quinta-feira, 20 de agosto de 2009

As capas dos livros (8)

Do romance «O que Entra nos Livros», de 2007 (edição Ambar).
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Dei uma volta pelo monte. As agulhas dos arqueiros do vento frio não paravam de me acertar. Passei perto dos cães, que já estavam a dormir, os três em cima das mantas que de dia carregavam entre os dentes para se exibirem. Só um dos gatos apareceu, o branco, rebolando-se junto de mim. Os restantes três deviam andar na caça, ou em disputas no montado com alguma gineta. Voltei para casa e com a tenaz afastei os troncos que ardiam na lareira, para que as chamas fossem morrendo. Se piasse uma coruja àquela hora não seria de admirar. Esperei um pouco, mas não piou nenhuma. Vi o gato branco a passar pelo parapeito de uma das janelas, aos saltos, como se fosse com pressa em direcção a alguma coisa, talvez juntar-se aos outros na contenda com a gineta. Sim, podia ser isso, se houvesse mesmo gineta, e contenda. Um dos cães ladrou, o mais novo, mas calou-se logo a seguir; se calhar tinha sentido algum intruso por perto, um javali, ou um texugo, ou simplesmente um rato a aventurar-se por um monte onde havia gatos, ou um ouriço-cacheiro. Entrei no quarto, com a luz ténue de uma lâmpada colocada junto ao chão a permitir-me andar sem tropeções. Havia um meio sorriso dentro do berço, tranquilo, a iluminar um sono profundo. Fui tirando a roupa em silêncio, ou no silêncio que consegui manter, e aconcheguei-me na cama. Pouco depois senti cócegas, pequenas cócegas da respiração de uma flor, bem perto, quase a tocar-me o rosto.
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