Uma entrevista que fiz em 2005, ao pai do primeiro satélite português, o cientista Fernando Carvalho Rodrigues. Publico-a agora aqui.
Canoa, por onde vais
«Canoa, por onde vais, parece-me que não vais muito bem», talvez diga baixinho algum segurança numa doca da cidade «convertida ao plástico» ao ver aproximar-se o professor Carvalho Rodrigues a comandar a sua canoa de 1937. Mas isso é uma coisa que tem mais a ver com o final da entrevista. Talvez aqui nesta abertura estejamos a viajar no tempo, distraídos, e ainda por cima sem pensar nas portagens que as regras do jornalismo impõem.
Deixando as viagens no tempo, comecemos então – como dizia, enfim, como dizia o outro – pelo princípio. As viagens no tempo, de qualquer maneira, não vão demorar.
Já o ouvi falar sobre a moeda de hoje ser o tempo. Pode explicar essa sua ideia?
Sim, o tempo é a moeda. Paga-se horas de trabalho, horas, minutos e segundos de comunicações… O tempo até determinada altura era utilizado para a as pessoas darem destino a umas coisas ou a outras, mas nós inventámos que agora é para dar a felicidade a toda a gente. É a busca incessante da felicidade, que não leva a lado nenhum. Depois de inventarmos isto, passamos a vida a correr de felicidade em felicidade. Mas esta maneira de fazer passar pensamentos via telefone, via rádio – que são as duas grandes invenções deste último século, invenções da tecnologia… Como não há pensadores, há só pensamentos. Os pensamentos são expressos em linguagem, a gente paga e a moeda é o tempo. O que acontece é que somos todos muito pobres de tempo. A evolução da humanidade é um bocado como no início da agricultura, quando a maior parte das pessoas morriam de fome. Na agricultura é o espaço a moeda. Na caça também. Quanto mais espaço, mais caça. Era assim o território. Hoje é quanto mais tempo se tem. Nós ainda somos miseráveis e pedintes do tempo. Milionários do tempo existem muito poucos. Aqueles que são capazes de viver, de dar destino a coisas, sem se importarem com o correr do tempo.
Falou de antes se morrer de fome, que é algo ainda acontece no mundo. Mas agora também se pode morrer de tempo, com o stress…
Bom, nós estamos a dar os primeiros passos nesta aprendizagem de nos alimentarmos de tempo. A tecnologia fez com que pudéssemos partilhar ideias uns com os outros. E quem tem relógio no pulso não tem tempo. O que mais dizemos uns aos outros é «não tenho tempo». Ora uma pessoa que não tem tempo é um pedinte do tempo. Quanto maior for a conta bancária menos tempo tem. É curioso.
Pois…
Estamos adaptados ainda a ser seres que dominam o espaço, mas não que dominam o tempo, uma coisa relativamente recente. Os relógios são relativamente recentes, esta coisa de ter que andar com uma algema do tempo no braço esquerdo. Tal como a capacidade de passar os pensamentos uns para os outros via rádio, tem para aí 170 anos. Na área do tempo somos uns pobretanas. Se a edição da «Forbes 500» fosse de milionários do tempo se calhar bastava uma página.
Também se ouve falar muito, especialmente no mundo das empresas, de gestão do tempo. Há inclusive cursos sobre o tema. Acha que se justifica chegar a tanto, ou a gestão do tempo poderá, afinal, ser algo bem mais simples?
Isso acontece porque o tempo é um bem muito escasso. Quando eu digo que nos alimentamos do tempo, significa sermos capazes de antecipar. Como na caça, ou na agricultura, precisamos de antecipar o espaço. Qual vai ser a cultura do Outono para o Verão. Atirar a seta ou o dardo para a frente da presa, para onde ela vai passar. Quando se atira é preciso prever no espaço onde está a presa. A gestão do tempo também é antever no tempo o que é que se vai estar a fazer num determinado momento.
Há aqueles teóricos do pontapé na bola que falam de fazer o passe para o espaço vazio, para onde algum jogador vai correr…
Pois, é preciso prever o que vai acontecer. A gestão do tempo é isto, não é muito diferente do que fazíamos no espaço. É antecipar para prever e para algumas vezes tomar contra-medidas, para impedir que algum mal aconteça. É o que nós fazemos. Estamos a aprender a gestão do tempo. Aliás, já começamos a ter uma coisa que não havia há uns tempos, a agenda. Se perguntar a uma pessoa de uma pequena aldeia, «quando é que nos encontramos?», ela pode responder «amanhã», se perguntar «quando?», ela pode responder «à tarde». Por quê? Numa sociedade que ainda se alimenta do espaço, esta antecipação que pode significar à uma hora ou às oito da noite, à tarde é quanto basta. Para nós, que somos pobres do tempo, isso é impossível. Temos que antecipar o tempo para ganhar, para ter tempo no banco. Uma pessoa que tenha duas horas durante as quais possa estar sem fazer nada, é tempo. O problema é que as pessoas não têm tempo, de modo que só há um processo de fazer as coisas, é antecipar, como se antecipava quando só nos alimentávamos de espaço.
(…)
Versão completa aqui.
Canoa, por onde vais
«Canoa, por onde vais, parece-me que não vais muito bem», talvez diga baixinho algum segurança numa doca da cidade «convertida ao plástico» ao ver aproximar-se o professor Carvalho Rodrigues a comandar a sua canoa de 1937. Mas isso é uma coisa que tem mais a ver com o final da entrevista. Talvez aqui nesta abertura estejamos a viajar no tempo, distraídos, e ainda por cima sem pensar nas portagens que as regras do jornalismo impõem.
Deixando as viagens no tempo, comecemos então – como dizia, enfim, como dizia o outro – pelo princípio. As viagens no tempo, de qualquer maneira, não vão demorar.
Já o ouvi falar sobre a moeda de hoje ser o tempo. Pode explicar essa sua ideia?
Sim, o tempo é a moeda. Paga-se horas de trabalho, horas, minutos e segundos de comunicações… O tempo até determinada altura era utilizado para a as pessoas darem destino a umas coisas ou a outras, mas nós inventámos que agora é para dar a felicidade a toda a gente. É a busca incessante da felicidade, que não leva a lado nenhum. Depois de inventarmos isto, passamos a vida a correr de felicidade em felicidade. Mas esta maneira de fazer passar pensamentos via telefone, via rádio – que são as duas grandes invenções deste último século, invenções da tecnologia… Como não há pensadores, há só pensamentos. Os pensamentos são expressos em linguagem, a gente paga e a moeda é o tempo. O que acontece é que somos todos muito pobres de tempo. A evolução da humanidade é um bocado como no início da agricultura, quando a maior parte das pessoas morriam de fome. Na agricultura é o espaço a moeda. Na caça também. Quanto mais espaço, mais caça. Era assim o território. Hoje é quanto mais tempo se tem. Nós ainda somos miseráveis e pedintes do tempo. Milionários do tempo existem muito poucos. Aqueles que são capazes de viver, de dar destino a coisas, sem se importarem com o correr do tempo.
Falou de antes se morrer de fome, que é algo ainda acontece no mundo. Mas agora também se pode morrer de tempo, com o stress…
Bom, nós estamos a dar os primeiros passos nesta aprendizagem de nos alimentarmos de tempo. A tecnologia fez com que pudéssemos partilhar ideias uns com os outros. E quem tem relógio no pulso não tem tempo. O que mais dizemos uns aos outros é «não tenho tempo». Ora uma pessoa que não tem tempo é um pedinte do tempo. Quanto maior for a conta bancária menos tempo tem. É curioso.
Pois…
Estamos adaptados ainda a ser seres que dominam o espaço, mas não que dominam o tempo, uma coisa relativamente recente. Os relógios são relativamente recentes, esta coisa de ter que andar com uma algema do tempo no braço esquerdo. Tal como a capacidade de passar os pensamentos uns para os outros via rádio, tem para aí 170 anos. Na área do tempo somos uns pobretanas. Se a edição da «Forbes 500» fosse de milionários do tempo se calhar bastava uma página.
Também se ouve falar muito, especialmente no mundo das empresas, de gestão do tempo. Há inclusive cursos sobre o tema. Acha que se justifica chegar a tanto, ou a gestão do tempo poderá, afinal, ser algo bem mais simples?
Isso acontece porque o tempo é um bem muito escasso. Quando eu digo que nos alimentamos do tempo, significa sermos capazes de antecipar. Como na caça, ou na agricultura, precisamos de antecipar o espaço. Qual vai ser a cultura do Outono para o Verão. Atirar a seta ou o dardo para a frente da presa, para onde ela vai passar. Quando se atira é preciso prever no espaço onde está a presa. A gestão do tempo também é antever no tempo o que é que se vai estar a fazer num determinado momento.
Há aqueles teóricos do pontapé na bola que falam de fazer o passe para o espaço vazio, para onde algum jogador vai correr…
Pois, é preciso prever o que vai acontecer. A gestão do tempo é isto, não é muito diferente do que fazíamos no espaço. É antecipar para prever e para algumas vezes tomar contra-medidas, para impedir que algum mal aconteça. É o que nós fazemos. Estamos a aprender a gestão do tempo. Aliás, já começamos a ter uma coisa que não havia há uns tempos, a agenda. Se perguntar a uma pessoa de uma pequena aldeia, «quando é que nos encontramos?», ela pode responder «amanhã», se perguntar «quando?», ela pode responder «à tarde». Por quê? Numa sociedade que ainda se alimenta do espaço, esta antecipação que pode significar à uma hora ou às oito da noite, à tarde é quanto basta. Para nós, que somos pobres do tempo, isso é impossível. Temos que antecipar o tempo para ganhar, para ter tempo no banco. Uma pessoa que tenha duas horas durante as quais possa estar sem fazer nada, é tempo. O problema é que as pessoas não têm tempo, de modo que só há um processo de fazer as coisas, é antecipar, como se antecipava quando só nos alimentávamos de espaço.
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Versão completa aqui.
Foto de João Andrés
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