segunda-feira, 10 de agosto de 2009

As capas dos livros (4)

Do livro de contos «O Velho que Esperava por D. Sebastião», de 1999 (edição Pergaminho).
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Eu continuava a falar com o filho dela. À quarta-feira. O miúdo tinha-me dito que esse era o dia em que a mãe dava aulas até tarde, e que por isso ele vinha para casa no autocarro do colégio.
- Nos outros dias a minha mãe vai-me sempre buscar.
Contava tudo ao seu amigo coleccionador, e lamentava que só lhe ligasse uma vez por semana e que lhe pedisse para não falar nele à mãe.
- E o motorista do colégio fica a ver até eu entrar em casa e fechar a porta.
Quanto aos pernilongos, o miúdo queria saber sempre mais. E assim o assunto atingiu um ponto tal que uma vez eu acabei por sugerir que falássemos antes de lenços de assoar. Mas ele não queria saber disso, de maneira nenhuma, o que lhe interessava era os pernilongos. E um dia, completamente envolvido nas minhas invenções sobre os desgraçados dos bichos de sete patas compridas, eu acabei por me esquecer das horas. Foi por isso que a certa altura notei o bater de uma porta e ouvi de novo a voz dela. O filho, meio atrapalhado, não conseguiu mentir-lhe e disse que estava a falar com D. Sebastião, o coleccionador. Reparei que ele lhe passava o telefone, mas não pude desligar. Fiquei a olhar as pessoas na rua, do outro lado do vidro da janela, e quase no mesmo instante ouvi-a perguntar quem era. Uma, duas, tantas vezes, até que reconheceu o meu silêncio e disse que chegara a pensar que me tinha acontecido alguma coisa.

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