quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Por dentro dos livros

Estes bonecos são da série infantil «Super Why!». É uma das muitas que vou acompanhando, por causa dos meus filhos. Pelo que percebi os bonecos entram nos livros para viverem as histórias desses mesmos livros. E para entrarem põem estes fatos quase de super-heróis, e vão nuns aviões pequeninos que voam como abelhas. Nesta imagem estão numa prateleira, prontos para mais uma aventura, num dos livros atrás deles. Basta irem para os aviões, ligarem os motores e acelerarem. Enfim, mais ou menos, pode não ser exactamente como digo, porque não sou grande especialista na série. Nem sei o nome de todos os quatro, apenas do de verde, exactamente o Super Why.
A série, como não podia deixar de ser, faz-me lembrar o meu romance «O que Entra nos Livros» e as diabruras do mágico velhinho pelas estantes de uma livraria de Évora. Deixo um excerto a seguir.
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O senhor Sapinho Júnior desceu as escadas que davam da casa de habitação para o gabinete. Desceu-as agarrando-se ao corrimão com a mão direita e tocando nalgumas lombadas com a mão esquerda. Não conseguia dormir, como habitualmente, mas para isso tinha uma pilha de livros na mesinha-de-cabeceira. Só que naquela noite – seriam duas da manhã – quis ir buscar algo diferente. Não sabia se teria de chegar à livraria ou se no percurso até lá, pela biblioteca, pelas escadas, pelo gabinete, encontraria algo para ler até que lhe chegasse o sono. Évora dormia, sem que nada naquela altura interrompesse o silêncio; nem um grilo o senhor Sapinho Júnior ouvia. Desceu as escadas com a luz ligada, sempre de olhos nos livros para ver se algum título lhe despertava a atenção; mas nada. Passou pelo gabinete, e mais uma vez nada. Ainda se demorou aí um pouco, pegando nalguns livros, mas não se decidiu por nenhum. Na livraria haveria de ser mais óbvio encontrar leitura que pudesse interessar-lhe, talvez na mesa das novidades. Se calhar ia comprar um livro a si próprio a meio da noite… Agora que pensava nisso, lembrou-se de que provavelmente era ele o melhor cliente da livraria.
Preparou-se para abrir a porta que dava para a livraria. Foi nessa altura que ouviu um pequeno ruído, não muito forte, mas algo que o deixou um pouco inquieto. Teria o gato ficado na livraria? Não, não podia ser. O gato, ele tinha-o visto a dormir na cozinha antes de se ir deitar… O bicho, com as portas fechadas, não tinha por onde passar para a livraria; podia era sair pela janela da cozinha para a noite de cidade, saltando para o telhado do restaurante. O senhor Sapinho Júnior permitia-lhe essas liberdades, pelos telhados de Évora, ao contrário do que acontecia durante o dia, quando o deixava fechado nos pisos superiores do edifício, os de habitação, ou o prendia a uma trela à porta da livraria junto dos escritores de papelão que alguns vendedores das editoras sempre insistiam para que pusesse bem à vista. Nalguns casos não eram os seus preferidos; ele gostaria de ter outros, mas os que os vendedores levavam eram invariavelmente daqueles e por isso o livreiro não se metia com ilusões, nem com devaneios. A livraria era um negócio e se esses escritores tinham direito a reproduções em papelão alguma razão haveria que o justificasse. Tratava-se mesmo de um negócio, apesar de ser também um passatempo que o senhor Sapinho Júnior podia manter sob a cúpula protectora das propriedades que um dos filhos geria; e como negócio tinha de ser encarado assim, seriamente, e gerido de uma forma o mais profissional possível.
O ruído ia-se repetindo, espaçado, sem uma cadência definida. O gato não era, pensou o senhor Sapinho Júnior. Talvez um rato? O livreiro sentiu um arrepio subir-lhe pelo corpo. Um rato era um perigo para a livraria e para a biblioteca. O gato prevenia isso, quando ele o deixava percorrer toda a zona de livros, como se fosse um cão a farejar algum petisco. Um rato… Um autêntico desastre… E se fosse mais do que um? O livreiro estava a perguntar-se isso quando ouviu uma nova sequência de ruídos. Agora tinha a certeza. Pequenos ruídos, fugazes, mas que significavam que algo se passava na livraria. Entrou com muito cuidado, procurando tocar o chão com os pés de uma forma suave. Aproximou-se do interruptor da luz principal; esperou um pouco, sustendo a respiração, e depois fez pressão com o indicador direito, ficando com a livraria bem visível. Não viu nada de estranho, mas de repente, mesmo de repente, deu por um ruído do lado direito, no cimo das estantes, numa das prateleiras altas. O livreiro parecia uma águia, olhava com um olhar firme, para um lado e para outro, com mudanças repentinas. Foi numa dessas mudanças que detectou algo que não percebeu bem o que era, na tal prateleira alta do lado direito; a mesma de onde parecia saírem os ruídos.
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