sexta-feira, 9 de março de 2007

Textos sobre livros – 17


Livro: «Na Pista da Dança», de Fernando Sobral (Teorema, 184 pp.)

Saiu um novo romance de Fernando Sobral. Chama-se «O Navio do Ópio» e a edição é da Oficina do Livro. Ainda não li (ou antes, li um bocadinho, porque espreitei um ficheiro com umas trinta páginas que em tempos o autor me enviou). O que deixo a seguir é um pequenino texto sobre um romance anterior de Fernando Sobral, chamado «Na Pista da Dança» e de cuja leitura gostei muito.

«Na Pista da Dança», assim se chama, primeiro romance do jornalista Fernando Sobral (saiu em 2000), oferece-nos a possibilidade de olhar para um mundo de onde a ficção costuma andar afastada. Pelo menos a ficção portuguesa. É o mundo da música, entre o rock e a tecnho, no meio de copos, raves, sexo e droga, com a Internet e a cada vez mais velha e gasta nova economia sempre de soslaio. No Barreiro, na ressaca da grande aventura industrial da margem sul do Tejo. «Os subúrbios têm segredos», pode ler-se na badana. «Escondem muitas coisas que não nos querem dizer. Sabem demasiadas coisas que não nos podem revelar. São territórios que muitos julgam conhecer, mas que nunca conhecerão.» Pior ainda, e pegando numa imagem feliz do autor, «se são subúrbios com subúrbios à volta».
Um mundo povoado de gente pouco afeita a grandes combates, sem paciência para mais revoluções. O mundo deste livro. «O Barreiro já não era nem uma cidade industrial nem um subúrbio. Pelo contrário, tornara-se, a pouco e pouco, um território deserto, ocupado ao fim de semana pelos jovens dos subúrbios que se tinham criado à volta.» O mundo de Rita, a jovem vocalista dos Croma, que não acredita em bruxas, embora admita que se alguma vez existiram no Barreiro «já foram todas de barco para Lisboa». E o mundo de David Guerra, ou apenas David, regressado de Cabo Verde com a ideia fixa de fazer uma editora discográfica, que talvez alguém se encarregue de transformar numa dotcom.
No Ás de Copas, o «bar da moda» do «subúrbio com subúrbios à volta», David e Rita… «Ela sentou-se e David não deixou de a achar bonita. Morena, muito morena, com uns olhos verdes que pareciam ainda mais brilhantes naquele cruzamento de cores do bar./ – Desculpe ter pensado neste sítio, mas é quase sempre um hábito para mim nos últimos tempos. – Não faz mal. Eu não conhecia. Foi aqui que mataram aquela rapariga, há uns anos, não foi?/ David acenou com a cabeça. Perguntou-lhe o que queria beber e pediu dois runs. O dela é Cuba Livre. Depois falou-lhe da sua ideia de fundar uma editora. Um sonho que estava quase a concretizar-se. A culpa é de ter passado anos a ouvir rock, entre ganzas e cervejas. Ia chamar-se Pirotechnia. Rita riu. Eu não gosto muito de tecnho, disse. Nem eu espero que goste, disse David. A única razão porque se chama assim é porque gosto de fazer trocadilhos com as palavras.» É apenas o primeiro encontro dos dois. Num bar do «subúrbio com subúrbios à volta».

Já fora do pequeno texto sobre «Na Pista da Dança», uma nota relativa ao autor. Fernando Sobral começou no jornalismo no «DN Jovem», o histórico suplemento do «Diário de Notícias», tendo trabalhado depois nos jornais «Semanário», «O Independente» e «Diário Económico». Foi também chefe de redacção do jornal «Se7e». Actualmente, é jornalista do «Jornal de Negócios» e colaborador do «Correio da Manhã» e da revista «Sábado».

Sem comentários: