sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Dois textos do Luís (2)

Segundo de dois textos do meu amigo Luís Bento (o primeiro está aqui).

É muito complicado
O meu amigo Hakan Hakansson – cujo nome quer dizer, tão-somente, Hakan filho de Hakan – vive em Estocolmo e é de nacionalidade sueca. Conheci-o na Suécia, em 1989, durante um trabalho que aí tive oportunidade de efectuar. Passados uns meses, o Hakan deslocou-se a Lisboa e por cá ficou, também em trabalho, durante cerca de quinze dias. Como já havíamos estabelecido laços de empatia, perguntei-lhe um dia, ao jantar, o que pensava dos portugueses. Após uns breves momentos, disse-me, com um ar convicto: «Luís, you are a problem oriented mind!» (Luís, vocês têm uma cabeça orientada por problemas!) Achei interessantíssima esta definição, que me fez rir à gargalhada.
Desde há uns anos, instalou-se na sociedade portuguesa um verdadeiro culto da dificuldade e do problema. Fazemos esse culto através de expressões que se tornaram correntes, «É muito complicado», «Não sei, é complicado», «Isto é mesmo muito complicado». Quando alguém aparece com uma proposta qualquer e a apresenta, a primeira reacção, regra geral, é de adesão: «A ideia é porreira»; mas, de repente, e em jeito de oposto destrutivo, logo aparece alguém a dizer: «É pá, a ideia é porreira, mas já viste os problemas que vais ter, os obstáculos que vais enfrentar? É que isto é muito complicado!» Pode dizer-se, um pouco como defendeu o meu amigo Hakan, que a grande máxima portuguesa se pode traduzir na seguinte ideia-chave: «Se as coisas podem ser complicadas, por que razão hão-de ser simples?»
O complicador é a principal ferramenta de trabalho dos portugueses. Talvez se devesse criar o Instituto Nacional para o Desenvolvimento do Complicador (INDC), directamente dependente da Presidência do Conselho de Ministros – talvez mesmo um novo ministério descentralizado – devido à importância estratégica da sua acção na melhoria da capacidade de realização dos portugueses. Competiria ao INDC, nomeadamente, promover campanhas de crítica às obras feitas, não deixando que a satisfação se instalasse na população portuguesa. Devia o INDC, também, tomar as medidas necessárias para impedir a capacidade de realização e de empreendimento, como forma de travar os ímpetos excessivos de desenvolvimento. Teria ainda, como tarefa prioritária, de criar núcleos regionais de complicação (NRC), para evitar a proliferação da descentralização e da celeridade na resolução dos problemas, visto que a celeridade excessiva – que actualmente se verifica e graves problemas tem criado – é inimiga do progresso.
A divisa do INDC deveria ser «Não faça nem deixe fazer, complique!», devendo ser publicadas brochuras temáticas com título a começar por «Como complicar a/ o ...» Haveria concerteza temas interessantes, dos quais destaco alguns que por certo ocupariam os órgãos de comunicação social: «Como complicar a acção governativa?», «Como complicar o funcionamento dos hospitais?», «Como complicar a realização de obras públicas?», «Como complicar a vida dos automobilistas?», «Como complicar a vida dos estudantes?», «Como complicar o funcionamento da Assembleia da República?» (este seria um best-seller) ou «Como complicar o funcionamento dos tribunais?» Estas brochuras poderiam ser distribuídas pela população, via CTT, em Correio Azul, o tal que anda mais lento do que o correio normal e que, portanto, é um ícone do complicador. Além disso, nesta época do ano o INDC poderia realizar, sobretudo no Algarve, uma campanha de promoção do complicador, visto que, estando em férias, as pessoas terão mais tempo para reflectir sobre as inesperadas mudanças que o complicador trará para as suas vidas.
Por uma questão de rigor, importa não confundir complicador com computador, embora, por vezes, o computador possa ser um eficaz meio de complicação, bastando para tal usar o «Windows 95», da Microsoft. O complicador não se pode confundir com um computador devido, fundamentalmente, a um conjunto de características que são muito diferenciadas. Assim, enquanto o computador é rápido, o complicador é lento; o computador tem um monitor que permite visionar as imagens do trabalho que vai fazendo, enquanto o complicador actua subterraneamente, não se vendo nada; o computador utiliza a corrente eléctrica para funcionar, enquanto o complicador anda a passo de caracol. Como se vê, não há confusão possível.
Seria aconselhável que todos aqueles que querem promover o desenvolvimento do país deixassem de lado a informatização e incluíssem nos seus orçamentos uma verba para financiar a complicadorização dos respectivos serviços, e das respectivas instituições, visto que informatizar «é muito complicado».
Ocorre-me mesmo propor que o INDC criasse o «Prémio Nacional de Complicação», destinado a premiar todos aqueles – pessoas e instituições – que fazem do complicador a sua razão de ser. Tenho receio, todavia, que mesmo toda a produção das fábricas de cerâmica das Caldas da Rainha não fosse suficiente para atribuir a todos os candidatos a estatueta de barro – um complicador, a fazer um manguito.
Será que estamos condenados a orientar a vida por problemas e por complicações, em vez de a iluminarmos com objectivos claros e determinados? Vamos pensar nisso...
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4 comentários:

Anónimo disse...

António:

O texto está muito bom. Todavia, tenho uma pergunta:
- Há quanto tempo o seu amigo Luís Bento escreveu este texto? Pergunto isto, porque me parece que já foi há mais de dois anos. Se fosse recente, ele já teria dado pela inversão da situação, operada em Portugal, desde que Sócrates anunciou e mandou pôr em prática o SIMPLEX.

Um abraço.

Anónimo disse...

Manuel

De facto o texto é anterior ao simplex. Mas mantém-se actual em muitos aspectos.

Abraço,

António

Anónimo disse...

António:

A piada era essa mesmo. Tudo se mantém igual ou pior! Eu estava a ser sarcástico, mas não era para o seu amigo Luís Bento, nem para si.

Um abraço.

Anónimo disse...

Manuel, eu percebi.

António