domingo, 20 de janeiro de 2008

Um restaurante do Alentejo

Já nem me lembrava de ter escrito este texto. Lembrei-me ontem à tarde, ao passar de carro pela rua onde fica o restaurante. No Escoural. O texto saiu em meados de 2005 na revista «Pessoal», que dirijo; há duas pessoas que normalmente fazem os textos sobre restaurantes, mas eu já fiz alguns. Este é um deles, actualizado agora no primeiro parágrafo (em vez de 11 anos, como escrevi em 2005, o restaurante vai já a caminho dos 14) e no segundo (a idade passa de 49 para 51); e retirei da nota final a referência ao preço médio de 2005 (entre 10 e 25 euros).

Restaurante «Manuel Azinheirinha»
Feito pelos amigos
Qual lagrimazinha,
Se não estamos aqui
para choradeiras!...

Saindo de Montemor-o-Novo em direcção a Alcáçovas, encontra-se poucos quilómetros adiante Santiago do Escoural. Bem na rua principal, de pavimento novo depois de obras que chegaram a parecer intermináveis, do lado esquerdo, um verdadeiro lugar de culto, «para os amigos». Já vai em quase 14 anos esse lugar, é o restaurante típico «Manuel Azinheirinha». É fácil dar com o letreiro, até porque se se for de carro naquela rua a velocidade tem de ser reduzida, e no caso de se passar a pé, então ainda mais fácil se torna.
Manuel Azinheirinha – neste caso o anfitrião, não o próprio restaurante – está desde os onze anos ligado à restauração, ele que vai nos 51. Por detrás do balcão do bar, diz que os clientes é que têm feito o restaurante, «os amigos», como faz questão de reforçar, «eles têm acreditado». São «amigos» de Lisboa, do Norte, de tantos sítios… Só assim foi possível continuar o percurso iniciado em 12 de Fevereiro de 1994), numa terra que não chega aos dois mil habitantes.
Manuel Azinheirinha tem um sector por sua conta, o do bar e do restaurante. O resto, ou seja, o sector da cozinha, está a cargo da mulher, Maria Rosa, que antes «fazia tapetes de Arraiolos e era modista de senhora». Azinheirinha diz que lhe transmitiu algumas coisas, e que em matéria de cozinha «só prova». Mas sabe fazer tudo.
E tudo, afinal, o que é?
Bom, comecemos pelas entradas, apenas algumas de um total de 25 que Azinheirinha exibe orgulhosamente: cogumelos assados com presunto, salada de orelha, peitinho de borrego assado, farinheira assada, frigideirinha de mãozinha de vitela (ou de cabeça de porco), salada de favas com chouriço, salada de grão com bacalhau, salada de polvo, salada de ovas, queijo assado, queijo de Serpa, xara, paio da região…
Depois, os pratos, nomeadamente caça, embora a coisa não se fique por aí, longe disso (lebre de cabidela, perdiz estufada, pomba à Dona Rosa, javali estufado com puré de maçã, perdiz com couve lombarda – neste último caso só por encomenda). As lebres chegam maioritariamente de Espanha, o resto é nacional, incluindo os javalis, das montarias que periodicamente se fazem na zona.
Saindo da caça: sopa de peixe (sempre apenas um tipo de peixe em cada sopa), sopa de cação, pezinhos de coentrada, ensopado de borrego, migas à alentejana, borrego assado, tudo receitas da região. O peixe chega de Setúbal ou de Sesimbra, legumes e carnes das zonas de Montemor e Évora.
E os doces, sobretudo conventuais: morgado, encharcada, mel e noz, manjar de príncipe ou sericaia.
Finalmente, os vinhos da garrafeira de Manuel Azinheirinha – aqui é que se nota particularmente o seu orgulho –, sobretudo alentejanos (Convento de Tomina, Paço do Conde, Cartuxa ou Montes Claros, por exemplo). Douro, verdes ou brancos, nem por isso, até porque «os clientes pedem pouco».
E uma história, a que serve para o mote da abertura, passada com um cliente (um «amigo») «de uma certa idade», como refere Azinheirinha, que o conhece desde há muito. Azinheirinha diz que depois das refeições oferece sempre uma bebida… E então disse a esse «amigo»: «senhor engenheiro, vai mais uma lagrimazinha?». Ele respondeu-lhe: «serve-me lá mas é uma dose, que eu não estou aqui para choradeiras!»

1 comentário:

Anónimo disse...

António:

Não sei porquê, fez-me lembrar Eça de Queirós em "A Cidade e as Serras". O primeiro jantar em Tormes. Talvez as mais emocionantes páginas, que alguma vez descreveram uma refeição autêntica. E logo, para desgraça minha, haveria de ser com favas!

Cumprimentos.