Os capitães da areia na cabeça
Agora, no futebol, parece que está na moda dar cotoveladas. Antes era mais tipo murro e pontapé, agora é com os cotovelos, sendo o alvo as fuças do adversário. E a moda parece universal, como recentemente provou, até mais do que uma vez, aquele rapaz com nome de inspector da PIDE que o Benfica comprou na América do Sul. Mas não vou falar sobre as cotoveladas, vou é fazer uma viagem no tempo. É um recuo de dez anos, à década de noventa do século passado, a do murro e do pontapé. Por esses tempos, o Sporting e o Benfica tinham as braçadeiras de capitão entregues, em ambos os casos, aos elementos mais emblemáticos de cada equipa. No Benfica a João Pinto (que, tirando o guarda-redes belga Michel Preud’homme, era mesmo o único emblemático na altura), no Sporting a Oceano (que era o mais velho e o de maior carisma). Oceano e João Pinto pareciam por isso mesmo os dois jogadores que deviam manter a cabeça fria até nos momentos de maior pressão. Só que isso nem sempre acontecia. Bem pelo contrário, João Pinto quando se dirigia a um árbitro parecia só não lhe chamar santo; já Oceano, mais comedido nas termos que usava, distribuía pancada pelos adversários em grande parte das intervenções.
Era desta forma que os capitães das duas equipas mais representativas de Lisboa, muitas vezes, demasiadas vezes até, em lugar de ajudarem os colegas acabavam por fazer disparates. Uma vez, em pleno Estádio da Luz, com o Sporting a controlar um jogo que tendo em conta o valor das duas equipas podia e devia ganhar, o capitão Oceano foi expulso por dar uma pancada (com o jogo parado) num avançado do Benfica; nem mais nem menos do que um avançado sueco com nome de marca de batatas fritas que mesmo com os jogos a decorrer era praticamente inofensivo. Quanto a João Pinto, num famoso jogo com o Boavista, e depois de uma jogada que nem tinha sido polémica, só os colegas e os adversários o impediram de esmurrar um árbitro que depois se meteu a ser cantor, um artista chamado Isidoro Rodrigues (o pequeno jogador do Benfica talvez já andasse então a treinar para o mundial asiático de uns anos depois). São apenas dois casos de que ainda me lembro, um para cada capitão de equipa, mas poderia ir buscar muitos mais.
João Pinto e Oceano integravam-se pode-se dizer de forma perfeita (passe a banalidade da expressão) na realidade do futebol português de há dez anos. O futebol em que Sá Pinto, na altura nomeado embaixador da «Expo’98» em Espanha, esmurrou o seleccionador nacional Artur Jorge, acto que meio Portugal aplaudiu (agora é ao contrário, o seleccionador nacional é que esmurra jogadores). O futebol em que de novo João Pinto esmurrou um bombeiro que estava de serviço num estádio, coisa que o adjunto do esmurrado Artur Jorge, Raul Águas, em directo na televisão, achou bem, dizendo que se calhar o bombeiro estava mesmo «a pedi-las». Assim como o próprio bombeiro deve ter achado bem, porque três ou quatro dias depois dos murros estava no Estádio da Luz a ver João Pinto jogar, e se calhar pronto para apanhar mais.
Não sei se Jorge Amado, que escreveu o romance «Capitães da Areia», gostava de futebol. Palpita-me que era capaz de gostar, como bom brasileiro. E, já agora, lembro-me de mais uma coisa, que até dá para completar o rol dos três grandes do futebol português: o capitão do Porto era Jorge Costa, que por esses tempos também vi aos murros (a dar e a levar, no caso a levar do liberiano do Milan, Georghe Weah, a quem a FIFA depois atribuiu um prémio de fair play a nível mundial). Antes de Jorge Costa o capitão do Porto era Vítor Baía, que também foi esmurrado, e também esmurrou. E em directo para todo o país. O combate, se assim se pode dizer, foi com um dirigente do clube de Campo Maior, que agora já se deixou de futebóis (o clube, e na volta o dirigente), um senhor chamado Pedro Morcela. Dirigente esse a quem Augusto Inácio, treinador-adjunto do Porto na altura, confundiu o nome, também em directo na televisão, chamando-lhe «Pedro Morcelada».
Talvez «Os capitães da tareia» ficasse melhor para título desta crónica.
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