Começo mais um romance. A ler, não a escrever. Li os livros todos do autor, excepto uns que publicou há muitos anos numa série em que assinava com um pseudónimo e tentava aproximar-se de Raymond Chandler. Gosto das histórias dele, mas estou sempre de pé atrás com a escrita, sobretudo com uma coisa irritante que é meter a itálico as palavras que as personagens dizem com ênfase. Escrita visual, ou lá o que é. Já vou com sorte por ele não se ter lembrado de usar maiúsculas nesses casos. Ou bold. Dá sempre confusão. As palavras estrangeiras aparecem também a itálico. Tenho de pensar se é só estrangeiro ou se é estrangeiro com ênfase. A certa altura fico baralhado: aparece um sim que me parece ser dito com ênfase por uma personagem, mas não vem a itálico, vem com tracinhos a separar as letras, uma delas repetida (s-i-i-i-m). Imagino que é uma ênfase diferente ou coisa assim. O autor não sei o que imaginou ao escrever. Mas gosto das histórias dele, por isso tenho de dar o desconto. Até ao facto de o livro vir com a parvoíce do acordo ortográfico, embora isso deva ser opção de cá, da editora, ao fazer a tradução. Nem ligo. Gosto da história. Quando tropeço, levanto-me e continuo. Nas ênfases, com o hábito, já nem tropeço. Ganhei uma certa habituação. A última em que tropecei e caí desamparado, lembro-me, foi uma numa palavra do narrador. Estive um bocado a olhar para aquilo, no chão, e não consegui perceber por que é que o próprio narrador andava com as ênfases nessa parte. Levantei-me e prossegui. Apesar de ter sido uma grande queda. Tão grande como a primeira que dei no romance, logo na primeira linha: «O último esforço de equipa do grupo da festa de despedida...» Ainda no chão, pensei se valeria a pena meter-me naquilo, sujeito a mais quedas. Resolvi que sim, que valia. Porque gosto das histórias do autor. E naquela primeira queda, quem sabe, a corda para me fazer tropeçar foi colocada pela tradutora. «Esforço de equipa do grupo», pensava eu, já mais à frente, tentando perceber se poderia ou não haver alguma situação em que o esforço de um grupo não fosse de equipa, ou de grupo, ou conjunto, ou grupal ou sei lá o que mais. Ainda por cima a abrir o romance. Uma ênfase das complicadas fez-me nessa altura abandonar o esforço para perceber. «Que é que te parece?», perguntou uma personagem a outra, com a ênfase itálica no «te». A outra personagem não respondeu. Reparei que estava confusa. Como eu. Levantei-me e prossegui, com atenção redobrada.
1 comentário:
Bom, ó António, não será uma ênfase inglória o leitor continuar assim tropeçando até ao fim da história?! Há o risco de lá chegar de rastos!...
Enviar um comentário