Coloco a seguir o que o Luís Graça deixou ficar na caixa de comentários do post sobre a capa de Setembro da revista «Ler» (Ler Blog»). Uma entrevista a Eduardo Lourenço, como a revista fez (Carlos Vaz Marques), mas admitindo que a mente do ensaísta, não sei como, foi por uns instantes invadida pela de outra pessoa (nota: editei o texto, mas muito à pressa).
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De Luís Graça a 6 de Setembro de 2008 às 06:24
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SE O ESPÍRITO DE MARGARIDA REBELO PINTO POSSUÍSSE EDUARDO LOURENÇO
A LER combinou a entrevista para as 17 horas, no terraço do CCB, a pedido de Eduardo Lourenço (EL), porque «as 17 horas do terraço do CCB são as melhores para ver o transcendente reflexo do sol na prata dorsal das composições da CP».
Eduardo Lourenço chegou com 20 minutos de atraso, porque tinha andado aos saldos nas camisas de manga curta, no Rosa & Teixeira.
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EL – Têm preços muito em conta. Em França as camisas já não são o que eram. Mesmo o povo, tradicionalmente descamisado – e até os sans-coulottes – usa um tipo de camisas globalizadas. Portugal será ainda e sempre a minha terra, apesar de eu estar «avanceado» pelas gálias.
CARLOS VAZ MARQUES (CVM) – Gostou de ter sido convidado para dar uma entrevista à LER?
EL – Não sou elistista, apesar de ser tido como tal. O meu discurso é facilmente compreensível para qualquer mero doutorado em Física Quântica. Por isso, falar para a LER merece-me um enorme respeito. É tão respeitoso estar na capa da LER como na da Selecções do Reader's Digest. Ou na CARAS, para referir a minha revista literária favorita.
CVM – Ouvi dizer que ficou um pouco aborrecido pelo facto de os dois primeiros números da LER terem tido António Lobo Antunes e José Saramago na capa...
EL – Quem disse isso?
Eduardo Lourenço colocou os óculos escuros Ray-Ban Wings e tamborilou nervosamente com os dedos na sua long drink, com um pequeno sombrero a abanar guerrilheiramente na brisa da tarde.
Um longo silêncio. Após uma pausa, Eduardo Lourenço levantou-se, puxou as calças para cima, sentou-se, deu um pequeno gole na sua bebida, tirou os óculos escuros e...
EL – Ó Carlos, isso é muito injusto... Eu respeito toda a gente. Mesmo romancistas que escrevem aos solavancos como o Toni ou que usam pontuação desgarrada, como o Zé. Nem toda a gente pode ser a Margarida Rebelo Pinto. O facto de venderem muito menos que a Margarida não quer dizer que sejam desprovidos de talento. Está a imaginar o que era se as livrarias pusessem nos seus estabelecimentos bonecos de cartão em tamanho natural com a cara do Toni ou do Zé? Não pode ser, a Margarida tem muito mais writing-appeal... A sua ebúrnea verve paragráfica combina maravilhosamente com o azul-turquesa de um poente em Saint-Tropez.As coisas são assim. A Margarida trouxe milhares e milhares de sopeiras para a leitura... Gente que não passava de um «Guerra e Paz», de um João Miguel Fernandes Jorge, de um Guimarães Rosa-dos-Ventos, de um Jorge Marado. Nem toda a gente teve educação e foi sensibilizada para ler Paulo Coelho. Devia haver uma Margarida Rebelo Pinto em cada esquina.
O sol começava já a desaparecer no horizonte quando se aproximou de nós o poeta José Tolentino Mendonça (JTM). Timidamente, dirigiu-se ao ensaísta na sua voz suave e sussurrada.
JTM – Peço desculpa por interromper a entrevista. Mas se o Carlos me desse licença era um grande prazer poder cumprimentar o Eduardo Lourenço...
CVM – Toda a licença.
Eduardo Lourenço fez menção de desligar o gravador, mas José Tolentino Mendonça antecipou-se.
JTM – Por amor de Deus, quem desliga o gravador sou eu.
Voltámos a ligar o gravador. Um diálogo entre José Tolentino Mendonça e Eduardo Lourenço é sempre importante para a literatura portuguesa.
EL – Então, continua a fazer os seus versinhos?
JTM – De vez em quando... É um grande prazer vê-lo por Belém. Posso oferecer-lhe um pastel? Trouxe meia-dúzia. Já abriram outra vez. Domingo passado não houve futebol e as claques foram destruir as rochas da Boca do Inferno. Depois falamos... Depois falamos... Vai ficar muito tempo em Portugal?
EL – Ainda não sei bem. Tenho de falar com as pessoas da Leya. Vou começar a escrever para uma chancela nova, mas ainda não percebi bem qual. Até lá vou ser o coordenador das entregas de livros escolares. Parece que tem havido uns problemas e o Isaías acha que eu sou a pessoa indicada para bater as estradas do país e levar a cultura de lés-a-lés. Afinal, temos 800 quilómetros de costa.
Nesta altura, Eduardo Lourenço levantou-se.
EL – Ó Carlos, desculpe, diga lá ao Francisco que já não há entrevista. Vamos todos até ao Salão Erótico. Pavilhão 4 da FIL, 31/10 a 2/11.
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5 comentários:
Buá! Ah! Ah! Ah! Já estou com lágrimas nos olhos, de tanto rir. Ainda não tonha lido este comentário do Luís no blogue da LER. Vou já lá espreitar, até para ver as reacções dos restante comentadores.
(hi, hi, hi... rrrssss)
:-))
Também é isto que eu admiro no Luís, esta capacidade torrencial de evocar temas e gentes para a sua real ficção. Ganda Luís!
Abraço.
Li agora, já bem de manhã (mas antes de me deitar) a entrevista do Eduardo Lourenço.
Muito boa, como seria de esperar.
E quando ficcionei não me passou pela cabeça que o Eduardo Lourenço acabou mesmo por falar sobre o Paulo Coelho.
E já nem me lembrava de que o Vasco Graça Moura não gosta de Fernando Pessoa.
espero que o Eduardo leia este apontamento humoristico e sorria...
é de certeza esse o objectivo do Luís com Graça, e diga ou pense, que a visita ao salão até nem era mal pensada, com outro sorriso, mais aberto.
Caro Luís Eme:
Eu estou sossegado no meu cantinho. Já tinha esquecido a Margarida Rebelo Pinto. Nem "botei palpite" no post sobre a capa da LER.
Desvenda-se a capa e a rapaziada dos primeiros comentários desata a falar outra vez da Margarida Rebelo Pinto. Ora, se uma pessoa é margaridarebelopintoaólica, nunca está livre de recair.
Deu-me para recriar o ambiente da entrevista dela, adaptada ao Eduardo Lourenço. Foi um exercício de escrita. Diversão pura, sem maldades.
Quanto ao Salão Erótico de Lisboa, no www.afundasao.blogspot.com (Junho ou Julho de 2005) tem a minha primeira reportagem. Há ainda as reportagens de 2006 e 2007 no www.gandaordinarice.blogspot.com, bem como a do Salão de Portimão.
E não é constituída somente por fotos. Também há muito texto.
Este ano lá estarei outra vez no pavilhão 4 da FIL. Mas já sem o grande esforço de cobrir exaustivamente o salão para blogues. Pedi credenciação como freelance.
Este ano só quero ganhar dinheiro. Nos anos anteriores perdi muito.
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