A propósito do post ali de baixo, com mais um bocadinho do meu livro… Entre tantos escritores que lá aparecem está o angolano Ondjaki. A certa altura, por exemplo, alguém diz assim: «Bom, eu queria resolver logo o assunto do escritor Ondjaki, mas surgiu aqui uma situação inesperada. Posso voltar a ligar-lhe um pouco mais tarde?» Eu uma vez escrevi sobre um livro de Ondjaki, e antes já o tinha entrevistado. Deixo a seguir o texto sobre o livro, o último que ele publicou. A entrevista, bom, essa pode ser que um dia a coloque aqui.
Livro: «E Se Amanhã o Medo», de Ondjaki (Caminho, 102 pp.)
Um sorriso leve
Segundo livro de contos de Ondjaki, um jovem autor de Angola que nos últimos anos tem vindo a publicar com frequência, entre ficção, poesia e até uma narrativa para crianças. Pequenas histórias plenas de magia, desembaraço e imaginação que nos fazem quase sempre chegar um sorriso.
Uma das vinte histórias de «E Se Amanhã o Medo» chama-se «Amarela». Pedi ao autor se ele a podia escrever para uma revista que dirijo e ele acedeu. Saiu há alguns meses e na altura, como agora, maravilhou-me. Trata de uma «consulta de viajante» e eu ouvi Ondjaki contá-la há pouco mais de um ano [escrevi este texto em meados de 2005], num convento que fica no alto de uma colina, em Montemor-o-Novo. O debate era sobre viagens e Ondjaki, na primeira intervenção, que se pretendia curta, falou dessa consulta, feita antes de uma viagem. Era para falar pouco, mas acabou por falar muito, pois contou a história, deixando a assistência maravilhada. Creio que algumas pessoas foram comprar o seu romance acabado de sair na altura, «Quantas Madrugadas Tem a Noite», à venda numa feira do livro que estava a decorrer no convento, pela maravilha de terem ouvido aquele contador de histórias, um contador que depois foi convidado para integrar a apresentação de um livro de Clara Pinto Correia onde participaram a autora e José Eduardo Agualusa. E assobiou, fartou-se de assobiar enquanto Clara Pinto Correia cantava. E antes, já me esquecia, durante o debate, já tinha descoberto ali, em directo, que era primo de um dos outros participantes, o médico Fernando Nobre, presidente da Assistência Médica Internacional (AMI).
Tudo isto se passou em duas horas, uma sucessão de acontecimentos. A mesma sensação fica de «E Se Amanhã o Medo»; há sempre coisas a acontecer com Ondjaki, e ele se quiser escreve uma história logo a seguir. Poderia ser um contador de histórias, contando-as a toda a hora. A imaginação não pára. Vi-o, também em Montemor-o-Novo, numa escola, a apresentar o seu livro infantil, «Ynari, a Menina das Cinco Tranças», e ele contou aos miúdos uma história de um amigo de infância que saltava de guarda-chuva de uma janela alta, fazendo de pára-quedista. Acredito que um dia hei-de vê-la num livro, em algumas páginas, ou pequenina, bem pequenina, como a da filha de um piloto japonês que em «E Se Amanhã o Medo» me fascinou. O piloto preparava-se para o derradeiro voo. Ao despedir-se da família «crê-se que chegou a dizer: Bem, é certo que não voltarão a ver-me!» Mas «a filha mais nova, a que menos chorava», disse que haveria sempre de voltar a vê-lo, nos seus sonhos. «O piloto japonês sorriu.» Deve ter sido um sorriso leve, pensativo, como aqueles que nos chegam no final de muitas das histórias deste livro.
Livro: «E Se Amanhã o Medo», de Ondjaki (Caminho, 102 pp.)
Um sorriso leve
Segundo livro de contos de Ondjaki, um jovem autor de Angola que nos últimos anos tem vindo a publicar com frequência, entre ficção, poesia e até uma narrativa para crianças. Pequenas histórias plenas de magia, desembaraço e imaginação que nos fazem quase sempre chegar um sorriso.
Uma das vinte histórias de «E Se Amanhã o Medo» chama-se «Amarela». Pedi ao autor se ele a podia escrever para uma revista que dirijo e ele acedeu. Saiu há alguns meses e na altura, como agora, maravilhou-me. Trata de uma «consulta de viajante» e eu ouvi Ondjaki contá-la há pouco mais de um ano [escrevi este texto em meados de 2005], num convento que fica no alto de uma colina, em Montemor-o-Novo. O debate era sobre viagens e Ondjaki, na primeira intervenção, que se pretendia curta, falou dessa consulta, feita antes de uma viagem. Era para falar pouco, mas acabou por falar muito, pois contou a história, deixando a assistência maravilhada. Creio que algumas pessoas foram comprar o seu romance acabado de sair na altura, «Quantas Madrugadas Tem a Noite», à venda numa feira do livro que estava a decorrer no convento, pela maravilha de terem ouvido aquele contador de histórias, um contador que depois foi convidado para integrar a apresentação de um livro de Clara Pinto Correia onde participaram a autora e José Eduardo Agualusa. E assobiou, fartou-se de assobiar enquanto Clara Pinto Correia cantava. E antes, já me esquecia, durante o debate, já tinha descoberto ali, em directo, que era primo de um dos outros participantes, o médico Fernando Nobre, presidente da Assistência Médica Internacional (AMI).
Tudo isto se passou em duas horas, uma sucessão de acontecimentos. A mesma sensação fica de «E Se Amanhã o Medo»; há sempre coisas a acontecer com Ondjaki, e ele se quiser escreve uma história logo a seguir. Poderia ser um contador de histórias, contando-as a toda a hora. A imaginação não pára. Vi-o, também em Montemor-o-Novo, numa escola, a apresentar o seu livro infantil, «Ynari, a Menina das Cinco Tranças», e ele contou aos miúdos uma história de um amigo de infância que saltava de guarda-chuva de uma janela alta, fazendo de pára-quedista. Acredito que um dia hei-de vê-la num livro, em algumas páginas, ou pequenina, bem pequenina, como a da filha de um piloto japonês que em «E Se Amanhã o Medo» me fascinou. O piloto preparava-se para o derradeiro voo. Ao despedir-se da família «crê-se que chegou a dizer: Bem, é certo que não voltarão a ver-me!» Mas «a filha mais nova, a que menos chorava», disse que haveria sempre de voltar a vê-lo, nos seus sonhos. «O piloto japonês sorriu.» Deve ter sido um sorriso leve, pensativo, como aqueles que nos chegam no final de muitas das histórias deste livro.
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