segunda-feira, 9 de maio de 2011

A propósito do programa eleitoral do PSD

«António, na política há os chulos e os burros; nós fazemos parte dos burros.»

A questão toca-me particularmente, pelo facto de há poucos anos ter integrado listas do PSD em eleições, tendo inclusive sido vereador na câmara da minha terra e depois deputado na assembleia municipal. Refiro-me ao programa do PSD que agora foi apresentado para as próximas eleições legislativas. Esse programa deixa-me preocupado e, obviamente, impede-me de votar no PSD. Se é para votar em quem defende coisas com que não concordo, comigo não contem, porque isso seria tão irracional como votar em José Sócrates. Entre as coisas com que não concordo (também há muitas que me parecem bem), estão várias ideias de Pedro Passos Coelho. Eu não concordo com algumas das privatizações propostas, sobretudo aquela que já escrevi que me parece uma mania, a da Caixa Geral de Depósitos. Acho que quanto mais fontes de receita o estado tiver, melhor; os seus responsáveis devem é preocupar-se em criar condições para que nas empresas públicas não entre gente inútil para roubar de forma legal (como em Portugal se tornou moda) todos os meses um chorudo ordenado. Não vejo problema nenhum em que o estado tenha empresas em determinados sectores, desde que dêem lucro. Muitas tivesse o estado português e bem melhor estaríamos.
Outro aspecto que me chamou a atenção é a questão dos funcionários públicos, de só entrar um por cada cinco que saiam. A ideia não é nova, só que antes era entrar um por cada dois que saíssem, ou por cada três, já nem me lembro bem. Trata-se de uma medida simplesmente idiota. Com algum sentido de gestão e sobretudo de bom senso, facilmente se chega à conclusão de que o importante é impor na administração pública uma grande racionalidade, para que saia quem não faça lá nada e para que entre quem seja necessário. Fazendo isto, certamente que em muitos serviços públicos iria entrar muita gente e de muitos outros iria sair muita gente (e de outros sairia toda a gente e eles seriam extintos). O resultado, tenho a certeza, seria uma administração pública muito mais pequena e onerosa do que a actual, e acima de tudo eficiente e eficaz.
Finalmente, as reduções devidamente quantificadas; por exemplo, o número de deputados ou a percentagem da taxa social única. Por mim tudo bem, só lamento que não se diga nada de concreto em relação a outras coisas, como o tecto para as reformas, para vermos para que nível seriam reduzidas reformas como as de Campos e Cunha, Catrogra, Cavaco, Mira Amaral e tantos outros, reformas que, algumas delas, resultam da indecorosa situação que se vivia no Banco de Portugal, em que uns poucos anos num cargo (a questão nem era trabalhar) dava direito a vários milhares de euros de reforma para o resto da vida – e sabe-se que houve gente que é tida em Portugal como de referência que logo aos 47 anos aproveitou para começar a sacar alguns milhares de euros mensalmente.
Junto com isto das reformas, também não percebo que não se tenha dito nada em relação às subvenções políticas, situação em que estão muitas pessoas ainda na casa dos 50 anos e que todos os meses recebem alguns milhares de euros (até ao fim da vida), e só porque tiveram funções políticas. Marques Mendes, que tantos cortes apregoa em directo na televisão, e com razão, é um deles, e tem boa idade para trabalhar, não para ser um peso para o orçamento do estado, orçamento que ele próprio diz que tem de emagrecer. Aliás, neste aspecto das subvenções políticas, Passos Coelho deveria mesmo ter alguma ideia, pois nunca pediu aquela a que a lei (uma lei que nos deveria ter envergonhado) lhe deu direito.
Sempre me chocou ver mais este roubo legal, ainda por cima a passar-nos diante dos olhos e sem nada que se possa fazer. Quando era vereador, tanto eu como o meu colega do PSD nada ganhávamos. Já os dois vereadores do PS, e também o presidente (igualmente do PS), tinham os seus ordenados e, apesar de estarem próximos dos 50 anos, tinham também as suas reformas, que resultavam em grande parte, imagine-se, dos próprios cargos que desempenhavam. Nisto deve-se fazer justiça a José Sócrates, que fez tanta porcaria neste país nos últimos anos mas pelo menos acabou com o abuso que constituíam essas acumulações (enfim, ficaram de fora algumas), e que foi – não sei se ainda se lembram – onde começou o afastamento do governo do então ministro Campos e Cunha, depois do escândalo da descoberta da reforma de vários milhares de euros que acumulava do Banco de Portugal por meia dúzia de anos de trabalho e com boa idade para não ser reformado e viver apenas do seu trabalho. Voltando à câmara onde fui vereador, a situação, no caso do presidente, era absolutamente caricata. Como estava no poder havia uns 25 anos, e cada ano contava a dobrar em termos de descontos para a segurança social, ele já tinha mais anos de descontos do que de vida. Um tipo de sorte, certamente. Tanto mais que houve uma altura, ainda me lembro, em que foi nomeado para mais um cargo, para juntar aos muitos que já tinha; dessa vez era num comité qualquer da União Europeia. Quando me disseram nem liguei, até comentei que o PS lhe tinha arranjado mais um tacho; mas depois, passados uns dias, fiquei estupefacto: tinha sido o próprio PSD a propor o nome dele. Na altura, o meu colega de vereação, pelo PSD, disse-me algo que de vez em quando repetia: «António, na política há os chulos e os burros; nós fazemos parte dos burros.»

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