Mais um bocadinho do meu próximo romance (sai em Maio, ed. AMBAR). A cidade onde quase tudo acontece é Évora, como referi num post de há dias, mas neste bocadinho falo de Lisboa.
(…) Achava que Lisboa era uma cidade absolutamente caótica, sem futuro, condenada nem eu sabia bem a quê, uma cidade que só me despertava algum interesse quando a observava do meio do tabuleiro da nova ponte, diante de mim, a descer para o rio, ameaçando afundar-se a qualquer momento. De longe parecia bonita, não se via o lixo, a degradação dos edifícios, a publicidade, nem se percebia a confusão das ruas; os caixotes de apartamentos quase que faziam algum sentido e até os aviões, a voarem um pouco acima do volume que descia para o Tejo, pareciam ter uma certa graça, tanto que eu observava-os com um bocadinho do mesmo fascínio com que no montado que cercava o monte observava as águias uns metros acima de mim. Às vezes ia no carro pela estrada de terra que atravessava o montado até à estrada de alcatrão e via à minha frente uma sombra; travava então um pouco e uma águia surgia a voar uns dez metros acima do chão, enorme, quase do tamanho de uma galinha, mas vigorosa, dona dos ares, a águia a dar a ideia de que era capaz de ser dona de tudo o que quisesse naquele momento.
Curiosamente, os aviões que eu via pequeninos de cima do tabuleiro da nova ponte de Lisboa, esses aviões quando eu já conduzia na Segunda Circular, mesmo ao lado do aeroporto, surpreendiam-me como as águias ao passarem de repente uns metros acima do carro, se calhar apenas trinta ou quarenta metros nalgumas das vezes. Quase que me causavam a surpresa das águias, não fosse o ruído tremendo que de repente surgia nem eu sabia de onde, como se o mundo estivesse mesmo a acabar e no momento decisivo chegasse a algum deus com currículo a ideia de tocar um gongo para assinalar devidamente a ocasião. Mas depois o mundo continuava, sempre, a cada avião que me passava por cima, às vezes a dar a ideia de que poderia riscar-me a pintura do tejadilho do carro com o trem de aterragem. Já com as águias, na estrada de terra do montado, eu não pensava nisso, quando me voavam por cima do carro e eu as percebia pela sombra que no chão as denunciava se os dias fossem de sol. No montado o voo das águias não era o prenúncio do fim do mundo, não era o prenúncio do fim de nada, nem do princípio de nada. O mundo no montado parecia ser algo que permanecia, mas sempre a mudar, a transformar-se, sempre diferente, tão diferente que por vezes as águias até voavam baixinho, a um ou dois metros de altura, evitando os troncos dos sobreiros e das azinheiras com um à-vontade de que eu não poderia nunca gabar-me em relação ao que fazia com as pedras que de surpresa apareciam na estrada de terra a atirarem olhares de cobiça a algum dos pneus.
(…)
(…) Achava que Lisboa era uma cidade absolutamente caótica, sem futuro, condenada nem eu sabia bem a quê, uma cidade que só me despertava algum interesse quando a observava do meio do tabuleiro da nova ponte, diante de mim, a descer para o rio, ameaçando afundar-se a qualquer momento. De longe parecia bonita, não se via o lixo, a degradação dos edifícios, a publicidade, nem se percebia a confusão das ruas; os caixotes de apartamentos quase que faziam algum sentido e até os aviões, a voarem um pouco acima do volume que descia para o Tejo, pareciam ter uma certa graça, tanto que eu observava-os com um bocadinho do mesmo fascínio com que no montado que cercava o monte observava as águias uns metros acima de mim. Às vezes ia no carro pela estrada de terra que atravessava o montado até à estrada de alcatrão e via à minha frente uma sombra; travava então um pouco e uma águia surgia a voar uns dez metros acima do chão, enorme, quase do tamanho de uma galinha, mas vigorosa, dona dos ares, a águia a dar a ideia de que era capaz de ser dona de tudo o que quisesse naquele momento.
Curiosamente, os aviões que eu via pequeninos de cima do tabuleiro da nova ponte de Lisboa, esses aviões quando eu já conduzia na Segunda Circular, mesmo ao lado do aeroporto, surpreendiam-me como as águias ao passarem de repente uns metros acima do carro, se calhar apenas trinta ou quarenta metros nalgumas das vezes. Quase que me causavam a surpresa das águias, não fosse o ruído tremendo que de repente surgia nem eu sabia de onde, como se o mundo estivesse mesmo a acabar e no momento decisivo chegasse a algum deus com currículo a ideia de tocar um gongo para assinalar devidamente a ocasião. Mas depois o mundo continuava, sempre, a cada avião que me passava por cima, às vezes a dar a ideia de que poderia riscar-me a pintura do tejadilho do carro com o trem de aterragem. Já com as águias, na estrada de terra do montado, eu não pensava nisso, quando me voavam por cima do carro e eu as percebia pela sombra que no chão as denunciava se os dias fossem de sol. No montado o voo das águias não era o prenúncio do fim do mundo, não era o prenúncio do fim de nada, nem do princípio de nada. O mundo no montado parecia ser algo que permanecia, mas sempre a mudar, a transformar-se, sempre diferente, tão diferente que por vezes as águias até voavam baixinho, a um ou dois metros de altura, evitando os troncos dos sobreiros e das azinheiras com um à-vontade de que eu não poderia nunca gabar-me em relação ao que fazia com as pedras que de surpresa apareciam na estrada de terra a atirarem olhares de cobiça a algum dos pneus.
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