sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Adivinhem quem poderia estar neste jantar

Coloco a seguir três curtíssimos excertos do romance «Estranha Forma de Vida», de Carlos Ademar (Oficina do Livro, 2007) – são de uma conversa que decorre durante um jantar na Torre Vasco da Gama, em Lisboa, no qual participam um «empresário da noite» (nestes excertos não fala) o líder de uma organização criminosa (Alberto, sócio do empresário), um vereador de um executivo municipal (Afonso) e o assessor deste (Gustavo). O autor diz que todos os factos referidos no romance são fruto da sua imaginação.

– Pois é assim, temos que ser nós, os empresários, a fazer avançar o país – proferiu Alberto, enquanto bebia da sua água.
– E cabe ao poder político criar as condições para que este progresso se dê com sustentabilidade – respondeu Afonso Fontelo.
– Bem que os senhores podiam facilitar um pouco mais este nosso trabalho – continuou Alberto.
– Acredite, senhor Alberto, que, no que me diz respeito, tudo faço e farei para que essa ajuda seja concreta. Só que temos, e ainda bem, regras para cumprir. A sociedade assim o exige.
(…)
– Muito bem! – disse com gentileza Gustavo, em jeito de remate.
– Então, e o senhor, que fazia antes de chegar à Câmara? – devolveu Alberto a pergunta.
– Era deputado. Fui eleito nas últimas eleições. Antes disso, fiz o estágio de advocacia.
– Então, e o senhor vereador? – continuou Alberto.
– Eu e o doutor Gustavo temos um percurso quase paralelo. Entrámos para o partido ainda miúdos. Ali nos conhecemos. Depois fomos para a faculdade, fizemos o curso juntos. Com o canudo na mão foi o estágio, dei umas aulas na universidade, depois veio o Parlamento, durante dois anos, e finalmente a Câmara. Quando ganhámos as eleições autárquicas, convidei o meu amigo Gustavo para me ajudar a organizar a papelada do gabinete.
– Os amigos são exactamente para isso – exclamou Alberto, não poupando no sarcasmo. Depois, tentando remediar: – Houve uma altura em que pensei dedicar-me à política. Mas com os poucos estudos que tenho não ia longe.
– Os estudos não são tudo. A vontade de fazer coisas pela sociedade com total desprendimento é o mais importante – retorquiu Gustavo, pedagógico.
– Pois, pois! Não, isso tenho, faltam-me apenas os estudos.
(…)
– O jantar estava óptimo e a companhia também, mas eu tenho aqui um envelope. Gostava de contribuir para a próxima campanha eleitoral do partido. Sabemos quanto custam essas campanhas e que o dinheiro que recebem do Estado não chega para nada.
– Infelizmente é verdade, senhor Alberto caro vizinho. Se não fossem os financiamentos particulares, não sei o que seria da política portuguesa – concordou Afonso, parecendo reconciliado com o anfitrião.
– O senhor Alberto não ignora que este tipo de operação se reveste de uma grande discrição? – lembrou Gustavo, preocupado.
– Com certeza, doutor. Como pretende fazer?
– Sugiro que desçamos juntos, e dentro do seu carro, que é menos referenciável que o nosso… – aventou o chefe de gabinete.
– Pois muito bem! Assim seja! – anuiu Alberto. – Já agora, o senhor vereador vai-nos resolver a questão da discoteca, não vai?
– Ó senhor Alberto, dito assim até parece que o senhor nos está a comprar! – reparou Afonso.

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