Rebelo de Sousa não falou de uma das edições portuguesas mais importantes do ano, falo eu. Trata-se da tradução das ‘Tragédias’ de Sófocles por Maria Helena da Rocha Pereira, Maria do Céu Fialho e José Ribeiro Ferreira, da editora Minerva de Coimbra. Uma beleza de livro. A seguir a esta maravilha, só mesmo a tradução da ‘Ilíada’ do Frederico Lourenço.» No dia seguinte, e depois de tão elevadas leituras, piadas de argentinos (não um livro, mas piadas mesmo). Duas, para amostra – «Jogam as selecções do Brasil e da Argentina. O jogo está empatado. O comentador argentino diz: ‘Brasil zero golos, Argentina zero golaaaaçoooos!’»; «Dois argentinos estão no estrangeiro, prestes a entrar numa festa. Um diz: ‘E se dissermos que somos argentinos?’ Diz o outro: ‘Nã... que se lixem.’» Piadas de argentinos, e eu com um romance escrito por um argentino nos meus planos de leitura mais imediatos. Veremos no que dá…
Para acabar, uma referência a um livro escrito pelo autor do primeiro blog. Recuando mais, até 2 de Fevereiro, e no «Aviz, de Francisco José Viegas, que não poderia faltar num «inquérito» destes. «Estou a ler e a divertir-me. Pessoa aparece no meio de um vendaval semeado por Manuel Jorge Marmelo. O livro tem o título ‘Os Fantasma de Pessoa’, e a colecção é a ‘Literatura ou Morte’, da Asa.» Pode ser uma boa alternativa, se me chatear com o argentino.
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Blogs consultados
http://www.marmelo.blogspot.com/, mantido por Manuel Jorge Marmelo;
http://www.elogiodaginja.blogspot.com/, mantido por Paulo Moreiras;
http://www.abrupto.blogspot.com/, mantido por José Pacheco Pereira;
http://www.meialivraria.blogspot.com/, com textos assinados por Cláudio;
http://www.bomba-inteligente.blogspot.com/, mantido por Carla Hilário de Almeida Quevedo;
http://www.aviz.blogspot.com/, mantido por Francisco José Viegas.
Para abrir, referência a um peso pesado, «Equador». Quinta-feira, 12 de Fevereiro, Manuel Jorge Marmelo (blog «Apenas um pouco tarde»): «Li, finalmente, ‘Equador’ (...) Não tenho muito a dizer, excepto que vivi o livro com prazer, mais rapidamente do que as suas 500 e tal páginas faziam supor. Não sei se MST prestou um serviço à literatura portuguesa, à medida do umbigo do próprio, mas sei que está ali uma boa história, que acumula o predicado de ser bem contada. Discordo, porém, da opinião de uma amiga, segundo a qual MST resistiu à tentação do happy end - a morte pode muito bem ser um happy end.»
Depois, Fernando Assis Pacheco, referência um dia antes, a 11, a cargo de Paulo Moreiras (autor de um dos grandes romances que a literatura portuguesa conseguiu apresentar nos últimos anos, «A Demanda de D. Fuas Bragatela»), no seu blog «O elogio da ginga». Moreiras, especialista na matéria (da ginja, com livro publicado e tudo), escreveu: «Ao regressar a ‘Trabalhos e Paixões de Benito Prada’, de Fernando Assis Pacheco, leitura de outros tempos, voltei a deliciar-me com aquela sátira mordaz e fina de um grande escritor. Agora mais maduro, consigo encontrar nas palavras e nas frases de Assis Pacheco um eco que anteriormente me era esquivo. Para rematar, encontro num belo pedaço de prosa, a ginja de que tanto gosto – ‘... o qual trouxera um outro que falava muito menos e ingurgitava álcoois de todos os sabores, tanto que depois queixou-se por gestos da ginja com mofo e da orquestra antiquada, cuspiu um caroço para longe, pediu mais um cálice...’».
Voltando ao dia 12, uma visita ao «Abrupto», onde há indícios de que Pacheco Pereira lê Kafka e Simone de Beauvoir. «Hoje, há oitenta e nove anos, Kafka queixava-se que as discussões da senhoria com um vizinho não o deixavam escrever. ‘Desespero absoluto! Será que sou perseguido por senhorias que não me deixam trabalhar?’ pergunta Kafka. Simone de Beauvoir, pelo contrário, não tinha que aturar senhorias. Passou este dia, há cinquenta e sete anos, a barafustar contra os costumes americanos. Beauvoir estava em Nova Iorque e irritava-se com as montras preparadas para o Dia de S. Valentim, cheias de coraçõezinhos. Os americanos ‘gastam o tempo’ com isto, anotou irritada. Ainda mais a irritava o costume de cantar ‘Parabéns a você’ nos locais públicos. Estou com ela.»
Ainda no «Abrupto, conselhos de um visitante, a 11 (um post de Francisco de Sousa Fialho): «O Pacheco Pereira chama a atenção para a ‘sensibilidade contemporânea (…), que será muito diferente (ou distante) da sensibilidade de outros tempos’. Talvez o seja. Ou talvez sejam outras coisas que mudaram, mas não a sensibilidade. Ou talvez seja sobre a noção de ‘sensibilidade’ que se alimente o equívoco. Concordo plenamente que há hoje um apetite renovado pelos clássicos, que não é apenas uma moda mas talvez a intuição de que algures se perdeu o fio ou se emaranhou o novelo e que vale a pena recapitular o percurso para destrinçar os nós que entretanto nos confundiram. A este propósito, ainda que aparentemente sem propósito nenhum, recomendo-lhe vivamente um livro recente: ‘Reformation’, de Diarmaid MacCulloch (Penguin Books).»
Ainda na quarta-feira, 11 de Fevereiro, mas já no blog «Meia livraria», que tem uma frase de apresentação de Fernando Pessoa, «Sê todo em cada coisa. Põe quanto és/ No mínimo que fazes.» O assunto, Paulo Coelho. Cláudio, que alimenta o blog, escreve, sob o título «Paulo, o Coelho»: «Gente que lê os livros do Paulo Coelho diz frases como: ‘Hades ler o novo do Paulo Coelho! Comprei o meu na Shell, é espectacular!’ ou ‘Vocêses não gostam de Paulo Coelho é porque não percebem, aquilo tem um segundo sentido. Leiam e hadem ver!’ Alvitro até um postulado: Nem todos os que dizem hades sabem ler, mas todos os que lêm Paulo Coelho dizem hades. Espero que gostem do esotérico pormenor do itálico em Coelho. Tem um segundo sentido.» Como não se diz nada sobre outros itálicos (em «hadem», por exemplo – mas não em «lêm»), aqui neste texto ficou só mesmo o «Coelho» em itálico.
Outro blog, «Bomba inteligente», de Carla Hilário de Almeida Quevedo. Recuo até 8 de Fevereiro: «Já que o Marcelo Rebelo de Sousa não falou de uma das edições portuguesas mais importantes do ano, falo eu. Trata-se da tradução das ‘Tragédias’ de Sófocles por Maria Helena da Rocha Pereira, Maria do Céu Fialho e José Ribeiro Ferreira, da editora Minerva de Coimbra. Uma beleza de livro. A seguir a esta maravilha, só mesmo a tradução da ‘Ilíada’ do Frederico Lourenço.» No dia seguinte, e depois de tão elevadas leituras, piadas de argentinos (não um livro, mas piadas mesmo). Duas, para amostra – «Jogam as selecções do Brasil e da Argentina. O jogo está empatado. O comentador argentino diz: ‘Brasil zero golos, Argentina zero golaaaaçoooos!’»; «Dois argentinos estão no estrangeiro, prestes a entrar numa festa. Um diz: ‘E se dissermos que somos argentinos?’ Diz o outro: ‘Nã... que se lixem.’» Piadas de argentinos, e eu com um romance escrito por um argentino nos meus planos de leitura mais imediatos. Veremos no que dá…
Para acabar, uma referência a um livro escrito pelo autor do primeiro blog. Recuando mais, até 2 de Fevereiro, e no «Aviz, de Francisco José Viegas, que não poderia faltar num «inquérito» destes. «Estou a ler e a divertir-me. Pessoa aparece no meio de um vendaval semeado por Manuel Jorge Marmelo. O livro tem o título ‘Os Fantasma de Pessoa’, e a colecção é a ‘Literatura ou Morte’, da Asa.» Pode ser uma boa alternativa, se me chatear com o argentino.
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Blogs consultados
http://www.marmelo.blogspot.com/, mantido por Manuel Jorge Marmelo;
http://www.elogiodaginja.blogspot.com/, mantido por Paulo Moreiras;
http://www.abrupto.blogspot.com/, mantido por José Pacheco Pereira;
http://www.meialivraria.blogspot.com/, com textos assinados por Cláudio;
http://www.bomba-inteligente.blogspot.com/, mantido por Carla Hilário de Almeida Quevedo;
http://www.aviz.blogspot.com/, mantido por Francisco José Viegas.
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1 comentário:
Há um lapso, creio, relativo ao Paulo Moreiras na indicação dos blogues consultados.
Li "A Demanda de D. Fuas Bragatela", romance picaresco no melhor estilo, inteiramente fiel a este tipo de narrativa inaugurada com o "Lazarilho de Tormes". É pena que o autor não nos tenha dado mais.
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