O lado do Belmiro (texto de meados de 1998)
Durante a primeira metade da década de oitenta, o então treinador da equipa de futebol do Varzim, José Torres, apostou no lançamento de jovens jogadores na primeira divisão. De tal forma que a equipa se apresentava pelo país fora invariavelmente com meia-dúzia de caras novas que se destacavam por três aspectos: serem desconhecidos, serem promissores e, obviamente, serem jovens. E José Torres não se coibia de falar dessas apostas, elogiando as potencialidades futebolísticas dos seus craques e, principalmente, o desempenho que no campo estavam a ter. Certa vez, em entrevista a um trissemanário desportivo (a saudosa «Gazeta dos Desportos»), que os tempos ainda eram de trissemanários, José Torres foi mais uma vez desafiado a comentar o assunto. A época já ia adiantada e a carreira da equipa continuava promissora. José Torres estava mais do que satisfeito com a opções tomadas, principalmente com o jovem que vinha sistematicamente a colocar a defesa esquerdo. Tanto que não teve a mínimo dúvida em afirmar que todos aqueles jovens estavam a fazer por merecer a confiança. E então o Belmiro, o defesa esquerdo, esse é que prometia mesmo. De facto, como assinalava José Torres, ainda não tinham sofrido «nenhum golo pelo lado do Belmiro».
Passados todos estes anos, com o defesa esquerdo Belmiro certamente na casa dos trinta e muitos, em fim de carreira ou com ela já terminada, o mesmo nome vem de novo à baila. E não por uma questão meramente futebolística, antes sim por uma questão política. Coisa que pouca diferença faz, porque agora quase tudo tem a ver com quase tudo. A globalização, se assim poderemos dizer, não torna só o mundo numa pequena aldeia onde praticamente todos se conhecem. Essa mesma globalização também já faz com que as mais diversas áreas se cruzem e recruzem. Mas adiante, que não é do antigo defesa esquerdo do Varzim, uma das grandes apostas de José Torres nos anos oitenta, que agora se fala. Embora também seja de um homem do norte, de quem se fala é de outro Belmiro, o engenheiro Belmiro de Azevedo, presidente do Grupo Sonae, que de repente se viu apanhado no lodaçal da luta política. Belmiro, o Belmiro de agora, o engenheiro, não se calou perante a acusação do líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, de favorecimento por parte do governo PS aos grandes grupos económicos. Bem pelo contrário, reagiu forte e feio, como toda a gente sabe, defendendo-se a si e ao seu grupo. Indirectamente, acabou por também defender o governo.
Já este último, ou seja, o governo, pela voz do primeiro-ministro António Guterres, não teve uma reacção tão enérgica. Talvez porque não queira dar muita importância a Marcelo, ou então porque Guterres deve ser um pouco como José Torres, que delegava no Belmiro, o defesa esquerdo, as responsabilidades de protecção da sua baliza, em vez de ser ele próprio a voltar a calçar as botas de pitons. Resta saber se Guterres, mais dia menos dia, não acabará por dizer algo sobre o assunto. Não ao ponto de chegar à Assembleia da República e dizer que «novidades, novidades, só no Continente», como já alguém sugeriu, mas pelo menos a dar algumas explicações aos órgãos de comunicação social. Sejam eles quais forem, até eventualmente os jornais desportivos, que agora já são diários. Os mesmos jornais onde José Torres dava as entrevistas nos tempos das suas apostas do Varzim. E a esses, se acedesse a falar-lhes, Guterres não poderia fugir muito da velha frase de José Torres. Não a que antecedeu o decisivo jogo na Alemanha, na qualificação para o Mundial do México, em 1986, quando já era seleccionador nacional, a célebre «Deixem-me sonhar!» A frase de José Torres que Guterres repetiria seria a outra, a primeira, a dos tempos do Varzim: «Ainda não sofremos nenhum golo pelo lado do Belmiro!»
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Belmiro, o defesa imbatível
Mais um naufrágio. Um dos pescadores desaparecidos é um antigo jogador de futebol chamado Belmiro. Lembro-me dele no Varzim, a defesa esquerdo, treinado e elogiado por José Torres, para quem a sorte também tem sido madrasta. Uma vez escrevi uma crónica em que falava do Belmiro. Se calhar agora, muitos anos depois de ter sido escrita, não faz muito sentido. De qualquer maneira, colo o texto a seguir.
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