Livro: «A Planície em Chamas», de Juan Rulfo (Cavalo de Ferro, 150 pp.)
O valor de uma galinha
A solidão, a violência e a morte, num conjunto de contos que muita gente já considerou incomparáveis. Como a escrita do seu autor.
Da escrita de Juan Rulfo disse um dia Carlos Fuentes ser «a máxima expressão da literatura mexicana». Também para ele, Rulfo (nascido em 1917, no México, tendo morrido em 1986 na capital do país) era incomparável. Muito se tem falado de que parte da obra que escreveu ficou perdida, nomeadamente contos. Resta a consolação de, além deste volume de contos, «A Planície em Chamas», ter deixado para toda a humanidade o extraordinário romance «Pedro Páramo» (publicado pela primeira vez no México em 1955), que não conheceu edição portuguesa durante décadas (depois de ter sido traduzido em 1969); acabaria por ser editado cá em 2004 (também pela Cavalo de ferro).
Em «A Planície em Chamas» (contos escritos na década de 40 e início da de 50 do século passado), o que se encontra são pobres-diabos, perdidos num mundo onde falta tudo menos a terra seca e dura e o Sol a queimar como fogo. É esse o cenário escolhido por Rulfo para as suas histórias atravessadas pela solidão, pela violência e pela morte. Ou talvez nem se trate de uma escolha, talvez tenha sido a única opção de Rulfo ao colocar no papel as suas personagens. Por onde poderiam elas andar a não ser por sítios assim?
Repare-se no início de alguns dos dezassete contos: «Depois de tantas horas a caminhar sem encontrar nem uma sombra de árvore…», logo o primeiro; «Aqui vai tudo de mal a pior.»; «Natália meteu-se nos braços da mãe e chorou longo tempo…»; «Estou sentado junto do esgoto esperando que as rãs saiam.»; «– Diz-lhes que não me matem, Justino!» É muitas vezes assim, tudo triste, triste, apenas triste. Mas a escrita de Rulfo não envolve o leitor nessa tristeza. Observa-se as personagens, as suas vidas, os seus dramas, e pensa-se. É sobretudo esse o efeito destes contos, fazem pensar, nem que seja ao acompanhar o percurso de um grupo de camponeses pela terra árida da planície que queima como se dela saíssem chamas. «– Ouve lá, Teban, onde conseguiste essa galinha?/ – É a minha – diz ele./ – Não a trazias antes. Onde a compraste, hã?/ – Não a comprei, é a galinha do meu curral./ – Então trouxeste-a de abastecimento, não?/ – Não, trago-a para a cuidar. A minha casa ficou sozinha e sem ninguém para lhe dar de comer; por isso a trouxe. Sempre que saio para longe carrego com ela.» Quanto não pode valer uma galinha para os pobres diabos que Rulfo tornou imortais?
O valor de uma galinha
A solidão, a violência e a morte, num conjunto de contos que muita gente já considerou incomparáveis. Como a escrita do seu autor.
Da escrita de Juan Rulfo disse um dia Carlos Fuentes ser «a máxima expressão da literatura mexicana». Também para ele, Rulfo (nascido em 1917, no México, tendo morrido em 1986 na capital do país) era incomparável. Muito se tem falado de que parte da obra que escreveu ficou perdida, nomeadamente contos. Resta a consolação de, além deste volume de contos, «A Planície em Chamas», ter deixado para toda a humanidade o extraordinário romance «Pedro Páramo» (publicado pela primeira vez no México em 1955), que não conheceu edição portuguesa durante décadas (depois de ter sido traduzido em 1969); acabaria por ser editado cá em 2004 (também pela Cavalo de ferro).
Em «A Planície em Chamas» (contos escritos na década de 40 e início da de 50 do século passado), o que se encontra são pobres-diabos, perdidos num mundo onde falta tudo menos a terra seca e dura e o Sol a queimar como fogo. É esse o cenário escolhido por Rulfo para as suas histórias atravessadas pela solidão, pela violência e pela morte. Ou talvez nem se trate de uma escolha, talvez tenha sido a única opção de Rulfo ao colocar no papel as suas personagens. Por onde poderiam elas andar a não ser por sítios assim?
Repare-se no início de alguns dos dezassete contos: «Depois de tantas horas a caminhar sem encontrar nem uma sombra de árvore…», logo o primeiro; «Aqui vai tudo de mal a pior.»; «Natália meteu-se nos braços da mãe e chorou longo tempo…»; «Estou sentado junto do esgoto esperando que as rãs saiam.»; «– Diz-lhes que não me matem, Justino!» É muitas vezes assim, tudo triste, triste, apenas triste. Mas a escrita de Rulfo não envolve o leitor nessa tristeza. Observa-se as personagens, as suas vidas, os seus dramas, e pensa-se. É sobretudo esse o efeito destes contos, fazem pensar, nem que seja ao acompanhar o percurso de um grupo de camponeses pela terra árida da planície que queima como se dela saíssem chamas. «– Ouve lá, Teban, onde conseguiste essa galinha?/ – É a minha – diz ele./ – Não a trazias antes. Onde a compraste, hã?/ – Não a comprei, é a galinha do meu curral./ – Então trouxeste-a de abastecimento, não?/ – Não, trago-a para a cuidar. A minha casa ficou sozinha e sem ninguém para lhe dar de comer; por isso a trouxe. Sempre que saio para longe carrego com ela.» Quanto não pode valer uma galinha para os pobres diabos que Rulfo tornou imortais?
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