Ia a sair de casa, pela estrada do montado. Levava a máquina fotográfica por acaso. Apanhei os primeiros segundos de vida do pequeno bezerro que a vaca está a lamber (clicar na imagem para aumentar). É a mesma estrada que percorro inúmeras vezes no romance «O que Entra nos Livros» (capa na coluna ao lado), muitas delas de noite, como no bocadinho que mostro a seguir...
(…) E eu no montado escuro, atento às pedras que poderiam interromper-me a viagem e aos movimentos dos olhos que aos pares povoavam a noite. Tinham chegado as vacas, umas centenas, tinham chegado durante a tarde, algumas já com os bezerros nascidos. Iriam ficar uns dois meses no montado, enquanto não dessem destino à erva toda. Os olhos eram de uma cor esverdeada, bem diferentes de uma outra, mais para o vermelho, que de vez em quando denunciava a presença de animais selvagens, como por exemplo as ginetas; mas também havia animais selvagens com olhos esverdeados, e até alguns que me parecia terem olhos de outras cores. Eu tinha de estar atento, não fosse alguma vaca atravessar-se, ou algum dos inexperientes bezerros. E depois, já perto da estrada de alcatrão, tinha de ter o cuidado de fechar bem o portão.
Apetecia-me voltar para trás. Era sempre assim. Perguntava a mim mesmo por que é que não deixava mais cedo do que o previsto o lugar na câmara para um outro colega. Serviria de alguma coisa gastar tempo, paciência ou argumentos em reuniões em que o presidente, além de ocupar o lugar central numa mesa com cinco pessoas ao lado umas das outras, me parecia pensar que ocupava também o centro não apenas do concelho mas do próprio mundo? E aturar insultos, a voz como se falasse para alguém ao longe e também murros no tampo da mesa, como se sobre esse mesmo tampo alguma postura municipal encorajasse qualquer pessoa que ocupasse o cargo de presidente a descarregar as fúrias maiores? Eram perguntas como estas que eu colocava. A mim próprio. As correrias, de noite, sempre a chegar de noite, muito tarde, e a minha mãe acordada com o jantar à espera, sem que faltasse a sopa de legumes; tantos, tantos legumes que eu seria capaz de nomear a sopa como prato preferido se por ele me perguntassem numa entrevista a despachar como as que às vezes via em revistas e jornais.
(…) E eu no montado escuro, atento às pedras que poderiam interromper-me a viagem e aos movimentos dos olhos que aos pares povoavam a noite. Tinham chegado as vacas, umas centenas, tinham chegado durante a tarde, algumas já com os bezerros nascidos. Iriam ficar uns dois meses no montado, enquanto não dessem destino à erva toda. Os olhos eram de uma cor esverdeada, bem diferentes de uma outra, mais para o vermelho, que de vez em quando denunciava a presença de animais selvagens, como por exemplo as ginetas; mas também havia animais selvagens com olhos esverdeados, e até alguns que me parecia terem olhos de outras cores. Eu tinha de estar atento, não fosse alguma vaca atravessar-se, ou algum dos inexperientes bezerros. E depois, já perto da estrada de alcatrão, tinha de ter o cuidado de fechar bem o portão.
Apetecia-me voltar para trás. Era sempre assim. Perguntava a mim mesmo por que é que não deixava mais cedo do que o previsto o lugar na câmara para um outro colega. Serviria de alguma coisa gastar tempo, paciência ou argumentos em reuniões em que o presidente, além de ocupar o lugar central numa mesa com cinco pessoas ao lado umas das outras, me parecia pensar que ocupava também o centro não apenas do concelho mas do próprio mundo? E aturar insultos, a voz como se falasse para alguém ao longe e também murros no tampo da mesa, como se sobre esse mesmo tampo alguma postura municipal encorajasse qualquer pessoa que ocupasse o cargo de presidente a descarregar as fúrias maiores? Eram perguntas como estas que eu colocava. A mim próprio. As correrias, de noite, sempre a chegar de noite, muito tarde, e a minha mãe acordada com o jantar à espera, sem que faltasse a sopa de legumes; tantos, tantos legumes que eu seria capaz de nomear a sopa como prato preferido se por ele me perguntassem numa entrevista a despachar como as que às vezes via em revistas e jornais.
(...)
2 comentários:
Votos de muitos êxitos, para o seu novo romance. São os votos sinceros deste seu admirador e conterrâneo.
Muito obrigado.
Um abraço, AMV
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