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Esperou, por isso, mais uns dias para lhe fazer novas perguntas. Decidiu-se após uma noite em que tinha chovido muito. O dia acordara molhado, com o céu coberto por um manto de bronze gasoso; os telhados gotejavam ritmadamente para os passeios alagados, como se os pingos fossem notas de uma ária, uma suave melodia que fazia da conversa um dueto, ele o tenor e ela o soprano.
O chão estava ensopado, pelo que evitaram a lama acumulada na esquina onde habitualmente se encontravam e cruzaram a rua, contornando as poças de água barrentas e as bostas de bovino espalhadas pelo empedrado.
«Se o teu pai morreu quando eras miúda, vocês vivem de quê?», perguntou Luís quando pisaram terreno mais limpo do outro lado.
Esperou, por isso, mais uns dias para lhe fazer novas perguntas. Decidiu-se após uma noite em que tinha chovido muito. O dia acordara molhado, com o céu coberto por um manto de bronze gasoso; os telhados gotejavam ritmadamente para os passeios alagados, como se os pingos fossem notas de uma ária, uma suave melodia que fazia da conversa um dueto, ele o tenor e ela o soprano.
O chão estava ensopado, pelo que evitaram a lama acumulada na esquina onde habitualmente se encontravam e cruzaram a rua, contornando as poças de água barrentas e as bostas de bovino espalhadas pelo empedrado.
«Se o teu pai morreu quando eras miúda, vocês vivem de quê?», perguntou Luís quando pisaram terreno mais limpo do outro lado.
(excerto do romance «A Vida num Sopro», de José Rodrigues dos Santos)
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3 comentários:
Concordo que a elegância não é o argumento forte da escrita do José R. dos Santos, embora considere os seus romances suficientemente interessantes para serem lidos até à última página.
Já este (o que vem a seguir) é tão garboso quanto pouco verosímil, quando recorre a elementos escatológicos. O que é que ele quer? Está a gozar? Ou quer mesmo convencer que a confiança pode renasce nestes momentos? Não, só pode estar a gozar...
As calças do pijama caem até aos tornozelos; ele senta-se no assento da sanita; a bexiga e os intestinos preparam-se para evacuar os líquidos e sólidos até agora retidos. Urina flui do seu pénis, primeiro um troço e depois um segundo troço deslizam do seu ânus, e sabe-lhe tão bem estar a aliviar-se desta forma que acaba por se esquecer da desolada triteza que, escassos momentos antes, se apossou dele. Claro que é capaz de se desenvencilhar sozinho, diz ele para si mesmo. Desde criança que o faz, e, neste capítulo do mijar e cagar, é tão capaz como qualquer outra pessoa no mundo. Mas há mais: também é um perito no que toca a limpar o cu.
Paul Auster, Viagens no Scriptorium, trad. José Vieira de Lima
Este exemplo não é muito adequado para eu comentar, porque eu não consigo ler esse escritor, como já tenho explicado neste blog. A escrita de Auster não difere muito da que se encontra num qualquer livro técnco, com a diferença que ele usa essa escrita para conta histórias o que resulta, na maioria dos casos, em coisas que tocam a atrocidade. Recordo aqui aquela que me pareceu a frase literária do ano, de Rogério Casanova no 'Expresso': 'A fama de Auter é um dos grandes mistérios contemporâneos.» Ao pé de Paul Auster até o José Rodrigues dos Santos é um grande escritor.
Um bocado "intestinal", de facto. Mas em Paul Auster até tem graça. Digo eu.
M. Nunes
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