terça-feira, 22 de julho de 2008

Histórias para ler em vinte segundos ou um pouco mais - 2

Mil desenhos na pedra
Muitos anos depois, quando chegaram perto, já não a reconheceram. Mas sabiam que sim, que era ela. Porque eles próprios, juntos, unidos no mesmo esforço, eles próprios a tinham colocado ali. O pai e os dois filhos. Tinham-na carregado de bem longe, como tinham carregado todas as outras pedras do muro. Essas estavam quase na mesma, a julgar por aquilo de que os três se lembravam. Mas aquela não, aquela era agora outra pedra, com a mesma forma, mas outra pedra. Um velho que entretanto se tinha aproximado, um velho muito mas mesmo muito velho, pôs-se a falar do que tinha acontecido, sem antes atirar um cumprimento, umas palavras de saudação, um gesto simples que fosse. Já o pai e os filhos não; deram-lhe os bons dias os três ao mesmo tempo, enquanto ele falava sem parar. Era sobre os desenhos na pedra a lenga-lenga do velho, que de vez em quando abria os braços. Eles percebiam as palavras, mas apenas isso, porque a respeito das frases nenhuma lhes parecia ter um significado. Uma frase apenas com substantivos, depois outra limitada a preposições, a seguir mais uma feita só com pronomes demonstrativos, até uma com formas verbais no mesmo tempo verbal e sem mudar nunca de verbo. Era assim que o velho falava, entre um e outro abrir dos braços, entre um e outro olhar de contemplação da pedra. Até que se afastou, depois de dizer a única frase que o pai e os dois filhos compreenderam. «E assim é que ela ganhou os seus mil desenhos!», foi o que declarou, sem conseguir evitar uma gargalhada breve que os três associaram a um profundo sentimento de orgulho.
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1 comentário:

Miguel Mendes disse...

A história é muito gira.
Esta rúbrica, se assim lhe posso chamar, podia fazer parte de um programa de rádio, à noite.
Demorei 01:05,9 minutos a ler.
Cumprimentos