É um bocadinho de Lisboa no meu romance «O que Entra nos Livros» (apresentação no próximo dia 25). A Lisboa que amanhã vai a eleições e que provavelmente vai eleger mais um dos do costume. A mesma Lisboa que ontem eu queria deixar rapidamente (como sempre) a caminho de casa, depois de ter saído do escritório em Algés já depois das sete. Foi o cabo dos trabalho, com tanto carro parado sem jeito de entrar na ponte Vasco da Gama, lá fui eu dar a volta a Vila Franca, por falta de paciência para esperar nem sabia até que horas. Sempre deu para ver outras paisagens, pois só retomei percurso habitual até Montemor-o-Novo já na rotunda de Pegões. Demorei mais tempo, e por isso pude ouvir quase na totalidade uma entrevista de Rui Tavares no Rádio Clube Português, boa parte dela sobre a peça de teatro que publicou recentemente – «O Arquitecto». Quando deixei de ouvir já era perto de casa, no meio do montado. Rui Tavares falava das eleições em Lisboa, para as quais me estou completamente nas tintas, embora se me obrigassem a lá viver e me desse para lá votar (em vez de votar na minha terra de nascimento, Monchique) pusesse a cruz no quadrado de José Sá Fernandes.
Desliguei o rádio quando no escuro do montado vi um par de olhos, muito brilhantes. Parados. Pareciam-me estar bem junto ao chão, por isso pensei que seria uma gineta, mas acabei por dar com uma raposa, pequena, muito pequena. Tentei segui-la com o carro, só que fora da estrada de terra era complicado. Ela acabou por afastar-se no escuro da noite, sem olhar para trás uma única vez que fosse; pelo menos pensei isso, pois não voltei a ver os dois olhos verdes. Rui Tavares falava sobretudo de Costa e de Carmona quando desliguei o rádio para ver se conseguia observar a pequena raposa durante mais tempo, sem outras coisas que me desviassem a atenção. Não a vi mais. Se não estivesse sozinha talvez fosse diferente, como há uns dois meses, quando vi também à noite duas na mesma zona, maiores, a saltitarem todas contentes, indiferentes ao barulho do motor do carro e às luzes.
Mas isto são desvios… O que eu queria era colocar um bocadinho de Lisboa neste post, a Lisboa do meu romance, já bem distante de ser uma verdadeira cidade (no romance e, infelizmente, também na realidade). Aqui fica o bocadinho…
(…) Achava que Lisboa era uma cidade absolutamente caótica, sem futuro, condenada nem eu sabia bem a quê, uma cidade que só me despertava algum interesse quando a observava do meio do tabuleiro da nova ponte, diante de mim, a descer para o rio, ameaçando afundar-se a qualquer momento. De longe parecia bonita, não se via o lixo, a degradação dos edifícios, a publicidade, nem se percebia a confusão das ruas; os caixotes de apartamentos quase que faziam algum sentido e até os aviões, a voarem um pouco acima do volume que descia para o Tejo, pareciam ter uma certa graça, tanto que eu observava-os com um bocadinho do mesmo fascínio com que no montado que cercava o monte observava as águias uns metros acima de mim. Às vezes ia no carro pela estrada de terra que atravessava o montado até à estrada de alcatrão e via à minha frente uma sombra; travava então um pouco e uma águia surgia a voar uns dez metros acima do chão, enorme, quase do tamanho de uma galinha, mas vigorosa, dona dos ares, a águia a dar a ideia de que era capaz de ser dona de tudo o que quisesse naquele momento.
Curiosamente, os aviões que eu via pequeninos de cima do tabuleiro da nova ponte de Lisboa, esses aviões quando eu já conduzia na Segunda Circular, mesmo ao lado do aeroporto, surpreendiam-me como as águias ao passarem de repente uns metros acima do carro, se calhar apenas trinta ou quarenta metros nalgumas das vezes. Quase que me causavam a surpresa das águias, não fosse o ruído tremendo que de repente surgia nem eu sabia de onde, como se o mundo estivesse mesmo a acabar e no momento decisivo chegasse a algum deus com currículo a ideia de tocar um gongo para assinalar devidamente a ocasião. Mas depois o mundo continuava, sempre, a cada avião que me passava por cima, às vezes a dar a ideia de que poderia riscar-me a pintura do tejadilho do carro com o trem de aterragem. Já com as águias, na estrada de terra do montado, eu não pensava nisso, quando me voavam por cima do carro e eu as percebia pela sombra que no chão as denunciava se os dias fossem de sol. (…)
Desliguei o rádio quando no escuro do montado vi um par de olhos, muito brilhantes. Parados. Pareciam-me estar bem junto ao chão, por isso pensei que seria uma gineta, mas acabei por dar com uma raposa, pequena, muito pequena. Tentei segui-la com o carro, só que fora da estrada de terra era complicado. Ela acabou por afastar-se no escuro da noite, sem olhar para trás uma única vez que fosse; pelo menos pensei isso, pois não voltei a ver os dois olhos verdes. Rui Tavares falava sobretudo de Costa e de Carmona quando desliguei o rádio para ver se conseguia observar a pequena raposa durante mais tempo, sem outras coisas que me desviassem a atenção. Não a vi mais. Se não estivesse sozinha talvez fosse diferente, como há uns dois meses, quando vi também à noite duas na mesma zona, maiores, a saltitarem todas contentes, indiferentes ao barulho do motor do carro e às luzes.
Mas isto são desvios… O que eu queria era colocar um bocadinho de Lisboa neste post, a Lisboa do meu romance, já bem distante de ser uma verdadeira cidade (no romance e, infelizmente, também na realidade). Aqui fica o bocadinho…
(…) Achava que Lisboa era uma cidade absolutamente caótica, sem futuro, condenada nem eu sabia bem a quê, uma cidade que só me despertava algum interesse quando a observava do meio do tabuleiro da nova ponte, diante de mim, a descer para o rio, ameaçando afundar-se a qualquer momento. De longe parecia bonita, não se via o lixo, a degradação dos edifícios, a publicidade, nem se percebia a confusão das ruas; os caixotes de apartamentos quase que faziam algum sentido e até os aviões, a voarem um pouco acima do volume que descia para o Tejo, pareciam ter uma certa graça, tanto que eu observava-os com um bocadinho do mesmo fascínio com que no montado que cercava o monte observava as águias uns metros acima de mim. Às vezes ia no carro pela estrada de terra que atravessava o montado até à estrada de alcatrão e via à minha frente uma sombra; travava então um pouco e uma águia surgia a voar uns dez metros acima do chão, enorme, quase do tamanho de uma galinha, mas vigorosa, dona dos ares, a águia a dar a ideia de que era capaz de ser dona de tudo o que quisesse naquele momento.
Curiosamente, os aviões que eu via pequeninos de cima do tabuleiro da nova ponte de Lisboa, esses aviões quando eu já conduzia na Segunda Circular, mesmo ao lado do aeroporto, surpreendiam-me como as águias ao passarem de repente uns metros acima do carro, se calhar apenas trinta ou quarenta metros nalgumas das vezes. Quase que me causavam a surpresa das águias, não fosse o ruído tremendo que de repente surgia nem eu sabia de onde, como se o mundo estivesse mesmo a acabar e no momento decisivo chegasse a algum deus com currículo a ideia de tocar um gongo para assinalar devidamente a ocasião. Mas depois o mundo continuava, sempre, a cada avião que me passava por cima, às vezes a dar a ideia de que poderia riscar-me a pintura do tejadilho do carro com o trem de aterragem. Já com as águias, na estrada de terra do montado, eu não pensava nisso, quando me voavam por cima do carro e eu as percebia pela sombra que no chão as denunciava se os dias fossem de sol. (…)
1 comentário:
A última raposa que vi de noite estava sentada num banco de jardim, por baixo de um candeeiro, a ler "O Principezinho".
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